Matéria publicada no site
do EcoDebate, 01/08/2013
Nos arredores do maior açude
do Ceará, moradores de assentamentos, cidadezinhas e vilas sofrem com a seca
enquanto a água passa diante dos seus olhos para abastecer o agronegócio, a
indústria, e a capital, Fortaleza.
A
Seca e as indústrias sedentas #MICROBOLSAS
Reportagem
do coletivo Nigéria, de Fortaleza, sobre o Eixão das Águas, uma das maiores
obras de distribuição dos recursos hídricos do Ceará. À beira do canal de
transposição, comunidades têm dificuldades de acesso à agua, enquanto o setor
industrial tem subsídios e demanda 4 mil litros por segundo.
Leva-se uma hora para
chegar da nova à velha Jaguaribara em um barco de alumínio com um motor de popa
de 25 HP. A extensão do Castanhão, o maior açude cearense, impressiona, mas o
nível d’água baixou tanto nos últimos dois anos que a antiga sede do município,
inundada há uma década pela própria barragem, emergiu. A seca reduziu à metade
a capacidade de 6,7 bilhões de metros cúbicos do Castanhão, que perde 22 mil
litros de água por segundo, quase metade deles conduzidos pelo Eixão das Águas,
o canal de transposição, à região metropolitana de Fortaleza. O sistema
Castanhão-Eixão das Água responde por 37% da capacidade de armazenamento de
água do Ceará.
A reaparição da antiga
Jaguaribara, que jazia sob a obra de engenharia hidráulica que prometia reduzir
drasticamente os efeitos da seca no Vale do Jaguaribe, tem um quê de
fantasmagórica no período mais árido que o Ceará enfrenta nos últimos 50 anos.
Dos 184 municípios do entorno do rio Jaguaribe, represado pela barragem, 175
estão em situação de emergência. A nova Jaguaribara, a cidade planejada que
substituiu a que foi submersa pelo açude, está sendo abastecida por carros-pipa
e seus moradores chegam a pagar R$ 8 o quilo do feijão, enquanto os pequenos
agricultores às margens do Eixão, o canal que abastece Fortaleza, precisam
repartir a água com os animais e vêem suas lavouras perdidas.
A mais de 200 quilômetros
dali, porém, o Castanhão, via Eixão das Águas, garante a água na capital
cearense e, em breve, vai suprir também a demanda hídrica do Complexo
Industrial e Portuário do Pecém, o maior projeto de infraestrutura para o
desenvolvimento econômico do Ceará, localizado na região metropolitana da
capital. Resta apenas concluir o quinto trecho do Eixão das Águas – que então
terá 255 km
de extensão – o que está previsto para setembro.
A água do Castanhão vai
completar seu trajeto do sudeste do Estado, onde está o açude, ao litoral
cearense. O objetivo é final é o complexo industrial conjugado ao porto, que
vem registrando crescimentos anuais entre 20% e 30%, composto por uma
siderúrgica da Vale, uma refinaria da Petrobrás e duas usinas termelétricas da
empresa MPX, do grupo de Eike Batista
– que já opera com uma das usinas e vai colocar a outra em funcionamentonos
próximos meses. As duas usinas térmicas, planejadas para gerar 1.085 MW, vão
consumir até 800 litros
de água por segundo. A demanda total de água prevista para o complexo é de 5
mil l/s de “água bruta” – o termo técnico para a água doce não tratada.
Dez
anos de promessas não cumpridas
Em um cenário em que 71
dos 143 reservatórios monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos
Hídricos (COGERH) estão com níveis abaixo de 30%, o Castanhão, inaugurado em
2003, cumpre missão de seguir abastecendo Fortaleza, que concentra mais da
metade da população do Estado, e de parte considerável do agronegócio no
Estado, como a produção de frutas para exportação no perímetro irrigado da
Chapada do Apodi, com altas taxas de crescimento. Mas, como mostra a situação
dos moradores de Nova Jaguaribara, ainda não trouxe benefícios à população
local, nem mesmo aos que perderam suas casas para a obra.
