PERIGO: BAHIA QUER USINA NUCLEAR





Vítimas de Chernobyl ainda lamentam o investimento no local



Quatro estados nordestinos estão na reta final da disputa pelas duas usinas nucleares, as primeiras da região, e mais de R$ 20 bilhões em investimentos. Até o início de 2011, a Eletronuclear (Eletrobrás Nuclear S.A), empresa vinculada ao Ministério de Minas e Energia e responsável pela operação e contrução de usinas nucleares no Brasil, vai apontar oito locais nos Estados de Sergipe, Alagoas, Bahia e Pernambuco que estariam aptos a receber o complexo nuclear. A previsão é de que a primeira usina comece a operar em 2019 e a segunda, em 2021. Os ambientalistas apontam para o enorme risco de se ter um empreendimento desta natureza próximo da gente. E não é preciso ser especialista em nada para lembrar os casos de Chernobyl e, aqui na vizinhança, Angra dos Reis. 




Escrito por James Martins

Analise do Censo Agropecuário de 2006: Algumas informações importantes

A cada 10 anos o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) faz um levantamento, uma pesquisa, indo de casa em casa, para saber como está a vida e a produção no meio rural brasileiro.
O último Censo Agropecuário foi feito em 2006 e publicado em 2009. Esta pesquisa permite fazer um retrato, uma fotografia de como está a vida e a produção na roça e dá para fazer algumas comparações importantes sobre as diferenças entres os grandes e pequenos agricultores, entre o agronegócio e a agricultura camponesa.
Vamos ver alguns números desta pesquisa:
1 - Propriedade e Posse da Terra
Os pequenos agricultores têm 24% de todas as terras privatizadas do Brasil.
Quer dizer, de cada 100 hectares de terras, 24 é de camponês.
Os médios e grandes têm 76% de todas as terras.
De cada 100 hectares, 76 é do agronegócio.

2 - Número de Estabelecimentos - Propriedades, Posses, Lotes

Os camponeses são mais de 4 milhões e 360 mil estabelecimentos.
Os médios e grandes são apenas 807 mil estabelecimentos.
Os grandes proprietários acima de mil hectares são apenas 46.000. E os latifundiários acima de 2 mil ha, são apenas 15 mil fazendeiros que detêm 98 milhões de hectares.
3 - O que Produzem:
Os camponeses produzem 40% da produção agropecuária do Brasil (medida pelo Valor Bruto da Produção Agropecuária Total), apesar de terem apenas 24% das terras, e ainda, nas piores condições de topografia e fertilidade. Alem disso, sabe-se que grande parte da produção do camponês é para auto-sustento, e por tanto não é vendida.
Os médios e grandes produzem 60% da produção agropecuária do país, tendo 76% de todas as terras do país, entre elas as mais planas e férteis e melhor localizadas para o mercado.
4 - Valor da Produção por Hectare
1 hectare da agricultura camponesa teve, em média, uma renda de R$ 677,00.
1 hectare do agronegócio teve, em média, uma renda de apenas R$ 368,00.
5 - Quem produz o que o Povo Brasileiro come:
Daquilo que vai para a mesa dos brasileiros, 70% é produzido pelos pequenos agricultores, pelos camponeses.
Só 30% do que vai para a mesa dos brasileiros vem das grandes propriedades, que priorizam apenas as exportações, ou seja, não produzem comida, querem produzir apenas "commodities"!
6 - Trabalho para o Povo:
As pequenas propriedades dão trabalho para 74% de toda mão de obra no campo brasileiro.
As médias e grandes, o agronegócio, mesmo com muito mais terra, só empregam para 26% das pessoas que trabalham no campo. Pois preferem utilizar mecanização intensiva e muito agrotóxicos. Por isso, o Brasil se transformou na safra de 2008/2009 no maior consumidor mundial de agrotóxicos. São aplicados 700 milhões de litros de veneno por ano!
7 - Quantas pessoas trabalham por Hectare:
Na agricultura camponesa, em cada 100 hectares, trabalham 15 pessoas.
No agronegócio, em cada 100 hectares, dão emprego para apenas 2 pessoas (média real de 1,7 pessoas/ha).
8 - Os recursos do Crédito Agrícola:
Os valores do crédito não estão no Censo Agropecuário, mas no Plano Safra. No Plano Safra 2009/2010 foram destinados R$ 93 milhões para o agronegócio. E 15 bilhões para a agricultura camponesa. Mesmo assim, sabe-se que apesar da crescente oferta de recursos para a agricultura camponesa, apenas 1,2 milhões de estabelecimentos familiares tem acesso ao credito, e na ultima safra utilizaram apenas 80% do que está disponível.
Isto significa que os camponeses utilizam apenas 14% do crédito agrícola total ofertado pelos bancos, através das normas e determinações da política do governo federal.
Resumo comparativo entre os dois modelos de agricultura vigentes no Brasil

Os Camponeses 
O agronegócio
14% do Crédito
  86% do crédito rural
24% das terras 76% das terras
40% do valor total da produção vendido 60% do valor total da produção vendida
70% da produção total de comida do país  30% da produção total de comida do país
74% da mão de obra da agricultura brasileira  26% da mão de obra na agricultura brasileira


