O Brasil é líder mundial no uso de agrotóxico. As empresas transnacionais comemoram, enquanto o prejuízo fica para os trabalhadores rurais e os consumidores
Por Tatiana Merlino
Do lado esquerdo da estrada de terra vermelha, uma cerca viva impede a visão da fazenda. Do lado direito, é diferente: é possível ver o pomar repleto de árvores de laranja, embora a maioria não dê mais frutos. A época da colheita já passou, foi em agosto. Estamos em outubro. Mais alguns metros percorridos de carro pela estrada da área rural do município de Lucianópolis, interior paulista, ouve-se um som vindo por detrás do pomar.
Parece o ronco de um motor. Descemos do carro e cruzamos o limite da fazenda. O som se aproxima. Primeiro quarteirão, nada, segundo, terceiro, quarto. Lá pelo quinto quarteirão de árvores o barulho fica forte e avistamos o trator vermelho, pilotado por um homem que pulveriza um produto no laranjal. É Luiz Andrade de Souza, que trabalha e mora com a família na fazenda. Ele trabalha sem nenhum Equipamento de Proteção Individual – EPI, dispositivo exigido pela legislação do Ministério do Trabalho para a aplicação de defensivos agrícolas.
Parece o ronco de um motor. Descemos do carro e cruzamos o limite da fazenda. O som se aproxima. Primeiro quarteirão, nada, segundo, terceiro, quarto. Lá pelo quinto quarteirão de árvores o barulho fica forte e avistamos o trator vermelho, pilotado por um homem que pulveriza um produto no laranjal. É Luiz Andrade de Souza, que trabalha e mora com a família na fazenda. Ele trabalha sem nenhum Equipamento de Proteção Individual – EPI, dispositivo exigido pela legislação do Ministério do Trabalho para a aplicação de defensivos agrícolas.
Luiz Andrade é uma vítima potencial de problemas de saúde decorrentes da manipulação dos agrotóxicos. De acordo com dados divulgados no começo de novembro pelo Censo Agropecuário 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve, em 2006, pelo menos 25.008 casos de intoxicação de agricultores. Os dados também indicam que herbicidas, fungicidas e inseticidas foram usados em 1,396 milhão de fazendas.
A pesquisa mostra que mais de 1,5 milhão, das 5,2 milhões de propriedades rurais do país, utiliza agrotóxicos. E que 56% destas não recebem orientação técnica. A aplicação manual dos venenos, por meio do pulverizador costal – que é o equipamento que apresenta maior potencial de exposição aos agrotóxicos – é a mais utilizada, presente em 70,7% dos estabelecimentos agrícolas que fazem uso de algum tipo de defensivo. O Censo aponta também que 20% (296 mil) destas propriedades não utilizam proteção individual. O Rio Grande do Sul é o Estado que mais aplica agrotóxicos, com 273 mil propriedades.
Campeão mundial
Tal cenário é do país que, em 2008, foi “consagrado” com o título de campeão mundial de uso de agrotóxicos. Foram 673.862 toneladas de defensivos, o equivalente a cerca de 4 quilos por habitante. De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Defesa Vegetal (Sindag), o faturamento da indústria química no ano passado no Brasil foi de US$ 7,125 bilhões, valor superior aos US$ 6,6 bilhões do mesmo setor dos Estados Unidos. Atreladas ao tamanho da área plantada, as maiores aplicações se deram nas culturas de soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e cítricos.
De acordo com Gabriel Fernandes, da organização não governamental Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), tais números deveriam servir “como um grande sinal de alerta que indica a falência do modelo agrícola das monoculturas. Quanto mais veneno se usa, maior será o desequilíbrio ambiental. E quanto maior o desequilíbrio ambiental, mais veneno se usa”.
As consequências do uso dos agrotóxicos são inúmeras: coloca-se a saúde dos trabalhadores e consumidores em risco, e se contaminam o solo e a água. No caso da saúde dos trabalhadores, os riscos variam de acordo com tempo e dose da exposição a diferentes produtos. Assim, os efeitos podem ser agudos ou crônicos. O principal efeito agudo são intoxicações, dores de cabeça, alergias, náuseas e vômitos. “Dependendo do tempo de exposição, pode haver uma intoxicação aguda completamente reversível, mas também pode haver efeitos subagudos que deixarão lesões neurológicas periféricas que podem comprometer tanto a parte da sensibilidade quanto a parte motora”, explica a médica Raquel Rigotto, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).
