Obsessão crescente de Dilma com gestão desanima tropa política



Depois de um ano de mandato, Dilma Rousseff reforça cobranças dentro e fora do governo por eficiência. Visão gerencial da presidenta faz subir cotação dos ministros Aloizio Mercadante (Educação) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil). E leva setores da máquina pública identificados com lulismo a sentirem-se cada vez mais desconfortáveis com o que consideram despolitização.
A reportagem é de André Barrocal e publicada por Carta Maior12-02-2012.
A presidenta Dilma Rousseff passou dois dias no Nordeste na semana passada vistoriando atransposição do rio São Francisco e a ferrovia Transnordestina, obras federais bilionárias. Durante o giro, aproveitou uma entrevista para avisar empreiteiros que tocam obras públicas. Daqui em diante, todas terão monitoramento sistemático e online pelo governo, metas serão cobradas, prazos deverão ser cumpridos. "Nós queremos obra controlada”, disse.
O recado ilustra como Dilma está cada vez mais obcecada pelo tema gestão, traço que carrega desde os tempos de "mãe do PAC”, o programa de obras do antecessor. Na primeira reunião ministerial do ano, em janeiro, Dilma já tinha alertado a própria tropa, sobre a importância crescente que dá à gerência. Cobrara a implantação de um novo sistema de acompanhamento de gastos, que permita "uma verdadeira reforma do Estado”, tornando-o "mais profissional e meritocrático”.
A fixação de Dilma por gestão foi a causa principal, segundo a reportagem apurou, da crise de hipertensão que mandou a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ao hospital dias atrás. Atual "mãe do PAC”, que ajudara a supervisionar com Dilma quando ambas eram da Casa Civil de Lula,Miriamlevou a responsabilidade junto para o novo cargo. Agora, vê a presidenta insatisfeita, pressionando-a por resultados e cogitando devolver a atribuição à Casa.
Mais do que na saúde, o reforço do enfoque gestor de Dilma impacta o espírito da máquina pública. Sobretudo em círculos mais lulistas. Em diversos escalões, sente-se falta de debates internos sobre rumos e políticas públicas, de decisões colegiadas, da retórica polêmica do ex-presidente. Sente-se falta, em suma, de mais política, entendida como construção coletiva e negociada, que perde espaço à medida que a postura gerente avança.
"Esse é o nosso governo, mas é outro governo”, diz um secretário-executivo de ministério, cujo nome será preservado, como o de todos os personagens desta reportagem, para evitar embaraços.
É uma constatação evidente desde as primeiras horas do terceiro mandato presidencial petista, não raro acompanhada de solavancos cotidianos, como a suspensão inegociada de rotinas ou a desconfiança sobre lealdades. "Às vezes, somos tratados como oposição”, afirma um assessor governamental que frequenta o Palácio do Planalto desde Lula.
Certa vez, ainda em 2011, a reportagem perguntara a um ministro egresso da gestão Lulae que hoje não está mais no cargo, se o governo Dilma era muito diferente. "Nem me fale...”, respondera ele, sem hesitar, ar preocupado.
"Agora as decisões são tomadas só no gabinete do ministro. Às vezes, com o secretário-executivo”, aponta, como uma dessas diferenças, um dirigente de escalão intermediário de um ministério.
Impacto externo
Se mexe com o espírito da tropa, a postura distinta de Dilma não parecer causar problemas perante o público externo. Ao contrário. Ela ostenta hoje índices de popularidade superiores aos de Lula FHC, quando os dois tinham o mesmo tempo de Presidência. E isso, apesar de já ter trocado sete ministros por denúncias de corrupção publicadas pela imprensa, simpática à atitude gerente da presidenta.
O estilo Dilma possui, contudo, potencial para virar um problema político e se voltar contra ela. Sem se considerar participante de um projeto coletivo, com o qual se identifique e no qual veja um pouco de si, a máquina tende a desanimar mais e a se mostrar menos disposta a defender o governo em debates públicos, entrevistas ou uma eventual crise.