PERSPECTIVAS SE HOUVESSE UMA REFORMA AGRÁRIA MASSIVA
Usando os dados do Censo 2006 podemos fazer uma projeção de como poderia ser o Brasil se houvesse uma Reforma Agrária massiva, que democratizasse a propriedade e posse da terra e reorganizasse a produção agrícola para o mercado interno.
Tomando como base só os Estabelecimentos acima de 1.000 hectares.
Com mais de 1.000 hectares são apenas 46.911 estabelecimentos.
Ocupam uma área de 146.553.218 hectares, isto é, mais de 146 milhões de hectares. Dá uma média de 3.125 hectares por propriedade.
Agora vejamos como ficaria esta terra que agora pertence a apenas 47 mil grandes proprietários, se fosse distribuída em lotes com tamanho médio de 50 hectares por família?
Seriam criados 2 milhões e 920 mil novos estabelecimentos agrícolas, ou seja, quase 3 milhões de novas famílias de camponeses.
Contando que a agricultura camponesa ocupa 15 pessoas a cada 100 hectares, esta reforma agrária criaria trabalho para mais 21 milhões de pessoas, ao contrário de 2 milhões e 400 mil criados hoje através do agronegócio. Que além do mais, trabalham como assalariados para o agronegócio, recebendo salários ridículos, muitas vezes apenas temporários, e sem direitos trabalhistas ou previdenciários.
Tomando em conta que na agricultura camponesa cada hectare gera uma renda média anual de R$ 677,00, a renda gerada nas áreas distribuídas produziria uma nova riqueza no valor aproximado de R$ 99 bilhões por ano.
É só comparar. O latifúndio e o agronegócio não trazem benefícios para a sociedade brasileira, nem social, nem economicamente, e muito menos é sustentável ambientalmente. Pois o sua matriz tecnológica é altamente destrutiva pelo uso intensivo de agrotóxicos.
Uma Reforma Agrária que atingisse apenas os estabelecimentos acima de 1.000 hectares, preservando os médios proprietários, geraria muito mais trabalho, produção, renda e desenvolvimento para todos os Brasileiros.
Assentamento de Hulha Negra - RS, dezembro de 2009.

Frei Sérgio Antônio Görgen (Membro do MPA e da Via Campesina Brasil)

Marcelo Goulart: ‘Temos que fazer a reforma agrária que o governo não faz’


Adversário do agronegócio, promotor ataca ruralistas e álcool e prega "horizonte utópico" sem grande propriedade.





O promotor de Justiça do Meio Ambiente Marcelo Goulart em Ribeirão Preto
Foto: Edson Silva/Folha Imagem

MARCELO Goulart é símbolo da corrente mais polêmica surgida no Ministério Público após a Constituição de 1988: a dos promotores que acreditam ser "agentes políticos", relevam a "letra fria" da lei e atuam ao lado do MST e de ONGs contra o que definem como a elite do país. Aos 52 anos, Goulart atua desde 1985 na região de Ribeirão Preto, onde se notabilizou por disputas contra usineiros. Agora à frente do grupo responsável por processos ligados ao ambiente, ele moveu, só em 2009, 55 ações civis públicas, inclusive contra grupos que produzem orgânicos. Seu próximo desejo é assegurar o "direito difuso" dos brasileiros à reforma agrária.
FOLHA - O senhor é conhecido por atuar ao lado do MST e de entidades ambientais. Esse é o papel de um promotor?
MARCELO GOULART - A visão do Ministério Público como mero agente processual está superada desde a promulgação da Constituição de 1988. O membro do Ministério Público é agente político e, hoje, tem a incumbência constitucional de defender o regime democrático e implementar a estratégia institucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária.

FOLHA - Não há o risco de se aproximar demais de entidades das quais deveria manter distância?
GOULART - Os membros do Ministério Público têm clareza do seu papel social, dos limites de suas funções e do uso do instrumental jurídico de que dispõem. Assim, a aproximação entre Ministério Público e as forças progressistas da sociedade torna-se inevitável e necessária. É um bem, não é um mal.

FOLHA - Como o sr. distingue as entidades progressistas das outras?
GOULART - As forças sociais democráticas são aquelas que assumem o compromisso de implementar o projeto democrático da Constituição de 1988. A Constituição definiu para o país um modelo de Estado social e de democracia participativa. Os sujeitos políticos que atuam na defesa desse projeto são aliados naturais do Ministério Público na luta pela construção da hegemonia democrática. Não é difícil identificá-los.

FOLHA - Por que os produtores rurais não seriam progressistas?
GOULART - Aqueles grupos que defendem um modelo de agricultura social e ambientalmente sustentáveis estão no campo democrático. Aqueles que, ao contrário, defendem um modelo que leva ao descumprimento da função social do imóvel rural estão no campo dos adversários do projeto democrático da Constituição da República. Esses defendem o padrão de produção agrícola hoje prevalecente no Brasil.

FOLHA - Que padrão é esse?
GOULART - O padrão que gera a concentração fundiária, que utiliza de forma inadequada os recursos naturais e que degrada o ambiente por ser baseado na monocultura e na agroquímica. É um padrão concentrador da propriedade, da renda, da riqueza e do poder político. Por isso, contraria o projeto da Constituição.

FOLHA - Entre as empresas processadas pelo senhor, estão algumas conhecidas pela produção de açúcar orgânico, sem agrotóxico.
GOULART - Não vamos nos enganar. Algumas usinas fazem açúcar de ótima qualidade, orgânico, sem agrotóxico. Mas se negam a fazer acordos conosco na questão da reserva legal. E a lei é clara: as propriedades rurais devem manter ao menos 20% da área com floresta permanente.

FOLHA - E se o desflorestamento ocorreu antes, por outros proprietários e sob o respaldo de outras leis?
GOULART -
Não existe direito adquirido contra o ambiente.
As normas de ordem pública, como as ambientais, aplicam-se não somente aos fatos ocorridos sob sua vigência, mas também aos efeitos dos fatos ocorridos anteriormente à sua edição. Não permitir, hoje, a reparação com o reflorestamento das reservas florestais legais é castigar o planeta e a sociedade à sanha do mercado.

FOLHA - O que o senhor acha do álcool combustível?
GOULART - A queima do combustível álcool também polui, e o processo de produção do álcool é sujo. Temos a queima da cana, o desmatamento, o uso incontrolado de insumos químicos. Além da superexploração do trabalho. Mais: a produção do álcool exige economia de escala, que somente se viabiliza nesse padrão de produção baseado na monocultura e na concentração fundiária. São Paulo está se tornando um grande canavial. O futuro não está no álcool, mas em outras alternativas, como o hidrogênio e a eletricidade. Diria que o álcool é um combustível de transição. Não terá vida longa.