De acordo com ela, os efeitos crônicos são mais difíceis de se identificar porque podem ser atribuídos a outros quadros clínicos, “mas vão desde infertilidade masculina, má formação congênita, abortamento precoce, recém-nascido com baixo peso, cânceres – especialmente os linfomas –, leucemias, doenças hepáticas crônicas, alterações do sistema imunológico, possibilidade de mutagênese – que é a indução de mudanças genéticas que vão resultar em processos de cânceres ou em filhos com má formação
congênita –, problemas de pele e respiratórios, até praticamente todas as doenças neurológicas, tanto centrais quanto periféricas. É um amplo leque de patologias”, explica.
Dor de cabeça, olhos ardendo
Quem tem como rotina receber denúncias de trabalhadores reclamando de problemas de saúde decorrentes do manuseio de agrotóxicos é Abel Barreto, presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de Duartina, cidade paulista localizada na região de Bauru. “Temos muita reclamação de gente que vai trabalhar na laranja e se sente mal. Eles ligam e dizem: ‘Estamos aqui trabalhando na laranja e o trator está na rua de cima passando veneno’. A maioria fala em dor de cabeça e ardor nos olhos”, relata.
Um dos casos que chegou ao sindicato de Duartina foi o das trabalhadoras Lindalva Zulian, de 38 anos, Rosimeire de Araujo, de 35, e Janaína Silva, de 25. As três trabalhavam numa fazenda de laranja no setor de inspeção, buscando localizar as plantas doentes para serem eliminadas.
Nascida em Duartina, Lindalva morou em São Paulo por muitos anos. Mas, nos últimos cinco, trabalhava em fazendas de laranja, alternando as funções de colheita e inspeção. O emprego, no entanto, rendeu-lhe problemas de saúde. Durante uma manhã do mês de junho deste ano, Lindalva e suas colegas faziam inspeção numa fazenda de laranja nacidade paulista de Espírito Santo do Turvo, quando o trator que aplica veneno passou pulverizando a mesma quadra onde as mulheres trabalhavam. “Eu comecei a ter tontura, dor de cabeça, ânsia de vomito.
Comecei a chorar de tanta dor. As outras também começaram a vomitar”. Depois de muita insistência, o funcionário da fazenda atendeu o pedido de levar as mulheres ao hospital. “A dor de cabeça era demais, muita ânsia de vomito, o nariz e a boca queimavam por dentro. Falta de ar, não conseguíamos respirar. Na hora, o médico disse: ‘tira essa roupa, toma um banho, nem eu estou agüentando o cheiro de vocês’. A gente estava toda envenenada”. As mulheres ficaram três dias internadas, e, quando tiveram alta, foram dispensadas ela fazenda. “O médico falou que a gente tinha que fazer tratamento, que não podia voltar a trabalhar onde tinha veneno dentro de três meses”.
Desde então, Lindalva está sem trabalhar. “Não posso mais com o cheiro de veneno. Qualquer coisa já começa a me queimar o nariz, me dá tontura e a cabeça começa a doer. O médico disse que a gente pode ter sintoma dentro de vários anos, que pode
aparecer algum tipo de doença porque fica tudo no sangue. A gente não sentiu só o cheiro, a gente inalou mesmo”.
Assim como Lindalva, Rosemeire também não voltou a trabalhar. “Não quero nem ver laranja”, diz. Já Janaína voltou para a colheita. “Não tem jeito, tenho que trabalhar. Mas até hoje eu sinto muita dor nos olhos. Nossa, quando eu forço a vista, dói para caramba”, diz, tentando segurar seu filho, que brinca com o gravador da reportagem.
Lista negra
Apesar de terem denunciado o caso, que está sendo investigado pelo Ministério Público, as mulheres estavam receosas de dar entrevista e serem perseguidas depois. “O medo é de entrar para a ‘lista negra’ das fazendas e nunca mais conseguirem emprego”, relata Abel Barreto, presidente do sindicato de Duartina. Segundo ele, a região é dominada por Cutrale, Coimbra, Citrosuco e Citrovita, as quatro maiores empresas do setor de citricultura. “Se você for nas fazendas dessas empresas, vai ver todo mundo com equipamento de proteção. O problema é que a precariedade está nas fazendas que fornecem laranja para elas. Essa é a maneira de se isentarem de ficar com o nome sujo”, alerta.
O sindicalista aponta que uma das dificuldades para sistematizar as denúncias de intoxicação por agrotóxicos ocorre porque, quando as empresas têm equipe médica na fazenda, “muitas vezes os profissionais escondem os exames dos trabalhadores, dão um atestado de um dia quando deviam dar de dois”, explica. “E mesmo alguns médicos da cidade cedem à pressão das fazendas e amenizam os problemas, argumentando com a gente que as empresas são responsáveis por milhares de empregos”, relata.