Dos 22 mil litros por segundo
de vazão do Castanhão, 10 mil seguem pelo Eixão das Águas e 12 mil são
despejados no leito do Rio Jaguaribe – o maior rio cearense, com cerca de 600 km de extensão, margeado
por empreendimentos do agronegócio. Esse volume de água explica por que, ao
contrário de Recife, por exemplo, nem a seca prolongada trouxe ameaça de
racionamento à capital cearense, destaca o coordenador geral do Complexo do
Castanhão, José Ulisses de Sousa, engenheiro do Departamento de Obras Contra as
Secas (DNOCS).
Por outro lado, nem
todos os 18 assentamentos planejados para receber as famílias desalojadas pela
barragem foram concluídos. A maior parte dessas famílias era arrendatária de
terras alheias e não recebeu indenização pelas casas perdidas. Na ponta final
do Eixão das Águas, a obra atingiu os índios Anacé, que tiveram uma lagoa
aterrada, riachos represados e perderam suas terras para grandes indústrias e
para a infraestrutura do governo.
Houve esperança no
início. Os primeiros assentamentos a serem construídos, como o Curupati Peixes,
desenvolveram com sucesso a piscicultura em Jaguaribara, e hoje o Castanhão é
pontilhado por gaiolas para a criação de peixes em cativeiro, principalmente
tilápias. Segundo, o engenheiro Ulisses, “é o maior parque piscicultor do
País”. Outros assentamentos foram destinados à pecuária leiteira, como o
Mandacaru, em que cada família recebeu três hectares de terra para o cultivo do
pasto. Mas as “matrizes” – as vacas leiteiras – que deveriam chegar de Minas
Gerais, como prometido à época da inundação, uma década depois ainda não
chegaram.
“Concordo que é um pouco
tarde”, concede Ulisses. “É a questão da burocracia do sistema do governo
brasileiro. Nós temos vários órgãos fiscalizadores, temos uma Lei de Licitações
engessada, que proíbe a gente de correr. Não tem como. A gente fica engessado.
Tem que esperar licitação, Procuradoria dar parecer, ai demora mesmo. Agora que
é tarde, é”, reconhece o engenheiro. “Existe um débito do governo com essas
comunidades, mas em nenhum momento parou-se de trabalhar em cima de alcançar o
objetivo do projeto inicial do Castanhão”, afirma.
Ulisses também reconhece
que é um “absurdo” que as comunidades às margens do Castanhão tenham que ser
abastecidas através de carros-pipa. Dos 820 caminhões da Operação Carro-pipa no
Ceará – coordenada pelo Exército e pela Defesa Civil e responsável por atender
a 134 municípios do estado –, dois deles abastecem exclusivamente Jaguaribara,
incluindo casas da sede do município.
“Essas
coisas pretas são do pipa mesmo”
O dono e motorista de um
destes caminhões é Fabiano Souza, de 33 anos, que encontramos despejando 8 mil
litros de água na cisterna do agricultor Francisco Ferreira Sobrinho, o seu Zé
Vital, a cerca de 300
metros de uma das margens do açude. A água é captada a
alguns quilômetros dali, na estação de tratamento da Companhia de Água e Esgoto
do Ceará (CAGECE), e não tem muito boa cara dentro da cisterna de seu Zé Vital.
“Essas coisas pretas
assim são do pipa mesmo, ferrugem talvez. Não tem problema não porque a gente
bota no filtro e bota na geladeira. A gente bebe dela aqui e nunca ninguém
adoeceu, não”, confia seu Zé Vital.
No centro comercial de
Jaguaribara a revolta com a falta d’água na vizinhança do açude transborda na
fala de Dona Jacinta Sousa, 48 anos. Para reforçar a dificuldade por que passa
o município ela pega uma maletinha de ferramentas repleta de pequenos blocos de
anotações, que registram os muitos débitos não saldados em seu comércio. “Eu
tenho raiva quando pego nela!”, diz, fechando a valise e jogando-a mais uma vez
para debaixo de seu birô.
Em Jaguaribara, quase
todas as mercadorias vêm de fora. Segundo os entrevistados, o peixe, criado nos
projetos de piscicultura, é a única opção de renda da cidade – além das
aposentadorias, das bolsas governamentais e dos empregos na Prefeitura.
Praticamente todas as frutas e verduras do comércio vêm de Fortaleza ou da
Chapada do Apodi, com preços inflacionados pela seca. Ou seja, além do prejuízo
na lavoura, os pequenos agricultores precisam pagar até duas vezes mais para comer.