FOLHA - A monocultura mecanizada não é uma tendência inexorável da agricultura mundial?
GOULART - Claro que não. Não é assim na Europa. Precisamos discutir outros modelos. Temos um pensamento único por parte da elite dirigente nacional em relação à agricultura.

FOLHA - Segundo estudo do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), os assentamentos concentraram metade do desmatamento na Amazônia. O que o sr. acha disso?
GOULART - Não há sentido em desapropriar grandes imóveis rurais que descumprem a função social para, no mesmo local, implantar assentamentos antiambientais. Daí a importância da participação do Ministério Público no acompanhamento do desenvolvimento dos assentamentos.

FOLHA - O senhor foi muito criticado no episódio da desapropriação da fazenda da Barra, dentro de Ribeirão Preto. Como foi isso?
GOULART - É. Fizemos reforma agrária nas barbas da capital do agronegócio. Havia grandes passivos ambientais e a suspeita de improdutividade. Instaurei um inquérito ainda no governo FHC. Chamei o superintendente do Incra e disse: precisa abrir processo administrativo de desapropriação. Ele abriu. Chamaram-me de Robespierre, de promotor maluco. A desapropriação acabou saindo, já no governo Lula.

FOLHA - A área da fazenda da Barra parece inóspita, incipiente. A experiência deu errado?
GOULART - Inóspito, não. Incipiente, sim. Ali será implantado assentamento agroforestal cujas bases são objeto de discussão no âmbito de inquérito civil instaurado pela Promotoria de Justiça. O que está faltando é maior agilidade do Incra na implantação da infraestrutura básica a viabilizar a produção e o reflorestamento. Dinheiro do BNDES para grandes usinas tem. Outro dia saiu um empréstimo de R$ 80 milhões para uma delas.

FOLHA - Por que a promoção da reforma agrária deveria ficar a cargo de promotores?
GOULART -
O papel do Ministério Público é claro: defender a função social da terra e o direito difuso à reforma agrária, utilizando os instrumentos jurídicos que a Constituição e as leis lhe conferem, firmando aliança com os setores da sociedade civil que tenham o mesmo objetivo. A atuação radicalmente contrária a essa está presente na história desse país desde as capitanias hereditárias. Seus agentes são por demais conhecidos; com eles o Ministério Público da Constituição de 1988 não se alinhará.
FOLHA - Como o sr. definiria uma propriedade rural que não cumpre sua função social?
GOULART - A improdutiva,
a que utiliza de forma inadequada os recursos naturais, degrada o ambiente ou impõe condições subhumanas de trabalho.
FOLHA - Uma área produtiva que não se curve à sua definição de função social pode ser desapropriada?
GOULART - Minha definição, não. A da Constituição. Juridicamente, pode. Agora, tem muita propriedade antes dessa para ser desapropriada. Tem que começar pelos casos mais graves.

FOLHA - O senhor parece não gostar de grandes propriedades rurais.
GOULART - No meu horizonte utópico não está presente um grande número de usinas de açúcar e álcool, por exemplo.
No meu horizonte utópico estão a policultura, a geração de postos de trabalho no campo e a agricultura orgânica. Está o acesso do povo à terra, que é um direito fundamental negado desde o descobrimento. A estrutura fundiária brasileira é uma das principais razões de nosso subdesenvolvimento.

FOLHA - O senhor é socialista?
GOULART - Como promotor de Justiça, sou defensor da Constituição, do projeto democrático.
Essa é a minha missão. Minhas convicções pessoais são só isso: minhas convicções pessoais.

FOLHA - Quais convicções?
GOULART - Utopicamente? Acredito na possibilidade de construir uma sociedade socialista. Sob um ponto de vista gramsciano, se avançarmos na linha da Constituição, vamos dar grandes passos para, no futuro, caminhar para uma sociedade socialista.

FOLHA - Como é que isso ocorreria?
GOULART - A partir do momento em que os princípios sociais da Constituição forem sendo efetivamente conquistados, não só no papel, mas na realidade, haverá um choque lá na frente. Teremos de discutir, por exemplo, como é que a dignidade da pessoa humana pode conviver com o direito de propriedade. E assim por diante.

FOLHA - Mas a Constituição não protege o direito à propriedade?
GOULART - A propriedade tem que cumprir a função social. O direito de propriedade não é absoluto. O imóvel que não cumpre a função social deve ser desapropriado. Não é uma opção. Está lá na Constituição.
Temos que construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Isso só vai acontecer quando desconcentrarmos a terra.

FOLHA - O senhor já teve alguma experiência política?
GOULART - Em 1991, afastei-me do Ministério Público para ser candidato a prefeito de Jardinópolis pelo PT. De quatro candidatos, consegui a façanha de não ficar em último. Fiquei em terceiro. Desfiliei-me e voltei à instituição.

FOLHA - [Antonio] Gramsci [pensador marxista italiano], a quem o sr. admira, atribui a força unificadora da sociedade, que Maquiavel atribuía ao Príncipe, a um partido. Por isso ele chamava o partido -no caso, o comunista- de "Moderno Príncipe". Que partido, na sua opinião, ocupa a função de Moderno Príncipe no Brasil?
GOULART - Hoje não faz sentido pensar em partido político. São as forças democráticas que cumprem uma função hegemônica e que, articuladas, logo avançam a batalha das ideias, na imprensa, no Ministério Público, nas instituições. E criam a base cultural para as mudanças políticas e econômicas. Esse é o caminho democrático da construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

FOLHA - O senhor tem chefe?
GOULART - Não existe hierarquia funcional no Ministério Público. Um de nossos princípios é o da independência funcional, que ganhou força com a Constituição de 1988. Esse princípio serve para proteger o membro do Ministério Público das pressões do poder político, econômico e interno.