Estudos relacionados aos impactos do manuseio dos agrotóxicos por trabalhadores indicam que mesmo com a utilização dos equipamentos de proteção individual, a aplicação não é segura. “Além do EPI, há uma série de outras exigências que qualificam
aquilo que se chama de ‘uso seguro de agrotóxicos’, mesmo que eu esteja falando isso com várias aspas de cada lado, porque eu não acredito nessa possibilidade”, explica Raquel. Um dos pré-requisitos é o respeito ao que se chama de “período de reentrada”após a aplicação do veneno, quando ninguém pode ingressar na área. “Para alguns venenos, o tempo é de três horas; para outros, são sete dias, isso varia. E quando a gente pergunta aos trabalhadores como se trabalha com esse período, que é uma exigência da legislação trabalhista, eles dizem que isso não é respeitado pelas empresas”.
Além disso, segundo a médica, a segurança dos equipamentos de proteção individual é muito relativa. “Eles são muito desconfortáveis e, quanto mais baratos, mais mal acabados. Incomodam, espetam, arranham. Nos climas quentes, são ainda mais difíceis de usar. É também muito complicado para as indústrias estabelecerem o ritmo correto da troca dos filtros das máscaras”, avalia. Outro problema recorrente é a absorção dos produtos pela pele: “O uniforme fica encharcado de agrotóxicos. E, em vez de ser levado para a casa do trabalhador e lavado junto com a roupa da família, como acontece muitas vezes, ele deveria ser lavado pela empresa. A família corre grandes riscos de ficar contaminada. Essa proposta do uso seguro é muito relativa”, alerta Raquel.
Exemplo dos limites do “uso seguro” dos agrotóxicos é o trabalhador Paulo Sérgio, morador de Duartina. Aos 37 anos, muitos de corte da cana e cinco de colheita de laranja, ele teve uma experiência complicada recentemente. Contratado pela empresa de laranja Coimbra para aplicar defensivos agrícolas, no terceiro dia de trabalho, ao aplicar o veneno Temic, Paulo passou mal. “Eu estava com todos os EPIs”. Mesmo assim, os equipamentos não impediram que o trabalhador sentisse muita ânsia de vômito, aumento da salivação e dor de cabeça. “Passei no médico e ele disse que eu estava
intoxicado”, conta.
Limite de tolerância
Se, para os trabalhadores, os prejuízos do contato com agrotóxicos são alarmantes, estes tampouco deixam de ser graves para os consumidores de alimentos que trazem resíduos de tais produtos. “Os problemas são análogos aos dos trabalhadores”, explica a médica Raquel Rigotto. “A intoxicação aguda é mais rara, mas a lista dos efeitos crônicos é a
mesma. A exposição do consumidor é menor, mas, mesmo assim, ele entra em contato com uma ampla gama de princípios ativos”, alerta. Segundo ela, a quantidade de alergias que cresce no mundo, o aumento dos casos de câncer e de doenças imunológicas são um alerta para que se discuta o conceito “limite de tolerância”, ou seja, “o paradigma do uso seguro, que pressupõe que haja uma certa quantidade de cada um dos produtos químicos que poderia ser absorvida diariamente pelo organismo sem que isso cause danos irreversíveis à saúde. Isso não existe”, enfatiza.
O “bom uso” dos agrotóxicos também é questionado por Wanderlei Pignati, professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e estudioso do tema. “Não existe uso seguro de agrotóxicos. Isso não é só para quem manuseia o produto, é para toda a população das cidades pequenas. Quando se pulveriza no entorno, o ar leva o veneno para a cidade, a água fica contaminada...”, explica o médico, que, juntamente com a
Fiocruz, prepara um estudo sobre os impactos dos defensivos na saúde e no meio ambiente nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. “Há resíduos de agrotóxicos em poços artesianos, córregos, rios, lagos. E o ar das cidades fica contaminado pela chuva”.
O professor, que possui doutorado na área de toxicologia, afirma que, nas cidades do Mato Grosso onde há plantações que usam venenos, nos últimos dez anos houve um aumento da incidência das intoxicações agudas, de casos de câncer, mau formação e de distúrbios neurológicos. “O consumidor também encontra resíduos de agrotóxico na água. Conforme a população vai bebendo e cozinhando, virão os efeitos crônicos. E, depois, vem os resíduos nos alimentos, como soja, milho, arroz, feijão”.