As chuvas de abril, maio
e junho, que amenizaram os impactos da estiagem, não significaram o fim da seca
– especialmente porque o segundo semestre é naturalmente o período de estio no
semiárido brasileiro. Também não alteraram consideravelmente os níveis dos
açudes, apenas dois deles estão com mais de 90% de seus níveis máximos: Curral
Velho e Gavião, ambos alimentados pelo Castanhão. O primeiro, localizado no
município de Morada Nova, é o marco entre os trechos I e II do Eixão das Águas;
o segundo, na região metropolitana de Fortaleza, fica na intersecção entre os
trechos IV e V, de onde parte tanto a água da capital quanto a tubulação de 55
km que leva ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP).
No percurso entre um e
outro reservatório, porém, populações das margens do canal sofrem com a
escassez de água – como os moradores do Assentamento Amazonas e da comunidade
Piauí de Dentro, localizados na fronteira entre os municípios de Morada Nova e
Russas.
No Assentamento
Amazonas, que cobre uma faixa de terra de 3.700 hectares,
cortada pelo Eixão, o ano passado e os primeiros três meses deste foram
improdutivos, com água suficiente apenas para a sobrevivência. Além do
abastecimento do carro-pipa, que enche as cisternas de uma a duas vezes por
semana, uma outorga da COGERH autorizou retirar 15 mil litros de água por dia
do canal. Mas, embora o assentamento exista há 15 anos, não há adutora
instalada para abastecer as mais de 50 famílias. Eles têm que pagar um trator
para transportar a água, por 25
a 30 reais a “carrada” (mil litros). Conforme o tamanho
do rebanho e da família, isso significa desembolsar até R$ 150 por semana,
retirados das bolsas governamentais e aposentadorias.
Os assentados Irmão Nem,
presidente da associação dos assentados, e Antônio Porfírio, o Tonhão, que
ocupava esse cargo quando foram feitas as negociações para que o canal cortasse
a terra do assentamento, afirmam que até hoje as promessas da época da
construção do Eixão das Águas não foram cumpridas.
“Na época, eles
indenizaram essa parte aqui [a faixa de terra por onde hoje passa o canal]. Mas
quando foi pra passar o pique, veio uma equipe do governo e prometeu que
deixava áreas irrigadas aqui pra nós. No caso, ele prometeu 50 hectares, pelo menos
meio hectare de irrigação pra cada um. Sendo 46 de irrigação e 4 hectares de tanque de
peixe. Mas infelizmente já se passou o tempo e até hoje ninguém encontrou isso
aí”, conta Irmão Nem.
Na
Fazenda Melancias tem água
A poucos quilômetros
dali, porém, uma adutora abastece a Fazenda Melancias, propriedade da
Agropecuária Esperança que pertence a um dos maiores grupos econômicos do Ceará
– o Grupo Edson Queiroz, dono de emissoras de televisão e rádio, jornal,
universidade, fábricas de eletrodomésticos, distribuidoras de água mineral e gás
butano etc. Dois grandes canos captam água do Eixão para irrigar a pastagem,
que alimenta o rebanho de ovinos e caprinos. Entre 2003 e 2011, a empresa foi
flagrada três vezes pelo Ministério Público do Trabalho pelo uso de trabalho
escravo em outras de suas fazendas no Maranhão e no Piauí.
Na lista de outorgas
para o Eixão, sete estão em nome da Agropecuária Esperança, totalizando uma
vazão de 2.318 litros
por segundo. Questionado sobre o assunto, o diretor de Planejamento da COGERH,
João Lúcio, afirmou que a vazão para a fazenda foi reduzida para priorizar o
abastecimento da grande Fortaleza na estiagem, e negou a existência de
privilégios no acesso à água.
“Se houver
disponibilidade, essa água vai atender o pequeno e vai atender o grande. Não
desconhecemos a questão política, porque a gente sabe que a sociedade tem suas
correlações de forças, mas nós temos nossa visão aqui na COGERH. Se tiver água,
nós vamos atender os pequenos e vamos atender o grande”, insistiu.
De fato, a lista com 240
outorgas ao longo do canal é formada principalmente por pequenos usuários, que
consomem volumes entre 0,4 e 10 l/s. Contudo, não é possível precisar quantos
destes estão na mesma situação do Assentamento Amazonas, que possui a outorga,
mas não a adutora. A instalação da adutora é de responsabilidade de quem
solicita a outorga e os trabalhadores rurais não tem como bancar esse custo, o
que prejudica toda a atividade econômica nas pequenas propriedades.