Folha de S. Paulo

Fim de ano com presente de grego

Dívida pública atinge 2 trilhões de reais. Sustentar esse fardo
drenará recursos que deveriam ser investidos no futuro do país


O governo federal nunca poderia servir de exemplo às famílias brasileiras. Ao contrário das donas de casa, que administram seu orçamento com zelo, os gestores públicos não se limitam à já elevada receita dos impostos. O resultado segue a lógica aplicada ao cidadão comum: despesas acima dos rendimentos transformam-se em dívida. E, no caso do setor público brasileiro, ela não para de crescer. A dívida bruta do setor público atingiu 2 trilhões de reais. O peso dessa fatura, entretanto, não pertence somente aos políticos, mas a toda a população. Isso quer dizer que cada um dos 193 milhões de brasileiros, incluindo aqueles que acabaram de nascer, deve, em média, 10 321 reais. Esse valor pode subir ainda mais se nada for feito para conter a expansão dos gastos. Desde o início do governo Lula, o endividamento acumula um aumento de 840 bilhões de reais. Mas foi no ano passado que houve um salto. Sob a escusa de combater os efeitos da crise, a administração federal relaxou o rigor fiscal e ampliou os gastos. Com a recuperação da economia, 2010 deveria ser de ajuste e reequilíbrio das finanças públicas. Mas tudo leva a crer que será difícil conter despesas durante o ano eleitoral.
No início de 2009, com a atividade econômica em baixa, as receitas do governo caíram, ao passo que as despesas se ampliaram. De janeiro a outubro, o governo arrecadou 1,1% menos do que no mesmo período do ano passado, enquanto gastou 16,5% mais, aprofundando a dívida pública. Também concedeu extensas linhas de crédito aos bancos federais, como o BNDES, e inflou a folha de pagamento, contratando funcionários e concedendo-lhes reajustes superiores aos obtidos no setor privado. Para completar, reduziu tributos para estimular a venda de carros e eletrodomésticos, entre outros setores industriais, totalizando 25 bilhões de reais. O rombo orçamentário nas contas públicas (a diferença entre o total de gastos e a arrecadação tributária) chegou a 88 bilhões de reais nos dez primeiros meses de 2009, ante um déficit bem menor, de apenas 8 bilhões de reais, em igual período de 2008. "Ao manter um perfil de gastos crescentes e de má qualidade, o governo levanta dúvidas sobre sua capacidade de se financiar a longo prazo", diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
A consequência do descalabro fiscal é que mais um ano começará com os gastos sob pressão. Na semana passada, o governo decidiu elevar o salário mínimo, que vigorará a partir de janeiro, para 510 reais. O impacto nas contas da Previdência será de 4,6 bilhões de reais. Em 2010, também terão início os investimentos destinados a aprimorar a infraestrutura para a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada, em 2016. Para que essas novas despesas sejam absorvidas sem pressionar ainda mais a dívida pública, o governo precisará frear o avanço de sua gastança em outras áreas, sobretudo na conta do funcionalismo. Diz o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria: "Não há outra escolha. O governo terá de restringir minimamente as despesas para afastar qualquer risco de insolvência no futuro". Espera-se que, depois de sete anos de bom senso na gestão da economia, o governo Lula, enfim, dê o exemplo e não entregue uma bomba-relógio a seu sucessor.
Luís Guilherme Barrucho

Flagelados pelo clima: Em nove anos um terço da população mundial foi vítima do aquecimento do planeta




