CONVITE - VII REUNIÃO PLENÁRIA ORDINÁRIA DO CBH SALITRE EM VÁRZEA NOVA

CBHS
COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SALITRE
Instituído pelo Decreto Estadual N° 10.197 de 27 de dezembro de 2006
CONVOCATÓRIA
VII REUNIÃO PLENÁRIA ORDINÁRIA DO CBH SALITRE
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Salitre vem, através desta, convidar seus membros titulares e
suplentes para participar da VII Reunião Plenária Ordinária, que acontecerá no dia 29 e 30 de outubro de
2009. No primeiro dia a plenária ocorrerá no Centro de Apoio da Prefeitura Municipal Várzea Nova, na
sede do município e no segundo dia na localidade de Tabua, com a seguinte programação:
Dia 30 – Quinta-feira - Noite
19:30 - Abertura da reunião com formação da mesa
20:30 – Palestra: “Aspectos sociais econômicos e ambientais do município de Várzea Nova – Edson
D'Ângelo e Eduardo Rios
21:10 - Apresentação Cultural
21:40 - Coquetel
Dia 31 – Sexta-feira – Manhã e tarde
07:30 – Saída para Tabua
08:30 – Verificação de quorum, leitura e aprovação da ata da reunião anterior
09:00 – Leitura da pauta, discussão da ordem do dia e aprovação;
09:20 – Palestra: “O Comitê do Salitre” – Ana Patrícia Dias
10:00 – Intervalo para lanche
10:30 – Escolha dos possíveis membros para participar do XI ENCOB - Encontro Nacional de Comitês de
Bacias em Uberlândia nos dias 09a 13 de novembro (Almacks)
11:00 - Palestra "diagnóstico do Salitre", feito após a realização do mutirão pela CPT, MPA, STR de
Ourolândia, Campo Formoso e Juazeiro)
12:30 – Almoço
13:20 - Tribuna Livre - Várzea Nova e o Salitre.
15:00 - O que houver
16:00 – Encerramento
P.S 1: Favor confirmar presença com Luiz Castro no INGA (será custeado somente Membros do CBHS
titulares da sociedade civil e pequenos usuários).
P.S 2 : O Capítulo IX – Do Processo de Desligamento, Art 42 do Regimento Interno do CBHS, diz : “A Entidade que não comparecer
a duas reuniões consecutivas do CBHS, ou três alternadas, ao longo de seu mandato, sem justificativa prévia acatada pelo Plenário,
receberá comunicação do desligamento da sua participação”. No ano de 2007 ocorreram várias ausências sem justificativas
culminando com a falta de quorum em algumas reuniões, além do enfraquecimento do segmento cujo setor se ausenta. Desta forma, a
partir dessa reunião do dia 23/04, o membro que precisar se ausentar deverá comunicar ou à secretaria-executiva do comitê (INGA) ou à
secretaria –administrativa (diretoria do CBHS) com antecedência para que o suplente possa substituí-lo a tempo.
Fone de Contatos:
Secex: (71) 3116 3025 Luiz (74) 3611 0198 Luiz ou Andrezza Sec. Adm. (74) 3645-1085
(Patrícia)
Aguardamos a presença de todos.
Juazeiro(BA), 24 de setembro de 2009
Atenciosamente,
ALMACKS LUIZ SILVA
PRESIDENTE
Instituto de Gestão de Águas e Clima –INGÁ
Coordenação de Gestão Participativa– COGEP
Av. Antônio Carlos Magalhães, 357, 4° andar – Itaigara - CEP: 41.825-500 –Salvador -BA
71 – 3116-3238 / 74 – 9995-6734 / 74 - 9115-9831

ão Francisco sofre também com a poluição


Sob sol de rachar a pele, *Antônio Sequeira de Souza*, de 50 anos, lança sua tarrafa uma, duas, três vezes na água, e ela nada devolve. Tenta novamente, mas a rede insiste em voltar vazia. Para os pescadores do *Rio São Francisco*, os meses de setembro e outubro sempre foram tempo de fartura. Por causa da proximidade com o período de reprodução, a concentração de peixes fica maior. Mas este ano o *Velho Chico* não tem sido generoso: pirás, pacamãs, corvinas, curimatãs, pacus, tambaquis e outras espécies, além dos nobres surubi e dourado, estão ficando escassos. A poluição, as usinas hidrelétricas e a pesca predatória afetam a biodiversidade nas águas, visitadas pelo presidente *Luiz Inácio Lula da Silva* nos últimos dias.— Este está sendo o pior ano da pesca. Para pegar um peixe bom, temos de dar muitas tarrafadas. Estou fazendo R$ 150 por semana, mas já tirei R$ 500 — compara *Antônio*.A reportagem é de *Fábio Fabrini* e publicado pelo jornal* O Globo*, 18-10-2009.Como ele, cerca de 2,5 mil trabalhadores tiram o sustento do rio em Pirapora, Buritizeiro e Ibiaí, no Norte de Minas. Eles têm visto a renda cair à medida que as condições do rio pioram.Dados do *Instituto Mineiro de Gestão das Águas* (*Igam*) mostram que o índice de qualidade da água do São Francisco, que era de 76,4 em 2001 (conceito bom), caiu para 66,5 em sete anos (médio) — a escala vai de 0 a 100.*Análises mostram excesso de elementos poluidores*As análises na estação de Pirapora, feitas entre 1997 e 2008, têm indicado excesso de elementos poluidores, como coliformes fecais, fósforo e manganês, além de desconformidades na cor e na turbidez do São Francisco. Mês passado, equipes do *Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae*) de Pirapora registraram índices de zinco — um metal pesado — até 48 vezes maiores que o aceitável no Córrego Formoso e nos rios de Janeiro e Abaeté, afluentes do *Velho Chico*.Para ambientalistas que trabalham na região, os peixes estão sendo envenenados e os investimentos na despoluição ainda são lentos. Em Minas, *Pirapora* é a única cidade na calha do rio a ter uma estação de tratamento de esgoto (ETE). Mesmo assim, ela ainda não atende a 40% dos seus 53 mil habitantes, que continuam despejando os resíduos em fossas ou cursos d’água.Técnicos do *Projeto Manuelzão*, iniciativa da UFMG para a preservação de recursos hídricos, estimam que metade do esgoto da Grande BH, com cerca de cinco milhões de habitantes, seja jogada sem tratamento no Rio das Velhas, um dos contribuintes do São Francisco.Fora as enormes quantidades de material orgânico, que baixam a oxigenação da água, o biólogo *Carlos* *Bernardo Mascarenhas Alves*, do Manuelzão, diz que, no Norte de Minas, uma série de fatores tem impactado a vida aquática. A atividade agrícola contribui para que fertilizantes e agrotóxicos sejam carreados para o rio. Os garimpos destroem barrancos, o que acelera o assoreamento.Rejeitos da mineração e da metalurgia, atividades intensas na região, são despejados na bacia ou mantidos em barragens próximas, que contaminam lençóis freáticos ou transbordam em época de chuvas. Soma-se a isso a presença da hidrelétrica de *Três Marias*.A barragem impede que os peixes subam em direção à nascente para se reproduzir. E, como regula as cheias, dificulta a chegada dos ovos às lagoas marginais, ambientes mais favoráveis ao crescimento.— O lago ainda funciona como concentrador de poluentes — explica o biólogo.