Há o mesmo risco no Congresso, entre partidos e parlamentares aliados, também eles formadores de opinião. Depois de um ano de pouco contato com a presidenta, ao contrário do que acontecia nos tempos de Lula, ninguém duvida. Dilma não gosta de política, fica mais feliz e à vontade lendo relatórios em seu gabinete, do que em cima de palanques ou num tête-a-tête com políticos.
No início do mês, quando o Congresso reabriu depois de umas semanas de férias, um líder de partido governista observava o senador José Sarney (PMDB-AP) discursar para um plenário vazio e desatento, e comentou: "Veja isso. O presidente do Congresso está falando e ninguém ouve. Cadê a Dilma? Ela tinha de vir todo ano nessa sessão. Não vir é um sinal, quer dizer muito.”
É preciso registrar, entretanto, que é costume o presidente da República mandar ao Congresso, na volta do recesso, seu chefe da Casa Civil levar o documento com as prioridades do governo. E foi isso que Dilma fez, ao despachar a ministra Gleisi Hoffmann, de quem a presidenta espera cada vez mais que funcione como ela, Dilma, funcionou para Lula durante cinco anos.
Segundo um assessor governamental, a postura gerente de Dilma tende a fazer de Gleisiuma peça política cada vez mais importante, como teria ficado demonstrado na reunião ministerial de janeiro, em que a presidenta emitiu sinais de que a auxiliar de Palácio do Planalto "cresceu”.
Até agora, o grande ganhador político da tropa dilmista é o ex-senador Aloizio Mercadante. Dias antes de tirá-lo da Ciência e Tecnologia para botá-lo na Educação, mas já tendo anunciado a decisão de fazê-lo, Dilma viajara ao Rio de Janeiro. Em conversa com o governador Sérgio Cabral (PMDB), ouvira uma pergunta sobre o motivo da mudança. "O Mercadante é a maior revelação do meu governo”, respondera Dilma, segundo relato de uma testemunha.
Na própria posse do ministro, Dilma revelaria a razão de o auxiliar estar em alta. "O ministroMercadante é um excelente gestor”, afirmou a presidenta, para quem este era um "talento escondido” do ex-senador petista.
O incômodo do Congresso com a postura mais técnica de Dilma não deve, porém, produzir efeitos neste ano de eleições municipais. Segundo o líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA), a eleição deve gerar colaboracionismo entre parlamentares e governo, porque os primeiros terão interesse de contribuir para a realização de investimentos nos municípios, o que ajudaria o grupo político deles.
Entre os chamados movimentos sociais, igualmente formadores de opinião, existe a mesma ameaça de que a sensação de despolitização geral do governo, patrocinada por Dilma, se volte contra a presidenta.
Não por acaso, a presidenta começou 2012 reconhecendo que "exagerou" com os movimentos, ao manter-se distante deles no ano passado, e agora tentativas de reaproximação, como fez ao topar se sentar com um grupo grande de movimentos para discutir com eles a Rio+20, a Conferência das ONU sobre Desenvolvimento Sustentável.
**********
Leia também:
Despolitizando o governo Dilma
Grande mídia gosta de tachar a gestão da presidenta de "técnica” – e a elogia por isso –, mas analistas rechaçam essa caracterização e apontam que o principal problema não é um suposto perfil empresarial da administração petista, mas seu caráter de composição de classe.
A reportagem é de Joana Tavares e publicada pelo jornal Brasil de Fato, edição de 9 a 15 de fevereiro de 2012.
Roberto Setúbal, o principal executivo do banco Itaú, declarou em entrevista durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, que "gosta de tudo” que tem visto no governo Dilma. Afirmou que a presidenta tem uma intenção de deixar o governo "mais técnico, com presença cada vez maior de técnicos em áreas importantes”.
Ele não é o único que tem analisado –ou tentado tachar– a gestão Dilma Rousseffcomo empresarial, voltada para políticas de metas e resultados. Os exemplos não são poucos. Começou com a construção de Dilma como candidata: ela foi classificada como "gerente” do governo Lula, responsável por administrar os investimentos federais, coordenando programas de vulto como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
QuandoAntonio Palocci deixou a poderosa Casa Civil –responsável pelas articulações políticas e pela coordenação de programas de governo– Gleisi Hoffmann assumiu o posto já com a alcunha de ser "a Dilma da Dilma”, a gerente-geral dos ministérios.