O professor também questiona a existência de um limite máximo destes resíduos que são permitidos nos alimentos. “Para nós, que somos da saúde, não era para ter nenhum limite máximo de resíduo permitido. Esses estudos são feitos em animais, e nos seres humanos há diferenças de sensibilidade”. Pignati também cita o aumento de casos de trabalhadoras grávidas que apresentam problemas de mau formação dos fetos, o que, em muitos casos, leva à perda do bebê. “Por isso, o aumento dos índices de aborto é muito grande”, revela.
Veneno no prato
De acordo com a última pesquisa realizada pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2008, o pimentão foi o alimento que apresentou o maior índice de irregularidades em resíduos de agrotóxicos. Mais de 64% das amostras de pimentão analisadas tinham problemas. O morango, a uva e a cenoura também apresentaram índices elevados de amostras irregulares, com mais de 30% cada.
Foram monitoradas 17 culturas (abacaxi, alface, arroz, banana, batata, cebola, cenoura, feijão, laranja, maçã, mamão, manga, morango, pimentão, repolho, tomate e uva). Das 1.173 amostras coletadas, 15,29% estavam irregulares quanto aos resíduos de venenos agrícolas.
Um dado preocupante do resultado da pesquisa é a existência de agrotóxicos não permitidos em todas as culturas avaliadas. Substâncias proibidas em muitas partes do mundo, como acefato, metamidofós e endossulfam, foram encontradas de forma
irregular nas culturas de abacaxi, alface, arroz, batata, cebola, cenoura, laranja, mamão, morango, pimentão, repolho, tomate e uva.
De acordo com Juliana Ferreira, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), “o fato de o Brasil ter se tornado um grande consumidor de agrotóxico foi um alerta para os consumidores, que cada vez mais estão preocupados com as doenças que podem surgir com o tempo”. Segundo ela, uma das maiores dificuldades do consumidor é que “ele é muito mal informado, nem sabe o que está consumindo porque não há informação sobre a existência de resíduos de agrotóxicos nos rótulos dos produtos”, explica.
Em outubro, o Idec divulgou uma pesquisa realizada nas regiões sul, sudeste e centro-oeste com o alimento mais popular da cesta básica brasileira: o feijão. O resultado foi catastrófico. O Instituto analisou 33 marcas do alimento vendidas em diversas partes do país e constatou que quase um terço (nove delas) não poderiam ser comercializadas. Os produtos apresentavam resíduos de agrotóxicos proibidos pela Anvisa, e em sete deles foram encontrados insetos ou larvas vivas misturados aos grãos.
“Numa das marcas, foi encontrado o endossulfam, agrotóxico proibido na lavoura de feijão, e o inseticida clorpirifós em níveis acima do limite estipulado por lei. Como o feijão é um dos principais ingredientes da alimentação dos brasileiros, há uma grande preocupação em constatar isso e tentar divulgar para que os consumidores fiquem alertas”, avalia a advogada do Idec. Segundo ela, a entidade defende a reavaliação periódica de
“Numa das marcas, foi encontrado o endossulfam, agrotóxico proibido na lavoura de feijão, e o inseticida clorpirifós em níveis acima do limite estipulado por lei. Como o feijão é um dos principais ingredientes da alimentação dos brasileiros, há uma grande preocupação em constatar isso e tentar divulgar para que os consumidores fiquem alertas”, avalia a advogada do Idec. Segundo ela, a entidade defende a reavaliação periódica de
agrotóxicos: “Os estudos se renovam, novas descobertas acontecem e, por conta disso, novos problemas causados pelos defensivos são constatados. Não é possível que o agrotóxico, que não é um insumo, mas sim um veneno, seja liberado e nunca mais revisto”.
Reavaliação
Após uma briga judicial ocorrida no ano passado entre a Anvisa e setores do ramo dos agrotóxicos, o órgão do governo está reavaliando 14 tipos de defensivos utilizados no Brasil. Destes, 12 já foram proibidos em países da União Europeia e da África, além dos Estados Unidos e China. Apesar do mercado europeu exigir o certificado EurepGap, pré-requisito das redes varejistas locais para assegurar a qualidade dos produtos agropecuários destinados ao consumo humano, “não há mudanças efetivas na prática das empresas. O que temos visto em outros é que esses selos têm um papel mais cartorial”, relata a pesquisadora Raquel Rigotto. Assim, para driblar a certifi cação, “as empresas tendem a usar produtos que têm uma ação rápida sobre as pragas, mas que apresentam uma degradação, uma meia vida rápida, de modo que não são mais identificadas quando elas chegam no importador. O problema é que as consequências ficam aqui”, comenta.