Os donos do Brasil

A divulgação dos resultados preliminares do censo agropecuário 2006 precisa de muito estudo e análise para “tirar” dos números o seu significado político e sociológico na compreensão da dinâmica de desenvolvimento da estrutura agrária e os resultados da política agrícola das últimas duas décadas. Contudo, alguns elementos são de fácil entendimento, embora de difícil aceitação.
Os números divulgados confirmam o que os movimentos sociais, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, vêm debatendo e apresentando como causa da alta concentração de terras no Brasil: a ausência de uma política agrária que enfrente as oligarquias do campo e um modelo agrícola centrado na grande empresa capitalista em detrimento do modelo da agricultura familiar.
Gestado pelo mercado, com apoio do Estado, nos anos de ouro do neoliberalismo no Brasil, o agronegócio para produção de commodities se orgulha da modernização que promoveu no campo substituindo o jegue, o boi e o jeca pelo trator, colheitadeira e agrotóxicos em larga escala. No entanto, bastou o governo federal acenar com a possibilidade de cumprir a legislação e rever os índices de produtividade das propriedades rurais para que a bancada ruralista, no senado e na câmara dos deputados, saísse em gritaria uníssona de que querem roubar a terra de quem trabalha.
Essa cortina de fumaça que os deputados e senadores, defensores do arcaico modelo agrário e da “improdutiva” política agrícola baseada na grande propriedade e nos agrotóxicos, montaram serviu para esconder o que o censo agropecuário acabou por revelar: a segurança alimentar dos brasileiros é garantida pela pequena propriedade familiar. Se dependesse do agronegócio, de formato capitalista, o povo brasileiro morreria de fome porque só poderia comer os restos da exportação. A lavoura capitalista não produz alimentos, produz mercadorias.
A novidade do censo agropecuário 2006 foi realizar uma radiografia mais completa e em conformidade com a lei que define agricultura familiar. Com isso foi possível fazer comparações com os resultados de 1985 e 1996 e apresentar uma fotografia onde a agricultura familiar aparece com sua cara própria. Os dados apresentam uma realidade da agricultura familiar que devem servir de base para uma reorientação completa da política agrícola e agrária em curso no país. Senão vejamos: apesar de representar 84,4% do total de estabelecimentos rurais ou 4.367.902 propriedades, a agricultura familiar ocupa uma área de apenas 24,3% da área total dos estabelecimentos rurais cadastrados. Ainda assim, nessa pequena lavoura se produz 38% do valor bruto da produção agrícola do país e emprega 74,4% da mão de obra no campo. As propriedades com menos de 10 hectares ocupavam em 2006 apenas 2,7% (7,8 milhões de hectares) da área total dos estabelecimentos rurais, enquanto os estabelecimentos com mais de 1.000 hectares concentravam mais de 43% (146,6 milhões de hectares) da área total. Se tomarmos o número total de estabelecimentos (cerca de 5,2 milhões de propriedades), próximo de “47% tinham menos de 10 hectares, enquanto aqueles com mais de 1.000 hectares representavam em torno de 1% do total, nos censos analisados” resume o informe do IBGE.
Mesmo cultivando uma área menor com lavouras (17,7 milhões de hectares) a agricultura familiar responde por 87% da produção de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% da produção de milho e também é responsável por 50% da produção de frangos, 59% da produção de suínos e 30% da produção bovina, apesar de cultivar uma área menor com pastagens. O censo revela ainda que o valor bruto da produção da agricultura familiar e sua participação no valor bruto da produção total obteve crescimento de 38% para 40% em 10 anos (1996-2006). Segundo informativo do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA: “A agricultura familiar gera um VBP [valor bruto de produção] de R$ 677,00/ha que é 89% superior ao gerado pela agricultura não familiar (R$358,00/ha).”
Entende-se agora a virulência dos ataques dos latifundiários e seus aliados às propostas da sociedade civil para limitar o tamanho das propriedades no Brasil e a proposta do governo federal (MDA) de rever os índices de produtividade, pois qualquer cidadão medianamente informado é capaz de concluir que existe no país uma concentração absurda da terra que é contra o processo de desenvolvimento sustentável. O índice de Gini do uso do solo no Brasil é de 0,872, muito próximo de um, o que indicaria o nível máximo de concentração.
Portanto, não há o que se comemorar. A tentativa do governo, na divulgação do censo, de “dourar a pílula” apresentando os exitosos números da agricultura familiar como uma prova de que a política de crédito e a reforma agrária começam a dar frutos é outra cortina de fumaça para esconder a ineficácia da política agrária e a quase ausência de uma política agrícola específica para a produção de alimentos da cesta básica. Verdade seja dita, os agricultores familiares é que apesar do mercado e apesar do governo viabilizaram suas propriedades como equipamento altamente produtivo. Evidente que o censo 2006 avalia apenas três anos do atual governo, talvez por isso se possa autorizar o discurso: “se não fosse nós seria pior”. Mas querer atribuir a sobrevivência da pequena propriedade familiar à política agrária e agrícola deste ou dos governos passados é, sem sombra de dúvida, um exagero. Analisando a repartição do orçamento público, especialmente no período pesquisado, verifica-se uma distribuição francamente desproporcional em favor do agronegócio.
Antes mesmo da divulgação do censo agropecuário 2006, um estudo, resultado de tese de doutorado do geógrafo Eduardo Girardi, intitulado Atlas da questão agrária brasileira, lançado no primeiro semestre deste ano, mostrava que “Em 2003, os pequenos imóveis, com tamanho médio abaixo de 200 hectares, representavam 92% do total de propriedades, mas ocupavam apenas 28% da área agrária. As propriedades de médio porte, de 200 a 2 mil hectares, respondiam por 6% do total de imóveis e 36% da área. Já aquelas acima de 2 mil hectares, embora não chegassem a 1% do total, ocupavam 35% da área do setor”. Com pequenas variações regionais que não alteram o quadro geral, o censo 2006 confirma os resultados do estudo de Girardi. O que isso implica para o debate da reforma agrária?