Mesmo quando já
investimento do Estado para as adutoras, outros problemas podem inviabilizar o
abastecimento das comunidades. A Secretária de Recursos Hídricos – órgão ao
qual está subordinada a COGERH – investiu R$ 6,5 milhões em 23 sistemas de
abastecimento que atendem a 32 comunidades localizadas a uma distância de até 2 km das margens dos trechos
I, II e III do Eixão. Segundo a secretaria, foram construídas infraestrutura de
captação, adução, reservação e chafariz para estas comunidades e outros 12
sistemas estão em fase de licitação. No entanto, ressalva feita pela própria assessoria
do órgão, seis dos sistemas já instalados estão parados por falta de
infraestrutura suficiente de energia elétrica, de responsabilidade da Companhia
Energética do Ceará.
Da varanda se vê, mas não chega na casa
Apesar de não ter sido
citada pela secretaria, este parece ser o caso da comunidade de Piauí de Dentro
– vizinhas ao Assentamento Amazonas –, em que as 60 famílias continuam
sem acesso à água do Eixão. A agricultora Maria Glécia, de 31 anos, conta que a
adutora instalada pelo programa da SRH com recursos do Fundo de Combate à
Pobreza funcionou durante uma hora e meia. Há mais de um ano está parada, assim
como estão sem uso a caixa d’água e o chafariz construídos para distribuir a
água.
“Agora tá até bom, tá
chovendo um pouquinho… Mas foi ruim, viu? 2012 a gente vendo os bichos
morrer… E a gente também. Tinha dia que não tinha água. A gente sabia que tinha
aqui, mas como tirar?”, pergunta.
Glécia mora com a
família a menos de 40
metros do canal. A varanda dá vista para o cânion de 30 metros de profundidade
formado depois que o topo de serra foi dinamitado para a passagem da água, por
gravidade, do Castanhão ao litoral. Mas, como não é possível manualmente puxar
a água através do cânion, ela precisa percorrer 3 km até encontrar um trecho
do Eixão ao nível do terreno. O motor que deveria bombear a água queimou logo
após ser ligado. Nem o eletricista enviado pelo governo, nem as inúmeras
visitas semanais que seu pai, líder comunitário, fez à sede do município de
Russas, deram jeito na situação.
Glécia, o marido
Josemberg, o irmão Wagner e o cunhado Getúlio não sabem dizer quantas cabeças
de gado perderam pela falta de água ou mesmo por caírem dentro do canal ao
escorregarem no desfiladeiro, que não possui qualquer proteção. Outras tantas
foram furtadas depois que o trânsito de pessoas aumentou na área com a abertura
da estrada que margeia o canal. Por isso, ninguém cria mais gado solto ali.
As obras do Eixão
trouxeram outros impactos graves à comunidade. As pedras e sedimentos gerados
pela obra, assim como a engenharia utilizada para o desvio do curso da água,
acabaram por aterrar parte de uma lagoa e de um açude da comunidade, hoje água
salobra. O cânion separou de um lado a vila de casas e do outro os lotes de
terras dos moradores, o que transformaria um percurso original de poucos metros
num jornada de 3 km
cada trecho, não fosse a resistência. Foi preciso a comunidade se mobilizar e
passar três dias inteiros deitada sobre dinamites até conseguir a garantia do
governo de que seria construída uma ponte no local.
Para a
indústria, água subsidiada
A lista de outorgas de
uso de água para o CIPP já soma uma demanda de 3.860 l/s, incluindo
empreendimentos que ainda serão instalados, como a Companhia Siderúrgica do
Ceará. A CSP, um investimento da Vale em parceria com as multinacionais
sul-coreanas Dongkuk e Posco, lidera a lista com uma demanda de 1,5 mil l/s,
quando entrar em operação em 2017. Mas, no momento, a COGERH já fornece uma
vazão de 55 l/s para a fase de terraplanagem. A demanda da CSP inclui o consumo
de água a termelétrica que será construída para fornecer energia à siderúrgica.
