Aos meus olhos, há algo de fascinante e convidativo no ambientalismo; esse algo é o princípio participativo que historicamente formatou as bases do movimento. Isso tende a aparecer mesmo nas políticas públicas e nos órgãos responsáveis pelas questões ambientais, quero dizer, a governança de meio ambiente se estruturou de maneira participativa. Registro, apenas como exemplo brasileiro, os comitês de bacia hidrográfica, onde a sociedade civil tem poder de voto sobre o uso das águas ao longo de toda a extensão da bacia gerenciada, a despeito das fronteiras políticas estaduais. Esse modelo de organização difere completamente dos que regem as políticas energéticas, de mineração, econômicas, agrárias, etc, nenhum desses setores demonstra esforços em criar fóruns participativos semelhantes. Este modelo de tomada de decisões é interessante em si, e, para além disso, eu o considero coerente e adequado aos objetivos que o movimento ambientalista se arrogou.
.: Uma das críticas mais levianamente formuladas a respeito do ambientalismo é a de que seus militantes comportam-se comosantuaristas; para dizer uma besteira dessas é preciso negligenciar diversos aspectos do ambientalismo, de sua história até sua necessidade no mundo contemporâneo. Se, em suas origens, a ideia de preservação visava excluir qualquer elemento humano de grandes áreas naturais, isso se devia a um princípio de incerteza a respeito do funcionamento e a necessidade de existência das partes de um ambiente e das consequências das atividades humanas sobre elas. O século XX viu, pouco a pouco, as incertezas se transformarem em dados concretos, verificáveis, que nos diziam que se “quebrarmos” cada um dos ecossistemas nós inviabilizaremos nossa própria forma de existir, na medida em que nossa forma de existir depende de serviços prestados pelos ecossistemas que estão, justamente, sendo desestruturados e descaracterizados.
Aliás, a mera formulação “serviços prestados pelo ambiente”, ou “serviços ambientais”, é a demonstração prática das mudanças conceituais e motivacionais do ambientalismo ao longo das décadas – já existem projetos de lei prevendo remuneração àqueles que garantem preservação de um determinado serviço ambiental importante para a comunidade, eis a economia passando a enxergar monetariamente os efeitos positivos dos ecossistemas. Desse ponto de vista, chega a ser irônico que o movimento ambientalista tenha adquirido cores tão utilitárias e antropocêntricas se comparado a suas origens; e é duplamente irônico que ele seja, hoje, acusado de antagonizar a existência humana à “Natureza” – como se fosse recriminável, em si, que nós quiséssemos deixar livres do nosso alcance algumas áreas neste planeta.
Aliás, a mera formulação “serviços prestados pelo ambiente”, ou “serviços ambientais”, é a demonstração prática das mudanças conceituais e motivacionais do ambientalismo ao longo das décadas – já existem projetos de lei prevendo remuneração àqueles que garantem preservação de um determinado serviço ambiental importante para a comunidade, eis a economia passando a enxergar monetariamente os efeitos positivos dos ecossistemas. Desse ponto de vista, chega a ser irônico que o movimento ambientalista tenha adquirido cores tão utilitárias e antropocêntricas se comparado a suas origens; e é duplamente irônico que ele seja, hoje, acusado de antagonizar a existência humana à “Natureza” – como se fosse recriminável, em si, que nós quiséssemos deixar livres do nosso alcance algumas áreas neste planeta.
.: No ponto em que chegamos, basicamente o que faz o ambientalista é priorizar critérios ambientais no momento de uma tomada de decisão como construir Belo Monte, enquanto seu avesso, ou seja, o PCdoB ”não-ambientalista”, aparta essa dimensão por completo. Esses critérios ambientais, aliás, visam muito mais frequentemente a sobrevivência e garantia da qualidade de vida de pessoas a médio e longo prazo (um tipo específico de pessoas, na verdade) do que a exclusiva preservação desta ou daquela espécie de animal ou planta ou rio.
Geralmente, ao considerarmos barragens, indústrias, estradas, desapropriações, códigos florestais, entra na equação o sacrifício de alguns indivíduos em nome do coletivo, ou a lógica os fins justificam os meios, que serviu bem a regimes autoritários e ditatoriais – e as violências desses regimes já nos mostraram que o risco que se corre é que, sob um aspecto ou outro, todos os indivíduos sejam sacrificados em nome de um coletivo abstrato. Em termos bem cínicos: se você não for um dos índios cuja vida será atravessada e impossibilitada a curtíssimo prazo em nome de um programa energético discutível, provavelmente viverá o bastante para ver os centros urbanos explodirem com refugiados ambientais, e ver minar a qualidade do ar, dos alimentos, e a abundância da água potável, etc.
Geralmente, ao considerarmos barragens, indústrias, estradas, desapropriações, códigos florestais, entra na equação o sacrifício de alguns indivíduos em nome do coletivo, ou a lógica os fins justificam os meios, que serviu bem a regimes autoritários e ditatoriais – e as violências desses regimes já nos mostraram que o risco que se corre é que, sob um aspecto ou outro, todos os indivíduos sejam sacrificados em nome de um coletivo abstrato. Em termos bem cínicos: se você não for um dos índios cuja vida será atravessada e impossibilitada a curtíssimo prazo em nome de um programa energético discutível, provavelmente viverá o bastante para ver os centros urbanos explodirem com refugiados ambientais, e ver minar a qualidade do ar, dos alimentos, e a abundância da água potável, etc.