A legislação brasileira proíbe desapropriação de área menor que 15 módulos fiscais (que varia de região para região, mas situa-se, na média, em torno de 500 hectares). Sabendo que existem aproximadamente 5,2 milhões de imóveis rurais cadastrados no país e aceitando que todas as médias propriedades (acima de 500 hectares e menor que 2000 hectares) cumprem sua função social, ou seja estão dentro dos índices de produtividade atuais e respeitam a legislação ambiental, restam para desapropriação os imóveis rurais acima de 2000 hectares, que representam menos de 1% do total de imóveis rurais, ou seja, em torno de 50 mil propriedades.
Então toda a gritaria dos deputados, senadores associações de produtores rurais é para defender o “direito de propriedade” de 50 mil privilegiados contra o “direito de propriedade” de mais de 4 milhões de pequenos e médios proprietários e sem terras? Absurdamente é isso. Na democracia dos atuais deputados e senadores 50 mil proprietários são mais donos do Brasil que os outros quase 5 milhões.
A estrutura agrária tem intima ligação com a política agrícola. A concentração de terra – confirmada pelo Censo 2006 deriva da necessidade que tem o agronegócio voltado para exportação — soja, cana-de-açúcar e pecuária — ocupar grandes extensões em planícies que facilitem o uso intensivo de máquinas e agrotóxicos para produção em escala. Para competir lá fora o agronegócio precisa destruir aqui dentro. Essa concentração continua expulsando os trabalhadores do campo. Em dez anos, deixaram de trabalhar nas lavouras 1,363 milhão de pessoas. Permanecem ainda 16,5 milhões ou 18,9% da população ocupada do país em 2006.
O discurso dominante não vê limites para as “conquistas cientificas” que, descobertas hoje no laboratório, amanhã já se transformaram em tecnologias para produção de mercadorias. Clonagem, transgenia, agrotóxicos, tudo é possível. Não há barreira ética e moral capaz de frear “a marcha do progresso”. A agricultura familiar aparece para estes senhores pseudocientistas e “mudernos” como uma ingênua nostalgia bucólica. Paradoxalmente, aqueles que acham tudo possível na ciência e na moral acreditam ser impensável uma outra estrutura agrária e uma outra política agrícola. Sua condição política e cegueira ideológica, sim, é que atravancam o desenvolvimento de um país com soberania alimentar. É o latifúndio pós-moderno onde tudo é possível e relativo menos a contestação da absurda concentração de terras.
Mas, se “ouvirmos” os números do censo 2006 e imaginarmos um país com distribuição de renda, sem fome, com menos agrotóxicos, preservando as florestas é inexorável mudar de rumo. É uma imposição social e política desconcentrar a propriedade da terra. Sem isso não há desenvolvimento social, apenas mais concentração de terra e renda.
O primeiro passo é resolver rapidamente o problema dos acampamentos da reforma agrária. Segundo dados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras existem hoje 230 mil famílias acampadas. Como já avaliamos, se adotássemos uma política agrária determinada a desconcentrar a propriedade da terra teríamos de intervir naquelas com mais de 1000ha que representam menos de 1% do total de propriedades no Brasil. Assim, para assentar as 230 mil famílias, considerando um módulo médio de 25ha por família seriam necessários menos de 6 milhões de hectares o que representa menos de 4% do total da área ocupada pelas fazendas com mais de 1000ha. Só para exemplificar: o paranaense Eraí Maggi Scheffer comanda uma empresa que planta em 250 mil hectares dos quais 100 mil são próprios e o restante arrendado de outros agricultores. Se, ceder 4% da sua área para reforma agrária o “rei da soja” ainda terá ao seu dispor 240 mil hectares e nos 10 mil hectares disponíveis à reforma agrária daria para assentar 400 famílias em lotes de 25ha cada. Pergunto: foi agredido o senhor “rei da soja” em seu direito de propriedade e de produzir? Repartir a produção de 10 mil hectares com mais 400 famílias irá dissolver o negócio do senhor “rei da soja” pela concorrência? Ora, não estamos falando de uma revolução no campo, de uma coletivização forçada, mas de multiplicar o número de proprietários com a clara intenção capitalista de ampliar o número de unidades produtivas e diversificar a oferta de alimentos. Trata-se de uma reforma agrária que é realidade em todos os países onde houve uma revolução burguesa (capitalista). É claro que essa é uma exigência mínima, porque o que deveríamos fazer é cumprir a constituição.
Há muito que a legislação brasileira não reconhece mais o direito de propriedade da terra mas a sua função social, que significa que um pedaço de terra é uma unidade produtiva, ou seja, deve produzir alimentos ou seu dono não pode exigir a propriedade sobre a mesma. Ainda assim, a força desta minoria é tão grande que a própria lei não é aplicada. Tribunais crivados de latifundiários ou de amigos deste seleto grupo de ricos que se acham “donos do Brasil” insistem em interpretar a constituição de acordo com suas conveniências e a criminalizar os movimentos que lutam pela terra.
No entanto, como a constituição do país prevê o direito de produzir, de ter um pedaço de terra que cumpra com sua função social, os movimentos sociais não fazem mais que exigir que se cumpra a lei. Isso os legitima sim a ocupar, resistir e produzir. Mas, para além da lei, a legitimidade e necessidade de sua luta se estriba num direito humano fundamental: o direito a vida; deles e de todos os brasileiros. Porque, como revelou o censo 2006, se não fosse a pequena propriedade familiar e a importação de alimentos (um absurdo para um país como o Brasil) os brasileiros passariam fome.
A sociedade brasileira se quer deixar para trás o desonroso título de país com o quadro de segunda maior concentração da propriedade fundiária em todo o planeta (atrás apenas do Paraguai) e caminhar para uma democracia de verdade, precisa dar um basta a estes privilegiados. É urgente que se estabeleça um limite do tamanho máximo da propriedade rural e que se assente, pelo menos, as famílias acampadas.