Depois, veio a substituição de Alfredo Nascimento –acusado de desvio de recursos– por Paulo Sérgio Passos, que era secretário-executivo do Ministério dos Transportes. Os dois são do mesmo partido, o PR. Em seguida, a saída de Nelson Jobim da Defesa, substituído por Celso Amorim, ex-chanceler do governo Lula.
Wagner Rossi, da Agricultura, envolvido em denúncias de corrupção na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), pediu demissão e deixou a vaga para Mendes Ribeiro, do mesmo partido, oPMDB. Pedro Novais, do Turismo, também entregou o cargo após denúncias de ter desviado recursos públicos para causas pessoais. Gastão Vieira, também do PMDB, entrou em seu lugar. Ainda em 2011, Orlando Silva deixou o Ministérios dos Esportes, acusado de fraudes em convênios, e foi substituído pelo também membro do PCdoB Aldo Rebelo.
Discute-se ainda a substituição de Carlos Lupi, demitido do Ministério do Trabalho, mas a indicação deverá vir de seu partido, o PDT. Outra troca foi no Ministério das Cidades. Saiu Mário Negromonte, e entrou Aguinaldo Ribeiro; os dois do PP.
"Capacidade operacional”
Com exceção da troca de Jobim por Amorim, comemorada por setores da esquerda, as demais tiveram um roteiro parecido: denúncias de corrupção nos jornais, pedido de demissão do acusado, nomeação de um partidário da mesma legenda do ministro derrubado.
Além desses casos, houve a saída de Fernando Haddad, da Educação, para que o petista possa se dedicar à campanha para prefeito de São Paulo. Aloizio Mercadante, quadro antigo do mesmo partido, deixou o Ministério da Ciência e Tecnologia para assumir o posto de Haddad. Em seu lugar, entrou Marco Antônio Raupp, considerado um perfil "técnico” para o cargo. Na Petrobras, sai José Sergio Gabrielli e entra Maria das Graças Foster que, apesar de filiada ao PT, fez carreira na empresa, e não nos bastidores da articulação política.
Essas mudanças no comando dos cargos foi apelidada pela grande mídia de "faxina”, e contribuiu para consolidar a imagem da presidenta como uma competente administradora, interessada em fazer a máquina pública funcionar, montando finalmente um ministério com sua "marca”, afastando os indicados pela gestão Lula e nomeando pessoas com capacidade operacional, em detrimento de critérios "políticos”. O governo também se utiliza desse vocabulário, buscando atrelar-se a uma imagem de eficiência.
No entanto, analistas e militantes apontam que há uma continuidade entre as gestões e o principal problema não é um suposto perfi l técnico do governo Dilma, mas seu caráter de composição de classe.
Composição do governo
"Isso [o suposto perfil técnico do governo Dilma] é uma maneira que a grande imprensa encontrou para separar a presidenta Dilma do Lula, fazendo esse jogo de intrigas, para tentar avançar uma agenda mais conservadora. Entendemos que não existe técnica neutra. A presidente Dilma não é criança pra embarcar no jogo de achar que é possível montar um governo técnico para colocar sua cara no governo”, analisa João Antonio de Moraes, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP).Ele aponta que a nomeação de Graça Foster para a Petrobras, por exemplo, representa uma continuidade de gestão, com compromissos parecidos, "tanto na relação partidária como na visão da gestão da empresa”. Para ele, a dificuldade central para fazer avançar a pauta dos trabalhadores – como o cumprimento integral do acordo coletivo e a priorização do caráter público, não mercadológico, da empresa – é a aliança de sustentação de classe, na composição de um governo de coalizão.
Para Moraes, a diferença central entre o governo Lula e o de Dilma vem de fora. "A imprensa tem tido um tratamento mais, digamos, ameno, em relação ao governo Dilma. A mídia teve uma visão mais preconceituosa com o Lula, por ele ser um operário. Isso acaba tendo um peso maior que a diferença do governo em si”, pondera.
