A economista Leda Paulani concedeu ao IHU On-Line a entrevista que segue. Nela, a professora analisa o desenvolvimento da economia brasileira nos últimos anos, trazendo dados importantes como a passagem do primeiro para o segundo mandato de Lula, a crise econômica, as perspectivas para 2010 e a atual taxa cambial brasileira. "Dada a forma que a sociedade se organiza hoje, se simplesmente desacelerar o crescimento no mundo todo, se joga bilhões de pessoas na miséria. É uma contradição enorme. Como vai se defender, num país como o Brasil, que o país não cresça mais?", disse ela na entrevista que concedeu por telefone.
Confira a entrevista.
Leda Paulani é doutora em Teoria Econômica pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da universidade de São Paulo. Em 2004, recebeu o título de Livre-docência da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, onde, atualmente, é professora. É presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política e pesquisadora Sênior da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Escreveu Lições da Década de Oitenta (Sao Paulo: EDUSP, 1995), A Nova Contabilidade Social (São Paulo: Editora Saraiva, 2000), Modernidade e Discurso Econômico (São Paulo: Boitempo Editorial, 2005) e Brasil Delivery: Servidão financeira e estado de emergência econômico (São Paulo: Boitempo Editorial, 2008).
IHU On-Line - É possível que a economia brasileira alcance, em 2010, o padrão de crescimento da China?
Leda Paulani - Creio que não. Os 8% que a China cresceu esse ano? Não. Deve ficar, se nada acontecer, perto dos 4,5%.
IHU On-Line - O que explica, no caso brasileiro, a rápida retomada do crescimento logo após a grave crise econômica internacional?
Leda Paulani - Na realidade, a economia brasileira já vinha com uma aceleração do crescimento por conta desse aumento da oferta de crédito para a população de renda mais baixa, o crédito consignado, e o aumento do salário mínimo real. Tudo isso fez o mercado crescer. O consumo estava crescendo, o investimento estava, ainda que pouco, reagindo. A economia vinha nesta toada e a crise deu uma "brecada" nisso. Agora, passada essa fase mais aguda da crise, o crescimento foi retomado em função dessas variáveis, que já estavam colocadas desde antes da crise.
IHU On-Line - Diante da atual taxa cambial brasileira, podemos dizer que estamos diante de uma excessiva valorização do real diante do dólar?
Leda Paulani - Esta é uma questão muito controversa. Sempre há quem diga que não há taxa de câmbio tecnicamente correta. Eu não concordo com isso. Acho que um país como o Brasil teria que tomar cuidado com esse preço, que é extremamente importante. Se nossa moeda se valoriza demais, como vem acontecendo, começamos a perder mercado interno e externo. Outras conseqüências num médio prazo podem advir daí, como a desindustrialização etc. Acho que, como a moeda brasileira vem de um processo de quase cinco anos de valorização ininterrupta, não podemos dizer que não há conseqüências.
IHU On-Line - O BNDES tem fornecido sucessivos aportes de recursos. Qual é o papel que o banco joga hoje na estratégia do governo?
Leda Paulani - O BNDES é um instrumento múltiplo, pode ser utilizado de várias formas e, para o governo brasileiro, é um privilégio ter um instrumento como esse. O banco tem um papel importante porque pode, num contexto de retração completa do crédito, acabar melhorando um pouco essa situação, tornando-a menos drástica. Por outro lado, ele também pode ser usado, como foi, por exemplo, na época das privatizações do governo FHC, para financiar os compradores das empresas estatais brasileiras.
IHU On-Line - Pode-se falar em um "Lula 2", a partir do segundo mandato, sob a perspectiva da política econômica?
IHU On-Line - Pode-se falar em um "Lula 2", a partir do segundo mandato, sob a perspectiva da política econômica?
Leda Paulani - Se compararmos a segunda gestão com a primeira, digamos que há o chamado desenvolvimentismo ou políticas desenvolvimentistas que começaram a ter um espaço nesse segundo período. A crise, de certa forma, acabou praticamente exigindo esta mudança de postura do governo. Se o governo tivesse se mantido durante a crise com a mesma postura que tinha no primeiro mandato, a crise teria sido muito profunda aqui no Brasil.
IHU On-Line - Como a senhora avalia as teses de que o crescimento econômico progressivo, a obsessão em aumentar o PIB, está na contramão da crise climática?