Francisco Xarão, professor de Filosofia da Rede Municipal de Porto Alegre; Mestre em Filosofia política pela UFMG e aluno do PPG em Filosofia da UNISINOS.
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OPOSIÇÃO EM QUEDA




A eleição presidencial de 2010, a sexta que se realiza após o ciclo da ditadura, talvez seja a primeira com destaque incomum para a escolha dos representantes no Congresso que, de fato, expressa a soberania popular.
Lá, desde o fim dos anos 1990, o voto tem marcado o progressivo abandono do eleitor dos apelos dos mais tradicionais partidos conservadores, gêmeos quase univitelinos – o PSDB e DEM – em oposição a um crescimento constante das facções da esquerda, identificada com o interesse da população mais pobre. Notadamente, neste caso, o PT.
Em oito anos, o DEM, herdeiro do PFL, perdeu quase a metade dos deputados. Em 2006 elegeu 65 deputados. A perspectiva eleitoral do próximo ano afugentou mais gente do partido e ele tem, hoje, 58 representantes. Também em queda sucessiva, os tucanos saíram de 99, em 1998, para 65, em 2006. Essa fase marca a derrota dos candidatos do PSDB à Presidência, José Serra, em 2002, e Geraldo Alckmin, em 2006.
Os números indicam que a ênfase na eleição do Congresso não se dá especialmente por razões de ordem moral, pregada ultimamente por duvidosos arautos da ética. Talvez seja mais certo apostar na crescente identidade da população com as propostas de conteúdo mais social e de inspiração mais nacionalista. É no confronto político travado no Congresso que a cobra fuma.
Não por acaso, o golpe de 1964 também se deu quando a composição da Câmara dos Deputados, na eleição de 1966, poderia tornar-se majoritariamente de centro-esquerda, naquela época capitaneada pelo PTB, por Jango e Brizola, sob a inspiração de Getúlio Vargas. O PTB abrigava, também, os representantes da esquerda comunista, cujos partidos ainda eram ilegais.
A mesma tendência eleitoral percebida nas eleições para a Câmara ocorre nas eleições para as prefeituras municipais. Nas últimas três competições, para a chefia dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros, tucanos e pefelistas, descem a ladeira. De nada adiantou ao PFL, que sustentava a ditadura, adotar o nome de fantasia Democratas (DEM), em 2007.
O fracasso eleitoral dos dois partidos é gritante. Ela vai da façanha eleitoral do PFL em 2000, quando conquistou mais de mil prefeituras, para o insucesso do DEM, em 2008, quando ficou com apenas 495. Porcentualmente isso expressa mais de 40%.
Para o PSDB, a perda das prefeituras é ainda maior. Em 2000, após seis anos de administração Fernando Henrique Cardoso, os tucanos se aproximaram da conquista do PFL: 989 prefeituras. Em 2008, o número baixou para 779. Queda notável. O que os aguarda em 2010?
Os dois partidos já tentaram a maquilagem e não deu certo. Agora buscam uma cirurgia plástica. Os tucanos, inspirados por Fernando Henrique Cardoso, presidente de honra do partido, editaram milhares de exemplares de uma revista em que invocam a autoria da legislação social de Lula. Tentativa bizarra, na velha, e não na nova, acepção do termo. O DEM, para se livrar do passado, escolheu um jovem parlamentar na presidência (o deputado Rodrigo Maia) e anunciou que quer se livrar do estigma de partido de direita. Por isso vai apregoar o compromisso de manter os programas sociais do governo petista.
PSDB e DEM vão para um processo de canibalização um ao outro na disputa de eleitores. Não há votos suficientes no País para sustentar dois partidos de direita.
Para ler outras excelentes matérias de Mauricio Dias e de outros colunistas de Carta Capital, clique aqui

O Petróleo e desafios do Projeto Popular para o Brasil

A luta de classes no Brasil, na América Latina, África e tantos outros lugares do mundo passa pela defesa da soberania nacional, especialmente pelo controle dos recursos naturais e estratégicos. A principal luta, com maior radicalidade, conquista para o povo e enfrentamento com o imperialismo nos últimos anos passou por essas lutas, com vitórias como na Bolívia, na Venezuela, como na composição que levou a vitória popular no Equador, no Paraguai, no Uruguai, e assim sucessivamente. Há um sinal claro que marca um novo momento da luta pelos recursos estratégicos, que no Brasil se destacam o petróleo, a biodiversidade, a água, a terra. E são lutas que se agrupam em uma síntese: defesa do solo e subsolo, alvo da sanha do imperialismo e que na divisão internacional do trabalho define como estratégicas no nosso país e continente. Nesse caso temos um conflito aberto de interesses que poderíamos resumir em dois campos muito cristalinos: forças populares e os interesses da burguesia brasileira e internacional. E nesse meio temos um "campo" que pode jogar um papel de coesão entre setores dos dois campos principais e resultar numa saída conciliadora que na nossa história sempre foi à expressão dos interesses da burguesia com alguma dimensão popular, sempre efêmera, homeopática. Construir um campo que privilegie as forças organizadas em torno da soberania nacional e popular - como o tema do petróleo - e impedir que o bloco antipopular se consolide é estratégico e perpassa o pré sal.

A humanidade passa por uma crise econômica, social e ambiental. Não temos clareza de como sairemos - e se sairemos - dessa crise. Certo é que a saída não poderá repetir o receituário de outrora, baseada na indústria e no alto consumo, sobretudo do transporte individual, do carro, aumentando o consumo de petróleo, e resultando no aumento progressivo da poluição. A saída terá que passar pelo consumo das economias centrais, e a luta pelos recursos estratégicos e pelo petróleo não é para assegurar o ritmo de consumo crescente, mas, sobretudo para que sejam utilizados seus recursos para desenvolver pesquisas em energia limpa e renovável, que não tenha impacto ambiental e social(*). A perspectiva é que essas energias substituam o poluente óleo negro, em perspectiva de acabar com o que ficou conhecido como a era do petróleo. Porém, isso ocorrendo e de forma exitosa, poderá substituir o petróleo como fonte de energia, mas muito provavelmente sua importância como matéria prima seguirá crescendo e ganhando importância. Portanto, lutamos pelo petróleo, para acelerar a sua substituição como fonte de energia e gestar, sob controle do estado, toda sua cadeia produtiva.