Foto: Moises Saman/The New York Times
Enquanto chefes de Estado debatem o texto final sobre as mudanças climáticas, os países atingidos por fenômenos naturais cobram uma solução concreta.
As perdas econômicas decorrentes dos desastres naturais relacionados às mudanças climáticas somaram US$ 863 bilhões entre 2000 e este ano, segundo o Centro de Pesquisas Epidemiológicas de Desastres (Cred), organização ligada à Universidade Católica de Louvain, em Bruxelas. De acordo com o Cred, no mesmo período, foram 3.770 ocorrências, que mataram 778,7 mil pessoas e afetaram 2,1 bilhões, um terço da população mundial.
Os números não apenas mostram a urgência de um acordo global até amanhã, em Copenhague, onde ocorre a 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre as Mudanças Climáticas (COP-15), bem como a necessidade real de se falar em financiamento para adaptação e mitigação a longo prazo, um dos graves entraves do encontro. A única proposta aventada até agora partiu da União Europeia, que disse que poderia dispor de algo em torno de US$ 20 bilhões por ano para ajudar os países mais pobres. O que, num prazo como o avaliado pelo Cred, significaria o retorno de 22% do que foi perdido com as catástrofes em nove anos. Reportagem de Cristiana Andrade, no Correio Braziliense.
Este ano, 58 milhões de pessoas foram prejudicadas, de alguma forma, por desastres ambientais. Foram 245 eventos, dos quais 224 relacionados à água. Onze milhões de pessoas foram atingidas por enchentes, houve 8.919 mortes, e os prejuízos chegaram a US$ 19 bilhões, segundo o Cred. Os dados foram compilados entre janeiro e novembro deste ano. No Quênia, 3,8 milhões de pessoas precisam de alimentos e assistência. A Ásia é outro continente especialmente vulnerável a tempestades e enchentes. Entre janeiro e novembro, 48 milhões de pessoas foram afetadas por eventos relacionados à água. No Brasil, as mudanças climáticas já são percebidas em várias regiões, como as últimas chuvas torrenciais no Sul, em Minas e no Rio da Janeiro. Por outro lado, a seca no Nordeste tende a se agravar nas próximas décadas.
Segundo a representante especial das Nações Unidas para Redução de Riscos em Desastres (UNISDR), Margareta Wahlström, as estatísticas de 2009 são um pouco melhores comparadas a anos anteriores — em 2007, 178 milhões de pessoas foram atingidas por enchentes, e, no ano passado, 45 milhões. Mas ela diz que os fenômenos climáticos extremos continuam ocupando o primeiro lugar da lista de preocupações da UNISDR. “Além disso, eles vão continuar afetando metade da população mundial que está altamente exposta e vive nas regiões costeiras”, disse.
Sofrimento
Ulric Trotz, que mora na Guiana e pertence ao Centro de Mudança Climática da Comunidade Caribenha, teme que a piora dos tufões, enchentes e outros eventos extremos dizimem comunidades inteiras. “Estamos muito preocupados, pois já temos perda e sofrimento. Não podemos deixar que a temperatura global aumente em 2ºC. No ano passado, tivemos de importar 50% de óleo combustível. Precisamos desenvolver tecnologias e nos adaptar.”
Para Raja Jarrah, assessor de Mudanças Climáticas da Care International, organização não governamental que atua em vários países do mundo, inclusive no Brasil, com ajuda humanitária, a questão dos refugiados ambientais tende a piorar se as medidas não forem tomadas em tempo. Ele diz que os projetos da Care tentam manter o homem no campo, fazendo com que se adapte localmente. Mas, quando o problema estoura, seja por um evento climático, seja por guerra pela água ou pela terra, são criados os campos de refugiados, onde a organização dá ajuda pontual.
“Temos priorizado as ações de maior magnitude, principalmente na zona semiárida da África (Sudão, Senegal, Mali, Burkina Fasso, Costa do Marfim, entre outras). Ali, ajudamos a comunidade a ter um elo melhor de venda com os compradores de carne ou de grãos; para que não passem fome, ensinamos como estocar a carne seca, orientamos a não deixar o gado solto, pastando sempre no mesmo lugar. Mas o grande desafio é que as consequências das mudanças climáticas também são de longo prazo, e nos próximos 20 e 30 anos tendem a piorar. Esse é o desafio: essas comunidades travam guerras diárias para comer, para sustentar sua família, para encontrar água. Então, tentamos conscientizar sobre essas alternativas para o dia-a-dia, com a questão ambiental, mas não é nada fácil”, reconhece.
Mergulho no caos
Quanto mais se aproxima o fim da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), maior a sinalização de que não sairá da Dinamarca nenhum acordo satisfatório. A tensão aumentou ontem, e os ministros tiveram de trabalhar num ambiente caótico, com protestos do Brasil, da Índia e do Tuvalu, que comparou o evento ao naufrágio do navio Titanic. Durante a manhã, 170 pessoas foram detidas pelo controle de segurança do Bella Center, incluindo o negociador-chefe da delegação brasileira, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado.
Nas reuniões, foi decidido que o primeiro-ministro da Dinamarca, Lars Loekke Rasmussen, assumiria a presidência das negociações do clima, em substituição à ministra do Meio Ambiente Connie Hedegaard, que passará a coordenar as conversações informais. Rasmussen será o presidente da fase final das negociações, que serão concluídas na sexta-feira com um encontro de quase 120 chefes de Estado e de Governo, segundo Yvo de Boer, principal funcionário da ONU para a questão climática. Não se deve esperar, porém, grandes avanços. O primeiro-ministro australiano(1), Kevin Rudd, disse que “não há garantias de êxito”. Por sua vez, o premiê britânico, Gordon Brown, afirmou à BBC que será muito difícil fazer um acordo.
A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, definiu a quarta-feira como “o dia da ‘colchetação’”, referindo-se aos espaços em branco no texto de negociações, que ainda precisam ser discutidos. Porém, apostou que tudo dará certo. “Esperamos que as coisas estejam bem. Sempre perto do final, em qualquer negociação, há uma intensificação. Não significa que não vai dar certo”, afirmou.
No plenário da conferência, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, aproveitou para discursar e culpar o capitalismo pela atual situação climática. “Os ricos estão destruindo o planeta”, disse. Chávez, que foi um dos primeiros chefes de Estado a chegar à COP-15, aludiu à ausência de seu colega americano Barack Obama, que só chega na sexta-feira. “Pode-se dizer que um fantasma percorre as ruas de Copenhague e acho que ele anda entre nós, nesta sala, um fantasma espantoso que quase ninguém quer nomear é o capitalismo”, afirmou, enfatizando a responsabilidade dos países industrializados no aquecimento global.
“Mãe Terra”
Já o presidente boliviano, Evo Morales, anunciou que está promovendo com as Nações Unidas a aprovação de uma Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra, assim como a criação de um tribunal de justiça climática. Assim, afirmou, “os países com industrialização irracional pagarão a dívida que têm para com o planeta”. “Venho, em nome dos povos indígenas que sempre viveram em harmonia com a natureza, defender os direitos da Mãe Terra”, disse.
Do lado de fora do Bella Center, a confusão foi entre manifestantes e policiais. Mais de 100 pessoas foram presas, quando tentavam avançar em direção à sede da conferência. “Nosso objetivo é entrar no Bella Center por outras vias e sem violência”, declarou Peter Nielsen, porta-voz dos ativistas. Porém, a polícia não permitiu. Entre 700 e 800 pessoas tentaram avançar até a entrada da conferência, mas enfrentaram um grande dispositivo policial. Os manifestantes se dispersaram para tentar desorganizar as forças, mas não conseguiram. Depois de uma rápida confusão e do uso de gás lacrimogêneo, eles foram detidos, algemados e colocados no chão.
1 – Ajuda para florestas
Austrália, França, Japão, Noruega, Inglaterra e Estados Unidos anunciaram uma ajuda imediata de US$ 3,5 bilhões em três anos para a luta contra o desflorestamento, responsável por 20% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Em comunicado comum, os seis explicam que esperam, dessa forma, “vencer e, se possível, derrubar o desmatamento nas nações em desenvolvimento”.
EcoDebate, 18/12/2009

Carta Aberta aos Bispos da Paraíba





João Pessoa, 14 de dezembro de 2009

Prezados Srs. Bispos da Igreja Católica Romana da Paraíba,


         Foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação do Estado seu encontro com o Governador José Maranhão – inclusive com emblemática foto (na qual aparece, ao centro, o Governador, ladeado pelos Srs.).
         Pela declaração prestada, em entrevista, por Dom Aldo Pagotto, falando em nome dos Srs., tratava-se de uma “visita de cortesia”, na qual foram abordados temas como parceria entre Igreja e Estado, turismo religioso, transposição das águas do Rio São Francisco.
         Não bastasse o estranhamento da iniciativa - justo num contexto de efervescência pré-eleitoral - os pontos de pauta divulgados não parecem expressar um consenso, nem no âmbito da sociedade civil organizada, nem ao interno da própria Igreja Católica.
         Diante desse fato, resolvemos, como cidadãos e cidadãs e como cristãos e cristãs, dirigir-lhes respeitosamente algumas ponderações, em forma de perguntas:

- Fazer visitas é um belo hábito entre os humanos, inclusive entre os cristãos – sobretudo quando realizadas sob o manto da gratuidade e desprovidas de interesse. No caso em apreço, aliás, não se tratou de encontro de apenas um dos Senhores com o Governador. Foi um encontro ou uma”visita de cortesia” coletiva feita ao Governador pelos bispos da Província da Paraíba. Tendo em vista o lugar privilegiado que os pequenos (e não os poderosos!) sempre ocuparam na agenda missionária de Jesus (“O Espírito está sobre mim... – Lc 4, 16-19”, “Eu Te bendigo, ó Pai, porque revelaste essas coisas aos simples e pequeninos... – Lc 10, 21), ocorre-nos indagar-lhes se esse tipo de encontro ou visita também se tem feito coletivamente pelos Srs. Bispos da Paraíba aos assentamentos rurais, às comunidades indígenas, às comunidades quilombolas, às prisões, em breve, às ovelhas desgarradas da Casa de Israel? Ou não é essa a atitude que devemos esperar de pastores, a exemplo de Jesus, que vivia como pobre no meio dos pobres, e tão pouco dado a encontros ou visitas aos poderosos do seu tempo?

- Com relação aos pontos tratados, também temos algo a ponderar. Um deles foi o Projeto de Transposição das águas do São Francisco. Não é um tema em torno do qual haja um amplo consenso entre as bases da sociedade civil, nem mesmo dentro da Igreja, haja vista a resistência firme oposta aos projetos faraônicos, não de hoje, pelas comunidades indígenas, quilombolas, de pescadores, da CPT, dos atingidos por barragens, entre outros, sem falar em figuras do próprio episcopado com discordância aberta sobre o mesmo Projeto. Os Srs. acham, em sã consciência, que este ponto de pauta merece ser tratado desse modo por quem tem o ofício de pastores, precisamente numa conjuntura tão conturbada, inclusive eleitoralmente, em que o próprio Governador é anunciado como candidato? Estando os Srs. de acordo com o tal Projeto, dadas as resistências de parte significativa do seu próprio rebanho e até de outros irmãos pastores, por que não deixar o enfrentamento mais direto a cargo das forças populares e dos leigos e leigas, em vez de tomar a frente, num caso que deve ser protagonizado por leigos e leigas? Ao assim procederem, os Srs. não perdem força ética, ao cobrarem dos seus padres que não façam política partidária?

- Quanto ao desenvolvimento do turismo religioso, tendo em vista que uma coisa é ser administrador ou gestor de uma instituição, e outra bem diferente é o ofício de pastor, indagamos aos Srs. se lutar por turismo religioso é mesmo uma prioridade de agenda de pastores seguidores do Evangelho? Sem falar na cobrança de isonomia (devida pelo Governo), feita, a justo título, por membros de outras igrejas e expressões religiosas da Paraíba, tal gesto não ecoa como uma busca de tratamento privilegiado, na distribuição dos recursos PÚBLICOS? E sem esquecer, ainda, que nem todos os católicos estão de acordo com a participação de seus bispos nesse tipo de “parceria”, já que evoca vestígios de uma associação espúria de triste memória: a famigerada aliança entre o poder temporal e o poder eclesiástico, aliás evocado, em outros termos, na declaração de Dom Aldo?

         Estamos em tempo de Advento, em que ressoa forte a voz dos profetas, chamando-nos à conversão. De que modo um episódio como esse, protagonizado pelos Srs., ajuda-nos no processo de conversão, na perspectiva do Seguimento de Jesus? Tomara que a reconsideração de fatos como esse nos faça, a todos, mais abertos e solícitos ao que o Espírito tem a dizer à nossa Igreja, aos nossos pastores e a cada um, cada uma de nós.

Fraternalmente,




Alder Júlio Ferrreira Calado

Rolando Lazarte

Luiz Gonzaga Gonçalves

João da Cruz Fragoso

Flávio Rocha

Antônio Alberto Pereira

Renato Lanfranchi

Valdênia A. Paulino Lanfranchi

Elias Cândido do Nascimento

Maria Angelina de Oliveira

Eugênio Costa Mimoso

José Hailton Bezerra Lyra

Luciano Batista Bezerra Souza

Ulisses Willy Rocha de Moura, Secretário do CEBI (Regional Nordeste)

Romero Venâncio Júnior

Ricardo Brindeiro

Magdala Cavalcanti Melo

Guy Maurice Norel

José Jonas Duarte Costa

Solemar Sena

Luciana E.F.C. Deplagne

Eliana A. de F. Calado

Germana Alves Menezes

Ir. Ana Célia Silva Menezes

Emanuelson Matias de Lima

Gleyson Ricardo

ENTREVISTA COM CHICO ALENCAR: "DEFENDO UMA ALIANÇA COM MARINA, MAS COM CONDIÇÕES"

Marina Silva pode se construir como alternativa, com a chama mudancista, aplicando a medida correta da intransigência em relação a certos princípios e valores que o PT abandonou", relatou Chico Alencar, em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, com o apoio dos nossos parceiros do CEPAT. O deputado federal pelo RJ falou sobre o escândalo do "mensalão do DEM" e as consequências desse novo episódio de corrupção para as eleições presidenciais que ocorrem no segundo semestre do próximo ano. Além disso, Alencar refletiu sobre a candidatura de Marina e as possibilidades de o PSOL apoiá-la. "O PSOL decidiu, em seu Diretório Nacional, que só definirá sua tática eleitoral em março de 2010, numa conferência com representantes do partido de todo o país. Até lá, já estamos fazendo debates na militância, claro, e dialogando, a partir de pontos programáticos, com os movimentos sociais, com a pré-candidatura própria já colocada, a de Plínio de Arruda Sampaio, com outras que possam ser apresentadas, com os aliados da disputa nacional anterior, de 2006, PCB e PSTU, e também com a pré-candidatura de Marina Silva, do PV", acrescentou.

