Polêmica Nizan Guanaes: jornalista de Salvador opina
por Alexandra Forbes em 14/01/2010 às 9:44
Bom, o último post deu o que falar: Nizan Guanaes e as coisas que diz geram polêmica, e não é de hoje. Por dessas coincidências da vida, horas depois de ter postado os comentários feitos por ele no Twitter, tive um encontro com uma baianinha esperta, jovem jornalista, chamada Juliana Cunha. Como eu, blogueira - só que o blog dela, Já Matei por Menos, tem uma verve que jamais conseguiria imitar. Um encanto de pessoa. Mais apimentada, culta e sábia do que seu jeitinho de meninota dá a entender.
Juliana me contou coisas que para qualquer baiano são obviedades, mas que me deixaram incrédula. O melhor foi descobrir que Nizan já compôs um axé com refrão que diz assim:
we are carnaval,
we are folia,
we are dé wooud of carnaval,
we are bahia!
Céus.
Mas Juliana contou muito mais do que isso, desatou a falar do carnaval da cidade, contando que ao contrário do que a gente pensa, ele não dá lucro algum à cidade, etc e tal. Era tanta coisa que pedi que ela escrevesse um texto, que segue:
Depois que o Nizan Guanaes disse que Salvador está out, como a Alexandra falou por aqui, rolou uma comoção baiana chefiada por Bel Marques, vocalista do Chiclete com Banana, um dos maiores blocos do carnaval. A comoção é bastante compreensível: se Salvador está out, o Chiclete com Banana, Ivete, Cláudia Leitte e alguns dos artistas mais rentáveis da música brasileira estão out.
Ok, eu, você e todo mundo sabemos que eles ganham mais dinheiro nos milhares de micaretas, festas e shows no resto do Brasil no que no carnaval de Salvador. Acontece que essas pessoas vendem o projeto de uma Salvador onírica, onde o cidadão que passa o ano inteiro sem dar um selinho vai fazer a festa, onde a menina feia é diva e não existem classes sociais.
A pessoa pode até ir a um show do Chiclete com Banana sem nunca ter pisado em Salvador, mas realmente não faz sentido que ela vá a esse show se não “acredita” em Salvador.
Na minha opinião de jornalista/baiana - e não de especialista em carnaval ou turismo - o problema de Salvador com o carnaval é o mesmo problema de tantas outras cidades com seus lugares, festas e costumes que se transformaram em “produto turístico”: a esvaziação de sentido, de ligação legítima com as pessoas daquele lugar. Eu acredito que uma cidade ou uma festa feita para turistas está fadada ao fracasso. Os próprios turistas vão, aos poucos, sentindo que aquilo não é legítimo. Ok, há coisas que não têm mesmo a pretensão se serem legítimas, mas Salvador não é Dubai. Se o clima da festa que antes era leve, de vários artistas, de vários tipos de pessoas, se torna opressivo, violento com os mais pobres (que são justamente as pessoas que passam o ano inteiro esperando por esse momento e se vêem imprensadas entre os camarotes e as cordas), então perde a graça.
A concepção de que o carnaval deveria ser uma das maiores fontes de renda de Salvador, alavancando o turismo e constituindo-se em uma indústria em vez de uma festa popular foi gestada no começo da década de 90. Neste período, o país sofria uma reestruturação que se propunha a identificar e estimular as então chamadas “vocações” de cada região. Dentro desta concepção, o Nordeste servia para agricultura irrigada, cultura e turismo.
Se as vocações do Nordeste eram apenas essas três, Salvador precisaria se agarrar às duas últimas com unhas e dentes. O carnaval deixa então o amadorismo e, conseqüentemente, o povo.
A ideia de que o carnaval seria o trem da alegria que levaria a Bahia no caminho certo, anestesiou a crítica ao modelo. Para o chefe do departamento de Geografia da UFBA, Clímaco Dias, o grupo que ascendia ao poder estabeleceu uma falsa verdade que vigora até hoje: a de que ser contra a mercantilização do carnaval era ser contra a Bahia. “Até hoje, as pessoas acreditam piamente que ser contra a mercantilização do carnaval é ser contra empregos para a população pobre, o crescimento econômico da cidade ou o desenvolvimento de um mercado fonográfico regional. A discussão fica restrita à possibilidade de ‘melhoria’ do modelo e quase nunca à busca de alternativas para esta direção que a festa tomou, e que hoje talvez seja irreversível”, afirma.
Outra lenda que repercurte muito por aí é a de que o carnaval “sustentaria” Salvador. Gente, sinto informar que o carnaval não sustenta sequer a si mesmo. O carnaval não gera recursos significativos à Prefeitura e ao Governo do Estado, freqüentemente gera prejuízo. Em 2007, dos 27 milhões arrecadados pela Prefeitura no mês do carnaval, apenas 5,9% eram referentes às atividades diretamente ligadas à festa. No mesmo ano, a Prefeitura de Salvador conseguiu arrecadar apenas R$ 5,8 milhões de reais, incluindo impostos, licenciamento do uso do espaço público, taxas e cotas de patrocínio. Os materiais publicitários que emporcalharam a cidade renderam míseros R$ 2,9 milhões à Prefeitura. Enquanto isso, as principais organizações privadas diretamente relacionadas ao carnaval conseguiram arrancar R$ 30 milhões dos patrocinadores.
Se era ruim com a publicidade, vai piorar sem ela. O carnaval de Salvador deixou de ser um grande atrativo para a publicidade. Em 2007, 228 marcas tinham anúncios nos percurso do carnaval, menos da metade do número de anunciantes de 2003 e 2004. O ISS, que é o imposto mais significativo na festa, rendeu apenas R$ 1,6 milhão. A saber, o ISS é o imposto que incide diretamente pela atividade mais lucrativa do carnaval: os blocos. Eles absorvem a maior parcela da receita estimada do carnaval: R$ 63,3 milhões, e isso apenas com a venda de abadás, considerando que, estranhamente, o Estado não possui acesso às outras fontes de renda dos blocos de trio.
O carnaval também não é capaz de solucionar nem de amenizar significativamente a pobreza e o desemprego das camadas populares. Segundo informativo da Secretaria de Cultura do Estado, no carnaval de 2007 foram criados 130 mil postos de trabalho. No entanto, o próprio Governo reconhece que são ocupações efêmeras e mal remuneradas. Algumas delas, como a dos cordeiros, atingem tal nível de brutalidade que, mesmo com o desemprego, os trabalhadores deixam de se submeter.
O carnaval é uma festa do mercado para o mercado. E é necessário dizer que, mesmo para o mercado, a maré só anda boa para uns poucos eleitos. Quase 45% do faturamento total dos blocos de trio se concentra em apenas 2% dos blocos, embora, segundo a Secretaria da Fazenda, os blocos mais baratos totalizem 90% das ofertas de abadás e concentrem 70% dos foliões pagantes. Ou seja, os blocos mais caros são pouquíssimos, vazios e enchem as burras de dinheiro.
O mais irônico dessa história toda é que essa minha ladainha de números e “carnaval para os pobres” sempre foi repetida pelos chatos da cidade, mas agora quem diz que Salvador está out é um dos gestores da festa, uma das pessoas que vendeu a Salvador onírica.
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