As questões apresentadas estão inseridas no contexto da luta de classes e são direcionadas para o fortalecimento do papel do Estado, em uma luta estratégica que exigirá a mobilização de amplos setores do campo democrático, nacional, popular e socialista. A estatização nesse sentido se insere como um contraponto ao mercado, ao domínio do mercado de toda economia, que busca intensificar a rapina e maximizar os lucros. Isso não obscurece o entendimento de que esse mesmo Estado é um instrumento construído e utilizado em defesa dos interesses das mesmas classes dominantes na manutenção do capitalismo. Esse é o objetivo e parte da luta e construção do Projeto Popular para o Brasil, abrindo portas para uma sociedade justa, fraterna e solidária com os demais povos do mundo, o socialismo, com controle do estado pelos trabalhadores e a economia organizada a partir das prioridades e interesses do povo e integrada com a classe trabalhadora de todo o mundo.
(*) Não se tratando portanto de tornar o Brasil um produtor dos agrocombustíveis, substituindo a produção de alimentos, nem tampouco a construção de barragens, aparentemente energia limpa e renovável, que no Brasil é sinônimo de expulsão do campo, de muito sofrimento, de forte impacto social



Ronaldo Tamberlini Pagotto *

Vou morar numa propaganda do Governo da Bahia - Jaques Wagner

O Jaques Wagner e o PT, que por três anos abrigaram quem eles conheciam por demais, e agora apesar de muitos ainda estarem com eles no "governo" dão o pontapé mostrando realmente como vai a Bahia. A Bahia que eles não querem que mude.
Mas como sou do Camisão (Ipirá) e meus avós criadores de bode já diziam: É difícil entrar no chiqueiro não sair com a caatinga de bode!

''Visita de Lula foi mais uma de suas grandes mentiras''. Entrevista com D. Luiz Flávio Cappio


Crítico da transposição das águas do rio São Francisco, o bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, 63, disse que o projeto é um "tsunami" e que as obras de revitalização do rio promovidas pelo governo federal são "marolinhas" - termo que o presidente Lula usou para se referir aos reflexos da crise econômica global no Brasil. Cappio fez duas greves de fome contra a transposição, em 2005 e 2007. Nos últimos dias, quando uma comitiva presidencial visitou a região - passando também por Barra -, o bispo não estava na cidade. Mas organizou à distância um protesto no dia da visita de Lula.
A entrevista é de Matheus Magenta e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 17-10-2009.
 Eis a entrevista.

O sr. acha que a visita do presidente a Barra foi provocação, para mostrar que as obras estão em andamento apesar das críticas?
Quero usar as próprias palavras do presidente, quando ele falou que a crise econômica era uma marolinha para o Brasil. O projeto de transposição segue como um tsunami violento. Está lá o Exército desmatando tudo, passando por cima de vilas e aldeias, de roças e de gado, para garantir o trabalho. E as obras de revitalização, que são essenciais para a vida do rio São Francisco, são marolinhas, coisas insignificantes.

A Presidência convidou o sr. para ir ao evento?
Se me ligaram, eu não sei porque não estava aqui. E, mesmo que eu fosse convidado, eu não iria porque não participaria de uma mentira.

Por que "mentira"?
O que o presidente veio fazer em Barra foi apenas um marketing de mídia para mostrar para o Brasil e para o mundo algo que não existe, uma farsa, uma mentira. O projeto de revitalização não acontece. Foi mais uma de suas grandes mentiras sobre esse projeto. Foi apenas um show.

Apesar de não estar no município, o sr. organizou um protesto. Por que os sinos da igreja tocaram o dobre fúnebre?
Foi a única maneira de homenagear aquele que está matando o rio em nome da ganância.

O presidente Lula?
Sim. Durante a minha vida toda fiz tudo para colocar Lula na Presidência. Mas, infelizmente, uma vez que ele se tornou presidente, ele passou a governar o Brasil pensando nas grandes elites, como esse projeto de transposição que garante apenas a segurança hídrica de grandes projetos de irrigação. Se o projeto realmente levasse água a quem precisa, eu seria o primeiro a apoiá-lo.

O andamento do projeto representa uma vitória do governo?
É vitória não da democracia, mas de uma postura ditatorial do presidente. A sociedade civil brasileira quis discutir o projeto, mas ele jamais aceitou. Ele impõe a transposição à revelia da sociedade.

O projeto de revitalização é suficiente para recuperar o rio?
É muito pouco, não atinge o essencial. Esses projetos de saneamento básico são importantes, mas não significam uma revitalização do rio. O que deveria ser feito é garantir a revitalização de todas as nascentes dos afluentes do rio, das lagoas, das regiões que geram vida ao rio. A maioria delas está morta. E não apenas em 300 km, mas em toda sua extensão. Quem fala sobre esses números não conhece realmente o rio.

Dilma Rousseff afirmou que os críticos não conhecem o rio.
Que conhecimento que a Dilma tem do rio São Francisco? O que ela sabe é de ouvir falar. Chega de mentir para o povo. Nós tivemos aqui na Barra um show. Foi um show de política em véspera de eleição. Tenho pena de pessoas que se deixam enganar com aquilo.

Quem olha o Rio São Francisco? Entrevista especial com Rubens Siqueira

Em meio a debates sobre a construção de hidrelétricas na Amazônia, há ainda, embora que um pouco esquecido nos últimos tempos, o projeto de transposição do Rio São Francisco. A semana que começa no dia 04 foi denominada Semana do São Francisco, em que eventos de conscientização serão realizados para que a luta em defesa deste rio não seja deixado de lado. O representante da Comissão Pastoral da Terra da Bahia Rubens Siqueira analisou, na entrevista que nos concedeu, por telefone, os últimos três anos de ação dos movimentos que defendem a vida do rio São Francisco. Segundo ele, 2007 foi o grande ano, mas, em 2008, os movimentos viveram grandes dificuldades e, neste ano, tentam retomar o nível de debates que eram realizados no início. “Continuamos com dois focos: transposição e revitalização do São Francisco”, aponta ele.

Siqueira fala também sobre como estão as obras de construção dos eixos que realizarão a transposição, além do projeto de revitalização do rio. Ele diz que, hoje, essa revitalização se concentra no esgotamento sanitário, mas não está investindo na filtragem do esgoto que assegura a qualidade da água que vai para o rio. No entanto, Siqueira afirma que o grande problema que o São Francisco vive hoje é a diminuição da vazão de água. “Saíram agora estudos de climatologia dizendo que entre os rios do mundo, na América do Sul, o São Francisco foi o rio que mais perdeu água. Perdeu 35% de vazão nos últimos 50 anos. Se considerarmos as mudanças climáticas, ele pode perder ainda 25% da sua vazão nos próximos milênios”, disse.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Neste último ano, o que foi feito em defesa do Rio São Francisco?

Rubens Siqueira –
O ano de 2007 foi repleto de enfretamentos à transposição. Foram feitas várias ocupações e acampamentos em Brasília e no canteiro de obras, além do jejum de Dom Luiz. Em 2008, nós tivemos o refluxo disso, uma certa dificuldade do movimento entender que precisava continuar fazendo o enfretamento à transposição e pela revitalização do São Francisco porque era alguma forma de o nordeste estar se estabelecendo. Então, nós tivemos uma dificuldade de manter o mesmo padrão de 2007. Já em 2009, nós conseguimos reaglutinar os movimentos para tentar manter o mesmo nível que conseguimos em 2007.