Chico Alencar é formado em História pela Universidade Federal Fluminense e é mestre em Educação pela Fundação Getúlio Vargas. É professor licenciado de Prática do Ensino de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2002, foi eleito Deputado Federal pelo PT, e, em 2006, foi reeleito pelo PSOL.

Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor avalia o mais recente escândalo de Brasília?
Chico Alencar - Há duas novidades, sempre lamentáveis, nesse novo escândalo conhecido como ‘mensalão do DEM’: é o mais bem documentado esquema de corrupção já visto neste país, envolvendo figuras públicas do Executivo, do Legislativo e do mundo empresarial. Há também suspeitas sobre membros do Judiciário. ‘As cenas não falam por si’, disse Lula: sim, elas gritam, ululam! E ainda tem a "oração da propina", aquela ‘benção’ que os bandidos se dão, agredindo o sentimento religioso de nosso povo. O outro ineditismo é o protagonismo do DEM, que desde que mudara de nome, deixando de ser PFL, vinha buscando afirmar-se com marca de partido renovado, ético. Pura balela. Quem acompanha mais de perto a vida política sabe que o patrimonialismo, o coronelismo, o clientelismo e todos os métodos que acompanham estas concepções políticas são inerentes ao DEM/PFL. Eles usam o nome "democratas" em vão.
IHU On-Line - Quais são as implicações desse escândalo para as eleições de 2010?
Chico Alencar - O discurso ético, da defesa da moralidade pública, vai perder espaço na campanha de 2010. O roto não poderá falar do esfarrapado!  Todos os grandes partidos são investigados por esquemas pesados de corrupção: o PSDB, pioneiro com o ‘mensalão mineiro’ do então governador e hoje senador Eduardo Azeredo; o PT, com seu ‘mensalão delubiano’; o PMDB de Jader Barbalho, Renan Calheiros, Sarney etc; o DEM/PFL de Arruda e comparsas - por sinal, PSDB e PPS tinham grande força na administração brasiliense.  Mas é claro que essa cumplicidade de assemelhados espúrios não representa a sociedade brasileira inteira: haverá demanda para propostas alternativas à falsa polarização PT e aliados X tucanos e sócios. O PSOL não abre mão de se diferenciar, propositivamente. Mas o desencanto com a política, crescente, vai estar presente.
IHU On-Line - O senhor acredita que a candidatura de Marina Silva pode ocupar o lugar da utopia que um dia foi do Lula?
Chico Alencar - Marina Silva pode se construir como alternativa, com a chama mudancista, aplicando a medida correta da intransigência em relação a certos princípios e valores que o PT abandonou. Seu rompimento, não previsto, com o PT e o governo, é positivo. Quanto a ser uma alternativa real, é uma possibilidade. O primeiro passo é revelar a propalada ‘refundação do PV’, que até agora não se viu. O partido é mais furtacor, no sentido da sua geleia ideológica - apoia Lula, Serra, Kassab, por exemplo - do que verde, ecológico.
O segundo passo é Marina mostrar um perfil mais definido, menos diluído nos seguidos elogios à gestão dos últimos 15 anos, de FHC e Lula. Ela aprova este modelo econômico?  Este sistema político? Será apenas a continuação, ‘melhorada’, de tudo o que está aí? O que é exatamente ‘desenvolvimento sustentável’, que hoje absolutamente todos defendem, até megaempresários, sem necessidade de praticá-lo? O PSOL tem dialogado com esta pré-candidatura, buscando essa nitidez.