.: Eu dizia que um esquema de funcionamento democrático e participativo é coerente com os objetivos atuais do ambientalismo, e o motivo é este: as pessoas que eventualmente seriam sacrificadas em nome de um “bem maior” tem presença e poder de voz, eventualmente até voto, nos fóruns onde seu próprio “sacrifício” será considerado e decidido. Só que um imenso porém deve ser posto aqui. O governo, a despeito de sua própria legislação, tem atropelado todos os processos que, baseados nestes princípios democráticos e participativos, garantem o equilíbrio ambiental. A rigor, é no licenciamento de uma obra que as questões de segurança, saúde, preservação econômica e cultural das comunidades afetadas deveriam ser levadas em conta. Assim, depois de apresentados os efeitos positivos e os colaterais de um empreendimento qualquer, a sociedade pode escolher arcar com este conjunto de consequências, para o bem e para o mal, de acordo com suas prioridades e necessidades. E contudo, é imprescindível que os órgãos ambientais conduzam o debate de modo que, no centro de tudo, estejam de fato os benefícios e impactos esperados para a sociedade e não os interesses do empreendedor. Mas estes são tempos confusos em que o lucro do empreendedor virou sinônimo de benefício social, e o progresso, o mais equino e nacionalista desde os melhores dias das ceroulas do Costa e Silva, tem ignorado qualquer objeção dos ambientalistas, mesmo os mais pragmáticos. Não encontro outra maneira de caracterizar a subtração de peso às vozes dos índios senão como atrofia do tal caráter democrático e participativo que deveria reger não apenas o licenciamento das obras, mas o projeto de um governo de esquerda. É demagógico um governo que faz audiências públicas, registra manifestações contrárias dentro e fora dos mecanismos formais de debate e acaba fazendo basicamente a mesma coisa que faria se não tivesse consultado nenhum setor da sociedade civil. Aliás,passamos há muito o limite da demagogia e andamos, atualmente, na via do deboche escancarado, esquina com cagamos pros direitos humanos(também conhecida como índio é elemento decorativo, eu ponho onde eu quero).
.: A ameaça de futuros apagões, além de mal colocada, flerta com um jeitinho terrorista de governar; não vai nos faltar energia, é a demanda por consumo que vai aumentar porque está no plano econômico aumentar a produção industrial. É o progresso, novamente, que leva a toque de caixa uma postura ambientalmente suicida. Em algum momento as fontes serão esgotadas, ou nós teremos um país saturado com os efeitos colaterais aceitos em nome de pretensos e intermináveis benefícios. Todos os rios estão sendo assoreados, as florestas estão sendo substituídas por pastagens, soja e bacias de inundação, todos os estoques pesqueiros estão sendo destruídos por excesso de barragens e agrotóxicos, as vazões estão sendo normalizadas à revelia da necessidade dos ecossistemas que elas variem, etc etc etc. As objeções são muitas, e são técnicas. Acho fundamental, inclusive, que biólogos, ambientalistas, líderes comunitários, cidadãos, enfim, que as pessoas que estão tentando questionar os métodos escolhidos para viabilizar o crescimento exponencialmente acelerado apresentem argumentos e linguagem técnica. Mas há algo que se perde nesse embate com a objetividade de engenheiro, que é a concessão ao pragmatismo como modelo de otimização da nossa existência, ou como diz um biólogo que eu amo, o que se perde é a poesia de floresteiros.
Vejo com desconfiança, por exemplo, o surgimento de medidas que tornem os ecossistemas sinônimo de “serviços ambientais”, como um tipo de commodity. Pretere-se, com isso, as críticas necessárias às nossas inclinações utilitárias, nossa repulsa por espaços “inúteis”, nossa versão meio alucinada da busca por “espaços vitais”, se me é permitido fazer tal provocação. Essasustentabilidade de futuro empregado da Odebrecht reivindica e consolida nosso direito auto-conferido de ocupar tudo, substituir tudo, transformar qualquer espaço e autoritariamente realocar qualquer comunidade que obstrua o desenvolvimento glorioso da civilização. Há algo de errado em não destruir apenas aquilo que coincide de nos servir; o problema com o pragmatismo, mesmo o mais bem intencionado, o mais ecologicamente consciente, é que ele não dá conta de que as coisas vivam por si, que sejam neutras e sejam deixadas onde estão e como estão, simplesmente porque podem, e devem poder, existir.
Vejo com desconfiança, por exemplo, o surgimento de medidas que tornem os ecossistemas sinônimo de “serviços ambientais”, como um tipo de commodity. Pretere-se, com isso, as críticas necessárias às nossas inclinações utilitárias, nossa repulsa por espaços “inúteis”, nossa versão meio alucinada da busca por “espaços vitais”, se me é permitido fazer tal provocação. Essasustentabilidade de futuro empregado da Odebrecht reivindica e consolida nosso direito auto-conferido de ocupar tudo, substituir tudo, transformar qualquer espaço e autoritariamente realocar qualquer comunidade que obstrua o desenvolvimento glorioso da civilização. Há algo de errado em não destruir apenas aquilo que coincide de nos servir; o problema com o pragmatismo, mesmo o mais bem intencionado, o mais ecologicamente consciente, é que ele não dá conta de que as coisas vivam por si, que sejam neutras e sejam deixadas onde estão e como estão, simplesmente porque podem, e devem poder, existir.
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