Leda Paulani - Acho que esta tese é absolutamente correta. A lógica do sistema capitalista é contrária a qualquer uso racional dos recursos naturais, simplesmente porque, para o sistema, quanto mais vende melhor. Mesmo para o trabalhador isso também é verdade, pois o emprego depende disso. Na realidade, a vida da maior parte das pessoas do planeta depende do sucesso dos negócios capitalistas. Um exemplo: uma pessoa pode ter quatro pares de sapato, seria o suficiente para ela ter satisfeitas suas necessidades de agasalhar o pé. Porém, evidentemente, que para quem produz sapato o interessante é essa pessoa ter 40 ou 400 sapatos, ainda que para viabilizar a produção nesse nível se tenha que destruir muitos recursos naturais, alterar o clima ou produzir gases tóxicos. Então, essa tese é absolutamente verdadeira. Acho que esta questão ambiental vai se tornar cada vez mais a grande questão a ser discutida. Como se acomoda a lógica do sistema capitalista, levando em conta o capitalismo global, com a finitude dos recursos do planeta?
IHU On-Line - A partir disso, o mundo deveria de fato desacelerar o crescimento econômico?
Leda Paulani - Dada a forma que a sociedade se organiza hoje, se simplesmente desacelerar o crescimento no mundo todo, bilhões de pessoas serão jogadas na miséria. É uma contradição enorme. Como vai se defender, num país como o Brasil, que o país não cresça mais? E os milhões e milhões de pessoas que não tem outro jeito de viver a não ser arrumando emprego? Este é o grau da contradição.
IHU On-Line - Como a senhora vê a opção brasileira em investir pesadamente em matrizes energéticas que exigem enormes estruturas: hidrelétricas, nuclear e o pré-sal?
Leda Paulani - Acho que energia é um bem estratégico, então o governo de cada país tem a obrigação de cuidar de seu abastecimento energético. Já vivemos dois apagões para saber como é complicado quando essas coisas falham. Evidentemente que hoje, tendo em vista este cenário de problemas ambientais cada vez mais agravados, tem que se procurar as fontes menos poluidoras e gerar energia da forma menos poluidora possível. O Brasil, neste ponto, é privilegiado porque tem "n" quantidades de água e pode produzir energia hidrelétrica, que é muito barata para o país e polui muito menos que a energia térmica, por exemplo.
Nós também temos a possibilidade do etanol, mas aí já existem uma série de outras conseqüências. Com relação ao pré-sal, a questão é que o mundo ainda vai continuar precisando de petróleo durante muito tempo, e por mais que seja muito mais caro extrair petróleo nessas camadas, ele vai se viabilizar economicamente. Para o Brasil isso não é ruim, a não ser pelo fato de que se pode, por conta de se tornar um país exportador de petróleo, acabar sofrendo daquilo que chamamos, na macroeconomia, de "Doença holandesa", e acabar só produzindo petróleo e se tornar dependente de produção externa para tudo mais. Isso acontece com os países produtores de petróleo hoje, tanto os árabes quanto a Venezuela, por exemplo.
IHU On-Line - Estaríamos ainda presos a uma concepção de desenvolvimento tributária da sociedade industrial?
Leda Paulani - Sim, com certeza. O padrão de vida e sociedade que temos hoje ainda está moldado à indústria, a grande revolução do Ocidente no final do século XVIII. Isto pauta tudo, até hoje.
IHU On-LineI - O governo está mais ‘desenvolvimentista’ e menos ‘monetarista’?
Leda Paulani - Eu diria que o governo está mais desenvolvimentista, mas não diria que está menos monetarista. Acho que o governo ainda tem uma postura muito conservadora e nossa taxa de juros ainda é uma das mais elevadas do mundo. Nossa taxa de juros caiu, só que na maior parte do mundo desenvolvido as taxas de juros são praticamente negativas, então nossas taxas de juros ficam extremamente atrativas, para o capital estrangeiro, por exemplo. As taxas de juros foram realmente muito elevadas e continuaram elevadas, apesar da queda em termos absolutos. Não diria que o governo está menos monetarista. Está mais desenvolvimentista, mas não é contraditório continuar a ser monetarista, de certa forma.
IHU On-Line - Pensando 2010, a senhora vê diferenças entre o projeto econômico de Serra e Dilma?
Leda Paulani - Não, nenhuma diferença. Para mim é o mesmo projeto há muito tempo. Quando o Lula se elegeu pela primeira vez, se imaginava que seria outro projeto, mas não era verdade, e cada vez mais está ficando claro que é o mesmo projeto. São administrações competentes da realidade capitalista, num contexto de transformações mundiais, mas não acho que tenha realmente nenhuma diferença substantiva.
* Instituto Humanitas Unisinos
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