Acabamos de nos reunir no Ceará, planejando as ações desse ano da luta contra a transposição. Estamos, nesse momento, em Brasília, na
Conferência Nacional dos Pescadores Artesanais, e uma das questões é essa. Na semana que vem, temos o dia do São Francisco. No dia 04 de outubro, começa a semana do rio e nesse ano trabalharemos o tema “O rio São Francisco está morrendo. E você?”. É um apelo que fazemos ao povo da bacia exatamente para voltar a se aglutinar na luta em defesa do São Francisco.


IHU On-Line – Quais os rumos da luta em defesa do rio?
Rubens Siqueira –
Continuamos com dois focos: transposição e revitalização do São Francisco. Em relação à transposição, apesar de o governo não ter avançado com as obras, elas estão entre 6 e 7% dos eixos concluídos. Sabemos que o governo não vai conseguir cumprir o calendário prometido, ou seja, fazer o eixo leste até 2010. Isso é impossível no ritmo que as obras estão. Apesar disso, continua-se o discurso, a propaganda, principalmente no nordeste setentrional, pela transposição. Então, esse tema vai continuar sendo polarizado por nós, principalmente nos estados beneficiados, onde tem havido desapropriações, há muito descontentamento por parte da população. Queremos ir discutir com a sociedade, e todos os movimentos vão se unir para isso.
Com relação à revitalização, o governo centrou a revitalização na qualidade da água, saneamento e, na maioria dos casos, esgotamento sanitário.  Não há nenhuma preocupação com a quantidade da água. O São Francisco está perdendo vazão. Então, vamos discutir esse tema, porque a revitalização que o governo alardeia não está acontecendo, e o rio continua em seu processo de degradação.  Por isso, precisamos continuar esse debate para criar um clima favorável para que os movimentos tomem uma atitude mais incisiva diante do São Francisco. Então, na semana que vem, que é a semana do rio, vão acontecer vários eventos educativos, debates nas escolas, panfletagem e algumas outras ações. É o nosso modo tradicional, ou seja, trabalhar com a conscientização, informação e a mobilização da população.

IHU On-Line – Parece que o grande debate hoje gira em torno das hidrelétricas em construção na Amazônia. Como o senhor vê a questão do Rio São Francisco em meio a esses debates?
Rubens Siqueira – Pois é, isso tem acontecido muito. Inclusive, o olhar internacional se voltou para a Amazônia e esqueceu-se do Cerrado, dos outros biomas e outros projetos voltados para a energia. O plano da Eletrobrás prevê mais barragens no São Francisco, principalmente nos seus afluentes. Só no oeste da Bahia, que tem uma parte da Bacia do Cariranha (que faz a divisa Bahia-Minas), o rio Corrente e o Rio Grande, ou seja, tem os três últimos grandes afluentes do Rio São Francisco. Só o Cariranha e o Rio Grande, na época da seca, são responsáveis por 40% da água do São Francisco. Para essas bacias, há 49 projetos de barragens e PCHs. Muitos vêm da iniciativa privada, que não tem preocupação ambiental ou social. Esse boom da energia para esse “crescementismo econômico”, que oferece ao capital internacional vir aqui e se aproveitar dos recursos naturais que ainda temos, inclui também o São Francisco, mas não se tem tantos olhos para ele quanto se tem para ver as questões que tratam da Amazônia.

IHU On-Line – As obras do projeto de transposição do rio já começaram. É possível detectar alguma consequência já?
Rubens Siqueira – Então, como falei, cerca de 7% dos eixos já estão em construção. Ainda nenhuma empresa privada entrou com obra de engenharia. O que tem havido são os primeiros canais de captação e as primeiras barragens, que é o Exército quem está fazendo. Nessa região, já houve muito desmatamento. Volta e meia, o Tribunal de Contas da União pública divulga relatórios, mostrando que, nas obras da transposição, têm ocorrido ilegalidades e indícios de corrupção. Na região, houve uma expectativa muito grande de empregos que não se concretizaram ainda. Há problemas de prostituição com esse pessoal que vem para o trabalho concreto, além do desmatamento nas regiões “beneficiárias”. Algumas famílias de camponeses já foram desapropriadas e indenizadas, com isso, a produção de alimentos caiu. Isso significa fome, sede. Há uma insegurança na população. Esses são os impactos iniciais.

IHU On-Line – Como está, hoje, o programa de revitalização do rio São Francisco?
Rubens Siqueira – O governo tem concentrado, e de fato tem feito muita obra de esgotamento sanitário. Nós temos andado pelas cidades ribeirinhas e temos visto em todas elas obras de canalização de esgoto etc. Isso é importante, no entanto, poucas estações de esgoto estão sendo projetadas, pois são caras, mas são elas que devolvem ao rio a água limpa. Nós estamos num impasse, pois recursos têm sido utilizados para realizar o esgotamento, mas em termos de qualidade da água do rio, que é o foco da obra de revitalização do governo, isso não tem acontecido. Em alguns casos, vimos que aumentou o esgoto lançado no rio e não o esgoto tratado. Mas a grande questão é ainda a quantidade da água. Saíram agora estudos de climatologia dizendo que, entre os rios do mundo, na América do Sul, o São Francisco foi o rio que mais perdeu água. Perdeu 35% de vazão nos últimos 50 anos. Se considerarmos as mudanças climáticas, ele pode perder ainda 25% da sua vazão nos próximos milênios. É um rio com todas as evidências de um quadro hídrico crítico, no entanto, o governo continua com esses projetos que privilegiam a produção de cana-de-açúcar para etanol em toda a bacia do São Francisco.

IHU On-Line – Muitos dizem que já existe água para onde se deseja transportá-la através da transposição. Isso é verdade?
Rubens Siqueira – Veja só: a região do semiárido brasileiro – do nordeste seco, como também chamamos – é uma região, entre os semiáridos do mundo, que mais concentrou água, que mais fez açudes.  São 70 mil açudes. Há açudes que têm seis bilhões de metros cúbicos de água. São grandes cemitérios de água, porque essas águas estão lá e não estão sendo usadas, ou são usadas pelos grandes latifundiários. Para que, então, exportar água? Alguns falam que a transposição dará segurança hídrica às águas do nordeste. Mas nós perguntamos: aumentar a oferta hídrica para quem? Para fazer o que? A que custo? Qual o desenvolvimento que está por trás da transposição? Esse debate não está sendo feito. Essa água acumulada, por lei, deve ser acessível à população do árido, mas não é.

