A seca épica da Califórnia: só resta um ano de água



As guerras pela água limitada que há na Califórnia já duram, no mínimo, um século. Guerras da água já foram temas de filmes de sucesso, dentre os quais “Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country)com Gregory Peck, de 1958; “O Cavaleiro Solitário” (Pale Rider), de Clint Eastwood, em 1985; Waterworld, de Kevin Costner, 1995; e, de 2005, Batman Begins. O mais aclamado foi o vencedor do Oscar de 1975, Chinatown com Jack Nicholson e Faye Dunaway, uma trama entre um político corrupto de Los Angeles e especuladores de terra, para fabricar a seca de 1937 e forçar os fazendeiros a venderem suas terras a preços baixos. A trama baseou-se num fato histórico, mostrando as batalhas entre os fazendeiros de Owens Valley e as construtoras que erguiam Los Angeles, pelos direitos da água.

Hoje, a guerra da água prossegue, em escala ainda maior, com novos atores. Já não se trata só de fazendeiros contra os rancheiros ou os urbanites. Agora, é o povo contra os 
novos “barões da água”– Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Monsanto, a família Bush & sua gangue – que estão comprando água em todo o planeta num ritmo sem precedentes.

Uma seca de proporções épicas
Numa conferência de imprensa dia 19/3/2015, o presidente interino da assembleia estadual da Califórnia, Kevin de Leon, 
alertou que “Nenhuma crise é hoje mais grave, para nosso estado, que a falta de água.”

Jay Famiglietti, cientista do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA em La Cañada Flintridge, Califórnia, escreveu, no 
Los Angeles Times, dia 12 de março:

“Nesse momento, o estado da Califórnia tem água para mais um ano em seus reservatórios, nossa reserva estratégica está sendo rapidamente consumida. A Califórnia não tem plano de contingência para uma seca prolongada como essa (muito menos para uma mega-seca de 20 anos ou mais), exceto, ao que parece, declarar estado de emergência e rezar pedindo chuva.”

Mapas indicam que as áreas da Califórnia 
mais duramente atingidas pela mega-seca são as áreas nas quais é cultivada uma grande porcentagem do que os norte-americanos comem. A Califórnia fornece 50% da comida do país, e mais alimentos orgânicos que qualquer outro estado. Western Growers estima que, no ano passado, 500 mil acres de terra agricultável foi deixada sem semear, área que pode aumentar em cerca de 40% esse ano. E na agricultura desapareceram 17 mil empregos, no ano passado; e mais, em 2015.

Fazendeiros com contratos com o Central Valley Project, um vasto sistema federal de irrigação, não receberão água pelo segundo ano consecutivo, 
segundo as previsões preliminares. Cidades e indústrias receberão 25% dos totais contratados, para garantir abastecimento suficiente para segurança e garantia da saúde pública. Além do racionamento, há o problema dos resíduos tóxicos lançados nas bacias de água, por empresas de petróleo que extraem pelo sistema de fracking. Economistas estimam o custo da seca, em 2014, em $2,2 bilhões.

Não há plano de contingência
O projeto Delta, de um túnel gigante de água, concebido para pôr fim aos problemas de fornecimento de água do sul da Califórnia, aspirando água do norte, foi adiado em agosto passado, em função de reclamações de residentes em Delta e de proprietários de terras. O projeto continua parado, enquanto o Departamento de Recursos Hídricos da Califórnia revisa cerca de 30 mil petições/manifestações. Quando ou se o projeto chegar a ser afinal implementado, demorará anos para concluir a construção, a um custo estimado de $60 bilhões, incluídos os custos de financiamento (mais altos que o da construção).
Enquanto isso, não se vê qualquer busca por alternativas que aumentem a oferta de água, além dos limitados recursos de água subterrânea. Por que não? Observadores céticos observam que a água já é chamada de “próxima boom-commodity”. Para Christina Sarich, escrevendo emNationOfChange.org,

“Numerosas empresas já se posicionaram para lucrar com a crise de falta d’água. Em vez de proteger as reservas existentes, implementar regulações estritas e trabalhar para inventar novos meios para captar água de chuva ou dessalinizar água do mar, a agenda empresarial corporativa está pronta, como cascavel enrolada, para ganhar trilhões com a nossa sede.