IHU On-Line - O PSOL lançará candidatura própria à presidência ou apoiará Marina Silva?
Chico Alencar - O PSOL decidiu, em seu Diretório Nacional, que só definirá sua tática eleitoral em março de 2010, numa conferência com representantes do partido de todo o país. Até lá, já estamos fazendo debates na militância, claro, e dialogando, a partir de pontos programáticos, com os movimentos sociais, com a pré-candidatura própria já colocada, a de Plínio de Arruda Sampaio, com outras que possam ser apresentadas, com os aliados da disputa nacional anterior, de 2006, PCB e PSTU, e também com a pré-candidatura de Marina Silva, do PV.  É nesse campo que estamos nos movimentando, e já há uma profusão de documentos defendendo, com rica argumentação, todas essas hipóteses. Mas a decisão final será da militância, na Conferência Eleitoral. Estou até sugerindo a possibilidade de uma consulta direta a todos os nossos filiados. Seria o mais democrático, ao meu juízo.
IHU On-Line - O senhor defende o apoio à Marina ou à candidatura própria?
Chico Alencar - Defendo uma aliança nacional com Marina, mas com condições: a de ela assumir uma postura crítica ao modelo econômico e político que FHC e Lula implementaram, inclusive com auditoria da dívida e defesa de uma Reforma Política radical; postura claramente contrária à corrupção sistêmica que envolve todos os grandes partidos e a maioria dos pequenos; sinais claros da ‘refundação do PV’, escoimando o seu partido de fisiológicos e oportunistas; e maior definição da centralidade da questão ambiental, que implica em problematizar as possibilidades do sistema capitalista ser ecologicamente sustentável. Tenho dúvidas de que ela possa ou mesmo queira avançar na direção desses pontos, mas temos a obrigação de tentar, no diálogo respeitoso. O PSOL faz alianças, e alianças são sempre com os diferentes de nós, com escopo programático mínimo. Aliás, o debate que estamos fazendo com essa e outras forças políticas também serve para montar as bases do nosso programa de governo, indispensável para a alternativa de candidatura própria, que pode vir a ser uma necessidade.
IHU On-Line - O PSOL já tem cinco anos de vida, porque o partido não cresce?
Chico Alencar - O PSOL, por ser um partido de orientação socialista e, portanto, estratégico, não quer crescer como plantação de alfaces, e sim como cultivo de jabuticabeira, aliás, a única fruta autenticamente brasileira: devagar, mas com raízes e longa vida. A esquerda não-lulista continua muito fracionada e, é verdade, ainda não realizamos nossa pretensão de reaglutiná-la. Mas já estamos com 50 mil filiados, e os critérios para a vinculação ao partido não são frouxos, como nos outros, que têm cerca de um milhão de fichas assinadas... Há, no Brasil e no mundo, uma grave crise de participação política, induzida pelo sistema do mercado total e do individualismo, e nós sofremos também seus efeitos. Temos também um "internismo" demasiado, uma tentação de nos satisfazermos com as disputas ideológicas no interior do partido, que ainda é mais de correntes do que uma organização com correntes. Tudo isso nos debilita, mas não tira, de modo algum, o imperativo da nossa existência, construção e crescimento. O PSOL continua sendo uma necessidade histórica para os setores populares. Mas isso, por si só, não garante nossa permanência.
IHU On-Line - O governo Lula caminha para o seu final. Qual o balanço que o senhor faz?
Chico Alencar - Lula enfraqueceu a politização do nosso povo, desconstituiu o PT como referência de luta política progressista, reforçou o personalismo e consolidou, no senso comum, a ideia de que só se faz política com ‘pragmatismo’ e um certo grau de esperteza. Sua era assemelha-se à de FHC, mas não é idêntica: por sua origem e formação, Lula, percebido pelo povo como um Silva, um ex-pobre, sobrevivente da grande tribulação, imprimiu a marca de ‘sensibilidade social’ com seus exitosos programas assistencialistas. Na política externa, houve avanços, inclusive na boa relação com governos efetivamente de esquerda e de mobilização social em ‘nuestra América’.
Trata-se de um governo de muitas ambiguidades: transitamos no neoliberalismo puro e duro, da privataria absoluta, para um governo social-liberal. Mas os grandes conglomerados, baseados nas seguidas megafusões, nos fundos de pensão e nos financiamentos estatais do BNDES, estão a pleno vapor.  No setor financeiro, industrial, tecnológico, energético, de alimentos e varejo, toda semana há notícias dessa neomonopolização. O capitalismo brasileiro ganha nova fisionomia, e o governo Lula tem papel importante nesse processo.  Não por acaso, Delfim Netto recém disse que "Lula salvou o capitalismo no Brasil".  E não por acaso Maluf complementou: "Lula, Sarney, Collor e eu não temos grandes diferenças de visões e ideologia".

IHU On-Line - O sociólogo Rudá Ricci afirma que a Era dos movimentos sociais no Brasil acabou, que os mesmos se transformaram em organização, com hierarquia, recursos, equipamentos. Qual é a sua visão como historiador?
Chico Alencar - Li o artigo de Rudá e concordo em boa parte com sua reflexão/denúncia. Mas não absolutizaria, afirmando que "a era dos movimentos sociais acabou".  Ao contrário, vejo - no MST, por exemplo - um certo incômodo com essa institucionalização, essa oficialização, essa domesticação. Alguns movimentos, em especial os sindicais, ficaram de fato prisioneiros das estruturas mantenedoras do Estado. Mas movimentos sociais autônomos, questionadores e organizadores do povo com independência política continuam sendo fundamentais para constituirmos aqui uma democracia de alta intensidade, uma República digna do nome: participativa, com políticas públicas universais redutoras das desigualdades sociais.
IHU On-Line - O senhor sempre foi identificado como cristão e participa do Movimento Fé e Política. Qual é a sua avaliação dos rumos da Igreja no Brasil?
Chico Alencar - As Igrejas - tanto a Católica quanto outras denominações com tradição histórica - vivem, no Brasil e no mundo, uma inflexão conservadora um tanto fundamentalista. Talvez como reação ao notável crescimento das evangélicas de recente formação, que infantilizam ao extremo a fé da nossa gente, numa perspectiva salvacionista e individualista. Mas há movimentos de base vivos, na linha da Teologia da Libertação, que seguem sendo fundamentais: uma nova maneira de ser Igreja é possível e necessária.  Incorporando, inclusive, a questão ambiental, do cuidado com o planeta, do dever cristão de evitar o envenenamento planetário, o ecocídio. Conversão, agora, para além da pessoal, é também no nosso modo de conviver, de produzir e de consumir.  As Igrejas sempre tiveram contradições. A duas horas da suntuosa Roma do poder está Assis, a do pobrezinho, a do cântico das criaturas. A História nos ajuda: trata-se agora de viver mais simplesmente, para que simplesmente todos possam viver.
IHU On-Line - O senhor é candidato ao governo do Rio em 2010?
Chico Alencar - Não! Nosso entendimento é de que o PSOL precisa ter presença institucional, inclusive para reforçar, através dessa presença, a luta popular, pois pouquíssimos a reverberam nas instâncias estatais, no parlamento. Então, o pleito de 2010, a meu ver, deve ter para nós o objetivo de ampliar mandatos parlamentares.  Não acumulamos força suficiente para disputar com chances reais de vitória eleitoral nenhum governo estadual.  Estaremos na disputa, fazendo o contraponto com os grandes partidos e seus esquemas milionários, ‘mensaleiros’. Mas a orientação predominante é colocar na disputa proporcional, para deputados, os nossos quadros mais conhecidos, com mais chances de vitória.  Tanto que Heloísa Helena tentará voltar ao Senado por Alagoas, enfrentando as poderosas oligarquias de Renan Calheiros e Collor. Nada está definido, mas, no Rio de Janeiro, há uma opinião predominante de que eu deva, para ajudar o partido, tentar mais um mandato de deputado federal. Por mim, caso isso aconteça, será o último. Afinal, há muitas maneiras de contribuir para a organização do povo em busca de outra sociedade igualitária, participativa, socialista.

* Instituto Humanitas Unisinos

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