IHU On Line – O Comitê de Bacia do São Francisco tem sido ouvido?
Rubens Siqueira – O Comitê tem, por lei, a obrigação de definir os critérios de uso de outorga das águas do rio. A outorga quem dá é a Agência Nacional de Águas (ANA), mas o comitê, com base em estudos, viu que o que existe na bacia do São Francisco são 360 metros cúbicos para serem outorgados. Desses 360, apenas 25 metros cúbicos ainda não foram outorgados. E a transposição é, no mínimo, para levar 25 metros cúbicos e, no máximo, 128 metros cúbicos. Com base nesses dados, o comitê diz que é possível fazer a transposição desses 25 metros cúbicos para uso humano nos lugares onde, comprovadamente, não há outra fonte hídrica. Então, ele condicionou muito, por isso a decisão do comitê não é respeitada. O comitê está agora definindo os critérios de cobrança da água, e o grande debate é exatamente o custo da água da transposição, e o governo federal quer que o comitê facilite e, então, que a água da transposição seja mais barata. Mas ela vai ser a água mais cara por conta de toda bombeação e gasto de energia para fazer chegar lá. Por vários momentos, o comitê tem sido atropelado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos e outros órgãos, pois parece que o projeto de transposição é estratégico para esse governo.

''Comparo o projeto da transposição a um computador cheio de vírus''. Entrevista com D. Cappio (jornal Brasil de Fato, 20/05/2009).

No dia 9 de maio, dom Luiz Flávio Cappio recebeu o Prêmio Kant de Cidadão do Mundo, da Fundação Kant, na cidade de Freiburg, Alemanha. O prêmio, concedido a cada dois anos a pessoas que se destacaram na defesa dos direitos humanos, é o segundo reconhecimento internacional da luta do bispo contra o projeto de transposição do Rio São Francisco.
A reportagem e a entrevista é de Marcelo Netto Rodrigues e publicada pelo jornal Brasil de Fato, 20-05-2009.

Ano passado, Cappio – que realizou jejuns contra o projeto em 2005 e 2007 – já havia sido agraciado com o prêmio da Paz 2008, concedido pela Pax Christi Internacional.
Junto a Rubem Siqueira, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), na Bahia, e coordenador da Articulação São Francisco Vivo, Cappio aproveita a viagem para participar de debates em outras cidades alemãs – Frankfurt, Berlim, Bonn, Bremen – e na cidade austríaca de Graz.
Em Berlim, foi o convidado principal de um seminário organizado pela organização católica Misereor, sob o tema energia, poder e fomeh. Quando aproveitou a presença de parlamentares alemães no evento para pedir que enviassem emails ao Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro pressionando-o  a julgar as questões jurídicas pendentes que existem contra o projeto.

Eis a entrevista.

O senhor veio para a Alemanha para receber um prêmio de cidadão do mundo. Ano passado, o senhor já havia recebido um prêmio de uma organização com sede na Bélgica. O senhor acredita que é possível internacionalizar a campanha pela não-transposição do rio São Francisco?
Desde o momento dos dois jejuns que fizemos, esta campanha já se tornou conhecida no mundo inteiro. Haja vista, a imensa solidariedade que recebemos de muitos países. E estes prêmios são sinais evidentes disso. A Pax Christi, que congrega 54 países, e a Fundação Kant, aqui da Alemanha, assumiram para si essa luta, em defesa dos povos mais pobres do Nordeste brasileiro.

Um confrade seu aqui da Alemanha disse que os seus dois jejuns tiveram, pelo menos, dois efeitos práticos: primeiro, fizeram com que as máscaras de um governo dito popular caíssem no momento em que foi posto numa encruzilhada e acabou optando pelo outro lado; e segundo, fizeram com que a CNBB voltasse a se pautar sob a ótica da opção preferencial pelos pobres. O que mais?
Sim, além desses dois aspectos, eu vejo uma tomada de consciência do povo ribeirinho, da nação brasileira e do mundo sobre esse problema que até então era pouco discutido. E uma outra grande conquista foi a unificação de todos aqueles que lutam por essa mesma causa.  De repente, vimos juntos povos indígenas, quilombolas, acadêmicos de universidades, políticos que se alinharam a esse espírito de luta, igrejas e movimentos.

Tudo leva a crer que o presidente Lula não poderá declara no final do seu segundo mandato que ele realizou a transposição. O senhor realmente acredita que ele chegará ao fim do seu mandato sem que a obra tenha deslanchado?
Eu não acredito que esse projeto chegue ao fim. Não acredito de jeito nenhum. Eu sempre comparo o projeto da transposição a um computador cheio de vírus. Quando você tem um computador infectado, inevitavelmente chega um momento em que ele para. O projeto está tão viciado, tão cheio de irregularidades, que de repente ele vai empacar. Ele não tem como ir muito à frente. Não acredito que ele chegue ao fim. E não vai satisfazer a vaidade de Lula.

O senhor ainda espera alguma coisa do governo Lula?
Olha, eu não digo que eu espero. Eu digo que eu esperei. Eu esperava. E para isso eu lutei, vesti a camisa, suei a camisa para que fosse um governo voltado aos grandes interesses do povo. E de repente, a gente percebeu que o governo Lula se tornou refém das elites, dos grandes projetos transnacionais. Fui decepcionado. Hoje, não espero mais nada do governo dele e não vejo a hora de uma mudança de governo, e espero que seja para melhor.

O Gandhi chegou a fazer nove jejuns. O senhor descarta por completo que venha a fazer mais um jejum ou essa possibilidade ainda existe?
Eu não tenho pretensão nenhuma, nem de longe, de me comparar a Gandhi. Mas eu acho que o jejum já atingiu seu objetivo. Já deu um grito e aqueles que deviam ouvir já ouviram. Acho que o recado está dado.

O senhor seria a favor da transposição se ela só viesse após a revitalização do rio? Ou a transposição não deve ocorrer de jeito nenhum?
Olha, desde que as comunidades sejam abastecidas, o que é a função prioritária da água. E desde que o rio São Francisco tenha condições, então, pode-se pensar em projetos econômicos de utilização da água. Mas não sei se o projeto de transposição é o melhor. Eu diria projetos de uso econômico da água, mas desde que os povos sedentos fossem dessedentados, e desde que o rio São Francisco suportasse essa ingerência.

O fato de o senhor ter nascido no dia de São Francisco influenciou em alguma medida na sua opção pela Ordem Franciscana?
Não, foi apenas uma feliz coincidência. Eu optei pela ordem devido ao grande amor que eu tenho à maneira de São Francisco viver o Evangelho e pelo seu grande amor aos pobres e à natureza.