Essas cascavéis enroladas incluem Monsanto e outras empresas de biotecnologia, que estão desenvolvendo 
sementes resistentes a seca e resistentes ao alumínio, à espera para dar o bote quando os plantadores de produtos orgânicos jogarem a toalha. Pequenos e grandes produtores e de leite e derivados orgânicos foram os mais duramente atingidos pela seca, porque as pastagens certificadas onde as vacas têm de ser alimentadas estão desaparecendo.

Alguns críticos sugerem que, como em in Chinatown, a seca é obra humana, disparada não só pela quantidade jamais vista de emissões de carbono, mas também por “geoengenharia” – disparar alumínio e outros particulados nas nuvens, para, à primeira vista, bloquear a terra contra o aquecimento global (embora possa haver outros motivos). Dia 15/2/2015, Ken Caldeira, do Carnegie Institute for Science em Stanford observou que a geoengenharia é o único modo conhecido para resfriar rapidamente a Terra. Para ele, “uma pequena frota de aviões consegue fazer o que fazem os vulcões – criar uma camada de micropartículas na atmosfera, que reflete a luz do sol de volta ao espaço. Resfriar a terra por esse método pode ser rápido, barato e fácil.”

Mas a mesma técnica também impede a formação de chuvas. Segundo a patente EUA #6315213, registrada pelo exército dos EUA dia 13/11/2002, “O polímero é disperso dentro da nuvem e o vento da tempestade agita a mistura, o que leva o polímero a absorver a chuva. Essa reação forma uma substância gelatinosa que se precipita. O processo diminui a capacidade de a nuvem produzir chuva.”

Observadores mais desconfiados perguntam-se se tudo isso não seria parte de um plano maior. Christina Sarich observa que, enquanto o estado passa sede, alternativas para aumentar o suprimento de água permanecem na gaveta:

Engenheiros químicos no MIT já mostraram como é possível dessalinizar água do mar – eletrodiálise, com potencial para tornar potável a água do mar, 
mais depressa e a menor preço, sem remover contaminantes como sujeiras e bactérias; e há nanofiltros baratos que podem filtrar micróbios e produtos químicos da água para consumo humano. Para odesigner Arturo Vittori, a solução para a catástrofe da água não está em altas tecnologias, mas numa cesta gigante que coleta água potável do ar, por condensação.

Mobilizando águas subterrâneas

Outro recurso que permanece sem ser mobilizado é a própria água “primária” da Califórnia – água recentemente produzida por processos químicos no interior da Terra que jamais foram parte do ciclo hidrológico de superfície. Essa água é criada quando há condições adequadas para que o oxigênio possa combinar-se ao hidrogênio e é continuadamente empurrada para cima, sob grandes pressões do interior da Terra, e chega à superfície onde encontra fissuras ou falhas. Essa água pode aparecer em qualquer ponto do planeta. É a água que flui nos poços em oásis no deserto, onde não há nem chuvas nem nascentes de montanhas que os alimentem.
Estudo comentado na revista Scientific American de março de 2014 fala da presença documentada de vastas quantidades de água acumulada nas profundidades do planeta, gerada, não por chuva de superfície, mas por pressões ativas naquelas profundidades. O estudo confirmou que “há muito, muito grande quantidade de água retida numa camada realmente distinta, na Terra profunda (...), ali acumulada em quantidade que se aproxima da que há atualmente nos oceanos do mundo.”

Em dezembro de 2014, 
BBC News noticiou os resultados de um estudo apresentado na reunião de outono da American Geophysical Union, no qual pesquisadores estimam que há mais água retida na crosta profunda da Terra, que em todos os seus rios, pântanos e lagos somados. Pesquisadores japoneses já haviam  divulgado resultados de pesquisas, na Science de março de 2002,  segundo os quais o manto mais profundo pode conter cinco vezes mais água que os oceanos da superfície do planeta.