As duas usinas
termelétricas da MPX possuem duas outorgas no valor total de 800 l/s, volume
que deverá ser usado na totalidade quando a segunda unidade entrar em operação,
no segundo semestre. Não é tão grande se comparado ao utilizado pela
agricultura irrigada, que representa cerca de 60% da demanda do estado, mas
está entre os maiores da indústria. Além disso, ao contrário do que ocorre em
projetos semelhantes da MPX no Chile e no Maranhão, as térmicas do Pecém não
dessalinizam a água do mar, que fica a poucos quilômetros da usina.
No vídeo institucional
das térmicas do Pecém, a empresa chega a se gabar da “abundância” de água:
“Além do carvão mineral, outra matéria é necessária para a geração de energia:
a água. Nessa região, ela é encontrada em abundância devido à proximidade com o
reservatório da COGERH.”
O reservatório ao qual o
vídeo se refere é o Açude Sítio Novos, com capacidade para 50 mil m³, ou seja,
um açude de pequeno porte. Não por acaso, afora o Eixão das Águas, cinco outras
cinco barragens de mesmo tamanho serão construídas para abastecer o pólo
industrial – como mostra o documento “Cenário Atual do Complexo Industrial e
Portuário do Pecém (versão preliminar)”, produzido pelo Pacto pelo Pecém, uma
articulação de várias instituições em torno do projeto do CIPP, capitaneada
pelo Conselho de Altos Estudos da Assembleia Legislativa do Ceará, fortemente
engajada na concretização do CIPP.
Alguns deputados estaduais
chegaram a formar uma caravana para percorrer o Estado com o objetivo de
pressionar a Petrobrás para iniciar a construção da Refinaria Premium II – que
compõe com a siderúrgica da Vale os empreendimentos-âncora do complexo –, e as
matérias de interesse do CIPP são tratadas com deferência na assembléia. Em
junho de 2011, por exemplo, os deputados estaduais aprovaram um desconto de 50%
no preço da água consumida pelas térmicas da MPX, o que foi contestado por
parte da opinião pública cearense.
Os subsídios, uma
tradição da política econômica do Nordeste desde pelo menos os primórdios da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) na década de 1960, são
defendidos até hoje pelo secretário estadual de Recursos Hídricos, César
Pinheiro: “Pra você trazer empresas pro Nordeste, você tem que fazer um
incentivo. Então pra térmica nós demos um desconto de 50%, mas nós fizemos uma
coisa que não é discutida. A térmica fica parada durante um período do ano e
nesse período ela paga água. Quer use ou não, nós estamos cobrando dela e é um
valor significativo. Então não é 50%, porque quando ela não está usando, nós
estamos cobrando. Isso dá um balanço para que nós não tenhamos prejuízo”, diz
Pinheiro.
A lei que instituiu o
desconto estabelece que a empresa deve consumir no mínimo 7.200.000 m³ por ano,
o que representa aproximadamente 228 l/s. Se o número for confrontado com os
800 l/s previstos na outorga, portanto, em três meses e meio as térmicas
atingem a cota mínima determinada. A reportagem da Pública entrou em contato
com a assessoria da MPX para uma entrevista sobre as tecnologias de reuso de
água e redução da emissão de gases poluentes das duas térmicas do Pecém. Mas
foi informada de que a empresa não poderia se pronunciar por estar no “período
de silêncio”, uma determinação da Comissão de Valores Mobiliários que tenta
impedir que empresas envolvidas no momento em transações influencie o mercado.
ANÁLISE CRÍTICA DA PROBLEMÁTICA INTER-RELACIONADA
Em face do exposto o que
pensarmos da malfadada transposição do Rio São Francisco. Obra estimada
inicialmente para 4 bilhões e que agora vai em quase 20 bilhões sem se chegar à
metade da obra? Será crível que a água conduzida num dos eixos em mais de 200 km será para as
finalidades prioritárias de abastecimento ou vem na mesma esteira do que se
configura no caso do Ceará (Castanhão) só para agronegócio insustentável e
promotor de degradações sócio-hidroambientais de largo espectro? Como se pode
admitir isso, tomando a água como bem público, supostamente inalienável,
devendo ter como linha mestra os usos prioritários e múltiplos em uma suposta
gestão descentralizada, participativa e integrada para atendimento primeiro
para as necessidades mais essenciais seja subvertido por essa ótica nefasta de
“mercadologia da água”? A água já foi “comoditizada” e já se apresentam as
garras do poder hegemônico do grande capital para sua apropriação que começa
com a partir mesmo das melhores águas “minerais” que são engarrafadas e valem
mais que a gasolina, sendo vendidas em profusão por todos os cantos a peso de
ouro.