(Folha de S. Paulo, 17/10/2009)

Indignação com as laranjeiras


*Luiz Carlos Bresser-Pereira
 

Há uma semana, duas queridas amigas disseram-me da sua indignação contra os invasores de uma fazenda e a destruição de pés de laranja. Uma delas perguntou-me antes de qualquer outra palavra: "E as laranjeiras?" -como se na pergunta tudo estivesse dito.

Essa reação foi provavelmente repetida por muitos brasileiros que viram na TV aquelas cenas. Não vou defender o MST pela ação, embora esteja claro para mim que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é uma das únicas organizações a, de fato, defender os pobres no Brasil. Mas não vou também condená-lo ao fogo do inferno. Não aceito a transformação das laranjeiras em novos cordeiros imolados pela "fúria de militantes irracionais".

Quando ouvi o relato indignado, perguntei à amiga por que o MST havia feito aquilo. Sua resposta foi o que ouvira na TV de uma das mulheres que participara da invasão: "Para plantar feijão". Não tinha outra resposta porque o noticiário televisivo omitiu as razões: primeiro, que a fazenda é fruto de grilagem contestada pelo Incra; segundo, que, conforme a frase igualmente indignada de um dos dirigentes do MST, "transformaram suco de laranja em seres humanos, como se nós tivéssemos destruído uma geração; o que o MST quis demonstrar foi que somos contra a monocultura".

Talvez os dois argumentos não sejam suficientes para justificar a ação, mas não devemos esquecer que a lógica dos movimentos populares implica sempre algum desrespeito à lei. Não deixa de ser surpreendente indignação tão grande contra ofensa tão pequena se a comparamos, por exemplo, com o pagamento, pelo Estado brasileiro, de bilhões de reais em juros calculados segundo taxas injustificáveis ou com a formação de cartéis para ganhar concorrências públicas ou com remunerações a funcionários públicos que nada têm a ver com o valor de seu trabalho.

Por que não nos indignarmos com o fenômeno mais amplo da captura ou privatização do patrimônio público que ocorre todos os dias no país? Uma resposta a essa pergunta seria a de que os espíritos conservadores estão preocupados em resguardar seu valor maior -o princípio da ordem-, que estaria sendo ameaçado pelo desrespeito à propriedade.

Enquanto o leitor pensa nessa questão, que talvez favoreça o MST, tenho outra pergunta igualmente incômoda, mas, desta vez, incômoda para o outro lado: por que os economistas que criticam a suposta superioridade da grande exploração agrícola e defendem a agricultura familiar com os argumentos de que ela diminui a desigualdade social, aumenta o emprego e é compatível com a eficiência na produção de um número importante de alimentos não realizam estudos que demonstrem esse fato?

A resposta a essa pergunta pode estar no Censo Agropecuário de 2006: embora ocupe apenas um quarto da área cultivada, a agricultura familiar responde por 38% do valor da produção e emprega quase três quartos da mão de obra no campo.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, listou esses fatos e afirmou que uma "longa jornada de lutas sociais" levou o Estado brasileiro a reconhecer a importância econômica e social da agricultura familiar. Pode ser, mas ainda não entendo por que bons economistas agrícolas não demonstram esse fato com mais clareza. Essa demonstração não seria tão difícil -e talvez ajudasse minhas queridas amigas a não se indignarem tanto com as laranjeiras.

*Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994"

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Lula no São Francisco

Esses dias uma caravana formada por Lula, Dilma e Geddel Vieira Lima estará percorrendo algumas áreas do São Francisco. São lugares especialmente selecionados para a visita do presidente. Ele já quis visitar a área por várias vezes e, por falta do que ver, várias vezes sua viagem foi adiada.
Levarão Lula para ver uma reconstituição das matas ciliares do Velho Chico. Algumas árvores plantadas em espaço de 100 km. Claro, na região da Barra, diocese de Frei Luís. Não mais do que a Reserva Extrativista de Serra do Ramalho já fez há muitos anos com extraordinária competência. Algumas árvores plantadas não significam a recomposição das ciliares. O São Francisco tem apenas 5% de suas matas originais. Além do mais, a devastação promovida no Oeste Baiano pelo agronegócio anula qualquer esforço na calha do rio. Os afluentes continuam morrendo, o aqüífero Urucuia continua perdendo forças. O rio sobrevive da água de chuva.
Quanto ao saneamento, o governo tem investido na região. Tomara que as obras se concluam com qualidade, não só coletando os esgotos e jogando-os no rio, mas tratando-os como prevê o figurino do saneamento ambiental. Por enquanto, não dá para garantir que as obras seguirão os parâmetros do saneamento ambiental.
Porém, revitalizar um rio é muito mais que repor matas e sanear águas. O problema do São Francisco é o modelo de desenvolvimento que o devora. Todo esforço será anulado se as grandes e predadoras obras prosseguirem. É remendo novo em pano velho, de forma que o buraco se torna maior que antes.
Quanto à transposição, o governo diz que as obras já chegaram a 15% em média. Vamos entregar de bandeja que seja verdade, mesmo assim é muito pouco para oito anos de governo. Mesmo com três turnos de trabalho, se os Paraibanos dependessem efetivamente das águas do São Francisco para matar sua sede, já teriam morrido.
Agora a frente paraibana de prefeitos desistiu da transposição. A Agência Nacional de Águas (ANA) suspendeu provisoriamente a transposição para a Paraíba. É que a transposição prevê apenas a transferência de águas do São Francisco para outras bacias, não a sua distribuição pelas adutoras quando depois de transpostas. Os prefeitos, prevendo o custo que não conseguem arcar, desistiram. Então, a ANA suspendeu a Paraíba até que providencie o que lhe cabe.
Serra também andou aqui. Veio ver a situação do povo que vive na beira do São Francisco. Óbvio, tem finalidade eleitoral. Portanto, o São Francisco vai estar no debate eleitoral do ano que vem.
Lula tem o que mostrar? Talvez outro tivesse vergonha de mostrar nos tempos atuais uma obra predadora como essa. Entretanto, até essa vergonha está difícil de visualizar.
Para além do marketing eleitoral, enquanto sociedade civil, vamos continuar lutando pela verdadeira revitalização do São Francisco, pela democratização da água no Nordeste através das adutoras e da captação da água de chuva, para que todas tenham água e a tenham em abundância.




Roberto Malvezzi, Gogó ,- Pastoral da Comissão Pastoral da Terra

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