Provas dramáticas de que terremotos podem liberar água das profundezas da Terra apareceram em agosto passado, quando o vale Napa sofreu terremoto de magnitude 6.0. Solano County recebeu, repentinamente, 
um novo fluxo massivo de água em ravinas locais, inclusive um fluxo noticiado de 200 mil galões/dia, só de Wild Horse Creek. Esses fluxos aumentados permanecem ativos, intrigando pesquisadores que visitaram a área.

De onde estaria vindo aquela enorme quantidade de água? Se estava sendo liberada de algum aquífero raso, algo teria de preencher o volume da água que saía, à razão de mil galões/minuto – mais de dez vezes acima do fluxo de antes do terremoto. Seriam de esperar desabamentos massivos, mas não houve relato de qualquer desabamento. Evidentemente aquelas águas novas estavam subindo de fontes muito mais profundas, libertadas por fendas criadas pelo terremoto.

É o que diz Pal Pauer do Instituto de Águas Primárias, e dos maiores especialistas mundiais em mobilização de águas primárias. Depois de décadas de estudos de águas primárias, e 
projetos bem-sucedidos de perfuração, Pauer demonstrou que essa abundante fonte de água pode ser acessada, para suplementar nossa atual oferta de água. A água primária pode ser diretamente mobilizada, ou pode ser encontrada misturada a água secundária (e.g. aquíferos) alimentada por fontes atmosféricas. Técnicas novas e sofisticadas, que usam dados de satélites e aeronaves de pesquisa geofísica permitem localizar água subterrânea a água primária em rochas, por um processo chamado “fracture trace mapping,” pelo qual se identificam grandes fraturas mediante análise de dados recolhidos das aeronaves e satélites para perfuração exploratória.

Pauer insiste que é possível perfurar um poço suficiente para atender uma comunidade inteira, gerando grandes volumes de água, em apenas dois ou três dias, ao custo de cerca de $100 mil. Todo o estado da Califórnia poderia ser suprido por cerca de $800 milhões – menos de 2% do que custa o muito controverso projeto Delta de túneis de água – e esse resultado poderia ser alcançado sem roubar do norte, para dar de beber ao sul.

As Guerras da Água Continuam
Sucessivos governos da Califórnia têm-se mantido indiferentes a essas propostas. Em vez de qualquer pesquisa ou discussão complementar, o estado decidiu regular a água subterrânea. Em setembro, foram aprovadas três leis que estabelecem o quadro geral da regulação das fontes subterrâneas de água da Califórnia, evento que marcou a primeira vez na história do estado em que se faz algum manuseio em grande escala da água subterrânea. Até agora, a nova lei está considerando essa água como um bem protegido por direitos de propriedade. 
The Los Angeles Times noticiou:

Muitos interesses da agricultura continuam a fazer ferrenha oposição à nova lei. Paul Wenger, presidente da California Farm Bureau Federation, disse que as leis “podem vir a ser vistas como ‘históricas’ pelas razões erradas”, dado que agridem drasticamente a produção de alimentos. (...)

“Vai realmente começar uma luta de vale-tudo na disputa pela propriedade da água,” disse Patterson [deputado representante de Fresno na Assembleia], que previu que os planos da regulação vão disparar uma enxurrada de ações judiciais.

E assim prosseguem as guerras da água. O 
Banco Mundial adotou recentemente uma política de privatização da água, com fixação de preços para o comércio do recurso. Para Ismail Serageldin, um dos ex-diretores da instituição, “as guerras do século 21 serão guerras pela água.”

No filme Chinatown, os oligarcas corruptos levam a melhor. A mensagem parece ser que o direito nada pode contra a violência mais brutal. Mas, armados agora com essa poderosa ferramenta do século 21, a Internet, que pode gerar consciência nas grandes massas, e também pode produzir ação coordenada, talvez agora, afinal, o direito vença. *****

Tradução Vila Vudu

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