No caminho oposto, o Brasil importa produtos que são rejeitados no exterior, como é o caso dos inseticidas metamidofós e paration metílico, registrados como substâncias altamente tóxicas e usados em vários produtos comerciais. O primeiro foi encontrado irregularmente em culturas de alface e de morango nas últimas avaliações da Anvisa, além de em quantidade excessiva no tomate, onde tem uso permitido.
Outro dado que indica que o Brasil segue na contramão dos países desenvolvidos nessa questão é que, enquanto a União Europeia proibiu a pulverização aérea, o Brasil continua utilizando tal expediente, apenas com a exigência de que se mantenha uma distância de 500 metros de comunidades e 250 metros de mananciais de água.
Um caso exemplar dos danos causados como resultado da pulverização aérea ocorreu durante um acidente ambiental em março de 2006 no município mato-grossense de Lucas do Rio Verde, o segundo maior produtor de grãos do Brasil. A área urbana do município sofreu com uma pulverização que provocou prejuízos a produtores rurais e problemas na saúde da população. “Os aviões passam em cima das nascentes dos rios, dos córregos, afetando as casas, as cidades. E o vento leva todo o agrotóxico para dentro da cidade”, explica Wanderlei Pignati.
Modelo agroexportador
O uso abusivo de defensivos está relacionado ao modelo de monocultura agroexportadora adotado pelo Brasil, explica Raquel Rigotto. “Esse modelo depende dos agrotóxicos porque, quando se opta pela monocultura, ao mesmo tempo que se destrói a biodiversidade, se oferece às pragas todas as condições de elas se expandirem”.
Gabriel Fernandes, da AS-PTA, avalia que o aumento do uso de defensivos também está diretamente ligado ao aumento da utilização de plantas transgênicas fabricadas para serem mais resistentes à aplicação dos herbicidas. “Há uma questão intrínseca do modelo. Desde quando os agrotóxicos começaram a ser utilizados até hoje, houve um aumento no número de pragas, insetos e doenças que causam danos à agricultura”, analisa. Segundo Fernandes, o uso intensivo dos defensivos não dá conta de controlar esses fatores, que interferem na produção justamente porque tais produtos vão aumentando o desequilíbrio ambiental: “O agrotóxico gera insetos, doenças mais resistentes. E outros insetos que não causavam danos passam a causar, por conta desse desequilíbrio ambiental”, avalia.
Não por acaso, as maiores empresas que produzem herbicidas e inseticidas são as mesmas que controlam o mercado de transgênicos. “A tendência da indústria de agrotóxicos é casar as coisas, porque elas mesmas produzem as sementes e os agrotóxicos”.
É o caso da Monsanto, Basf, Dupont, Bayer, Bunge e Syngenta. “A Monsanto, que é a produtora do glifosato e que fabrica o Roundup, é a mesma que produz a soja transgênica, que vai usar mais glifosato. É a mesma indústria, que depois vai cobrar
royalties. Tem todo um interesse de seleção mundial de sementes que precisa de agrotóxicos e fertilizantes químicos”, alerta Wanderlei Pignati. Por exemplo, em 1994, foram consumidas cerca de 800 toneladas de herbicidas no Brasil e, em 1998,aproximadamente 1.400, coincidindo com o período de introdução da soja transgênica no país.
Gabriel Fernandes afirma que o fato de que “a cada 4 hectares de transgênicos plantados no mundo, três serem de sementes transgênicas feitas para uso casado com agroquímicos, explica como as empresas ampliam e mantêm tanto seu mercado de sementes quanto o de agrotóxicos”.
Segundo ele, as sementes transgênicas foram desenvolvidas exatamente para necessitarem da aplicação de agrotóxicos. “Como o mercado de sementes é altamente controlado, aos poucos, essas empresas vão tirando as sementes convencionais do mercado e colocando as transgênicas. Essa é a jogada de mercado”.
O fato de o Brasil ter se tornado o maior consumidor mundial de defensivos agrícolas foi comemorado pelas empresas transnacionais, que “acham que a utilização dessa enorme quantidade de fertilizante é sinônimo de progresso. Isso indica que tem algo errado no rumo que as coisas estão tomando”, acredita Fernandes.
Segundo ele, como o poder público estimulou a utilização desses insumos pela agricultura nas últimas quatro décadas, “ele tem responsabilidade de tentar minimizar seus impactos e, por outro lado, estimular outro modelo de agricultura que não seja tão dependente desse produto”.
Tatiana Merlino é jornalista
tatianamerlino@carosamigos.com.br