DESMATAMENTO NOS ANDES: PRINCIPAL CAUSA DA ALAGAÇÃO NO RIO MADEIRA


* Ecio Rodrigues
Passados os aperreios decorrentes da histórica alagação do rio Madeira, em Rondônia, é chegado o momento de uma discussão aberta, sobretudo para que duas perguntas cruciais sejam respondidas: há risco de a alagação se repetir no próximo inverno amazônico? E qual ou quais foram as causas do evento?

Com relação à primeira pergunta, os prognósticos elaborados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) apontam a recorrência cada vez maior de eventos climáticos extremos.
Se, como afirmam os responsáveis pelas medições no Madeira, foi a maior alagação ocorrida em cem anos, a tendência é de recorrência – ou seja, a alagação pode acontecer novamente e em intervalos menores. O exemplo do rio Acre talvez seja bem ilustrativo, já que, pelo menos nos últimos quatro anos, a vazão desse rio ultrapassou a cota de transbordamento.
Sem embargo, a se levar pelos que preferem não acreditar nos mais de 3.000 cientistas que trabalham para o IPCC, não há o que prevenir – mas apenas, como sempre se fez, esperar a próxima estação das cheias.
Quanto à segunda questão, diga-se que, ainda que se trate de uma resposta bem mais complexa, no momento em que a calamidade acontecia, o exercício de apontar a causa se transformou em prato cheio para os insatisfeitos de toda hora.

Todos os que, por alguma razão obscura e pouco defensável, são contra o uso da força das águas para gerar energia elétrica, ou simplesmente odeiam as hidrelétricas, aproveitaram o ensejo para engrossar o coro das acusações contra as usinas de Jirau e Santo Antônio. Encontraram espaço na mídia e puderam contar com a inusitada coincidência de a alagação ocorrer no ano inicial da geração de energia. A conclusão óbvia e fácil de argumentar é que “antes das barragens, o Madeira não inundava”.
Não atentando para o ingrediente de politicagem inferior – uma vez que a condenação das hidrelétricas do rio Madeira e de Belo Monte passou a ter como propósito, em certa medida, afetar a credibilidade do Governo Federal –, os detratores das usinas esquecem algo importantíssimo: a água que inunda o rio Madeira vem da Bolívia e do Peru.

Como afirmou, em artigo recente, o professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Marc Dourojeanni, a lei da gravidade impede que as barragens das hidrelétricas sejam responsabilizadas pela alagação. Não há como reverter o curso da água que antes havia inundado algumas cidades da Bolívia.

O professor Dourojeanni põe o dedo na ferida ao afirmar que a causa principal da alagação, além daquelas relacionadas à crise ecológica originada pelo aquecimento do planeta, está no desmatamento dos Andes ocorrido em território boliviano e peruano.
Numa visita a Cusco, é possível visualizar o dano ambiental que a mineração (de ouro e outros minérios) e o desmatamento (para pecuária e plantio de grãos) estão acarretando nas montanhas cortadas pela estrada que liga o Peru ao Brasil.

Na Bolívia é a mesma coisa. As montanhas ao redor do lago Titicaca e que ligam Copacabana a La Paz foram desmatadas para abrigar uma produção agrícola sofrível e bem diferente daquela praticada pelos antepassados incas.
Além de relativamente simples, a análise que leva à conclusão de que o desmatamento dos Andes é uma das principais causas da alagação é velha conhecida dos técnicos (em especial dos engenheiros florestais) que atuam na região. Sem a cobertura das florestas, o solo exposto não permite a infiltração das águas, que escorrem com facilidade morro abaixo. Como a altitude é elevada, o estrago é grande.

O reflorestamento dos Andes exigirá muito dinheiro, mas é prioridade. Às três nações – Brasil, Bolívia e Peru – resta tomar uma atitude. Antes da próxima alagação.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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