A gestão democrática da
água, nesta perspectiva, não passa de um sofisma de enganação muito bem urdido
e consolidado pelos políticos nefastos que grassam também como pragas
irremediáveis. E pensar que as
multinacionais também como “pragas invasoras” que são, chegam aqui com o apoio
espúrio das instâncias governamentais, com o propósito de usar e abusar do bom
e do melhor que o Brasil tem. Um povo já tão vilipendiado, sobretudo em região
de Semiárido, encravada em região de Polígono da Seca, vulnerabilizada ao longo
do decurso histórico pela ausência quase absoluta das políticas públicas (nas 3
esferas).
Segundo Roberto Malvezzi (Gogó) O olhar
“sudestino” sobre o Semiárido costuma dizer que aqui nada muda e que hoje a nossa
realidade ainda é a mesma denunciada por Graciliano Ramos em sua obra prima
“Vidas Secas”, o que não deixa ser ser uma atroz realidade imodificável no
tempo e no espaço do movimento do nordestino sofrido com a grande e mais
terrível “seca de gestão” promovida pelos políticos nefastos que se apropriam
do poder do Estado para se consorciarem com interesses espúrios e nefastos.
Isso porque o Sudeste
sempre se valeu o Nordeste, sobretudo o São Francisco para impor seu interesse
hegemônico de demanda de energia etc., sem nenhuma visão prioritária de
universalização do acesso à água. Neste diapasão temos quase metade do
território da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, numa extensão de 1.800 km com o povo
ribeirinho morredno de sede e fome.
Então surgem os ádvenas
para se aboletarem das água, dos recursos naturais, degradando e esterilizando
o solo, adulterando as sementes, promovendo a escravidão branca por meio do
subemprego (que não chega nem para as primeiras necessidades) deixando-os
expostos a venenos que já foram abolidos em outros países, lançados
indiscriminadamente e sem contenção contaminando as águas e o solo. E a parte
final é que saem com os bolsos cheios de dinheiro e deixando um largo espectro
de degradação em todas as dimensões sócio-hidroambientais.
E logo vem a mineração,
que custeia a dívida interna do Brasil, com sua demanda de água para 2030, em
grande quantidade, com o fito somente de degradar, amealhar toda a riqueza,
concentrando todo o lucro e um passivo atirado nas costas da sociedade, que
terá que arcar com a mais terrível destruição, que se torna irremediável, posto
que não existe nenhum processo de recuperação de área minerada no Brasil. As
mineradoras são as mais exigentes e vorazes saqueadoras de água, dando-se ao
despropósito de exigir para reservações de longo prazo.
Neste contexto se
afigura uma grande preocupação em nível alarmista mesmo, concernente à
problemática que teremos que enfrentar, impostergavelmente, no que tange à
questão da água, “causa causorum” de todos os conflitos emergentes que advirão
em um crescente exponencial até os conflitos mais terríveis em escala local e
global, consoante o que já foi previsto e alertado pelo ecólogo e limnólogo
brasileiro José Galizia Tundisi. O palco já está montado para os conflitos e os
atores já entraram em
cena. Falta agora a contraposição necessária, adstrita aos
movimentos das ruas, incorporando esta e outras demandas igualmente justas e
necessárias, porém não só com muitas pernas, mas com uma boa cabeça que o possa
conduzir correta e firmemente uma revolução determinada a obstar cada um e
todos esses problemas que afligem o nosso país e o nosso povo, dominado pela má
gestão e pela invasão de ádvenas que tudo querem, tudo podem e tudo conseguem
do melhor que o Brasil tem, com o beneplácito dos governos “entreguistas” a
expensas de nosso povo e de nossas riquezas, comprometendo o alcance
intergeracional. Um “Acorda Brasil” de verdade, bem estruturado e definido, com
delineamentos bem postos e disposto a sufocar e obstar todo intento contrário à
libertação dessas mazelas desgraçadas a que o Brasil está exposto
multissecularmente.
Luiz Dourado
Membro de Câmara Técnica do CBH São Francisco
membro do CBH Salitre