O professor de jornalismo da faculdade Cásper Líbero Gilberto Maringonifrisa que "não existe governo com perfil técnico. Toda ação de governo é, por definição, política”. Ele cita o exemplo dos governos de Itália e Grécia, tidos como técnicos e comandados por banqueiros, cujas gestões se situam mais à direita que as anteriores.
Leidiano Farias,militante da Consulta Popular, aponta que a crise econômica foi a desculpa para o capital financeiro implementar esse tipo de governo nos países em crise. "Governos técnicos expressam uma concepção de governo antinacional e impopular”, salienta.
Despolitização
"A separação entre política e técnica sempre foi uma ideia cara ao pensamento conservador. A composição do governo brasileiro segue sendo a de incorporar o maior espectro de correntes políticas possível, para eliminar a oposição”, explica Maringoni.
Para ele, o maior problema do governo Dilma não é o enfrentamento externo, e sim a oposição interna. "Grande parte da direita brasileira está abrigada na administração. Isso não quer dizer que este seja um governo de direita. Quer dizer que a oposição está dentro do governo e isso tem decorrências na gestão dos negócios públicos”, diz.
A oposição a bandeiras populares, como a reforma agrária, a CPI da Privataria e a redução dos juros, entre outros, vem, assim, do próprio governo, que, mesmo tendo maioria no Congresso, não consegue avançar para além de uma pauta conservadora.
Leidianoobserva que o governo Dilmaherda o caráter de conciliação da gestão de Lula, ainda que dialogue com um perfil mais técnico. "Os trabalhadores, a burguesia industrial, a burguesia financeira, a burguesia agrária e comercial estavam representadas no governo Lula e continuam representadas no governo Dilma. Isso se expressa na coalizão de partidos liderada pelo PT. É um governo permeado de contradições”, ressalta.
O escritor e militante petista Wladimir Pomar reforça que a tentativa de diferenciação entre os dois governos vem da grande imprensa, que tenta impor à gestão de Dilma um caráter técnico que o tornaria de outro tipo. "Na verdade, essa separação entre técnica e política faz parte da mistificação com que as classes dominantes sempre tentaram empulhar os dominados. Em qualquer dos poderes do Estado, todos os cargos são políticos, embora todos eles também tenham um caráter técnico a ser levado em conta. Mas qualquer técnico que assuma um cargo no governo está assumindo um cargo e uma missão, antes de tudo, políticos”, enfatiza.
Ele analisa que a grande imprensa tem como programa despolitizar o governo Dilma, ao mesmo tempo em que promove uma ideologização do debate político, com o propósito de confundir as forças, dividir o governo de coalizão e derrotá-lo nas eleições. "A grande imprensa procura se aproveitar do fato de que a questão central do governo, hoje, consiste em colocar em prática um grande projeto nacional de desenvolvimento econômico e social, o que pode aparentar um plano de metas”, aponta. Para ele, os grandes projetos colocados em prática pelo governo têm um caráter estratégico, com grande conteúdo político, mas estão sendo esvaziados pela cobertura midiática.
Projeto e mobilização
O sociólogo Chico de Oliveira concorda que o governo Dilma segue o script do governo Lula, mas discorda da caracterização do projeto colocado em prática. Na sua avaliação, não há plano nenhum, "apenas a consolidação dos projetos governamentais em curso”. As mudanças do governo, na sua leitura, seguem e seguirão na linha do amplo leque de alianças forjado por Lula. "Não tem nenhum paradigma político em particular; é simplesmente pragmático”, defende. "Dilma seguirá pela linha de menor resistência, isto é, mais do mesmo. O que estiver dando certo, ela tentará seguir”, analisa.
Para ele, o ciclo Lula se encerra no mandato de Dilma, e mesmo o ex-presidente não deve voltar com uma plataforma profunda de reformas. "O ciclo Lula acabou. O governo Lula, e seu período, ao contrário do que se esperava – e eu me incluo entre esses – é a culminação longínqua do regime militar, com sua decidida política privatista e seu jogo de divertissement – enganação, na verdade, segundo a língua francesa – para os pobres”, critica.
Wladimir Pomaranalisa que o projeto de desenvolvimento econômico e social que os governos petistas estariam executando garante tanto a implementação de políticas voltadas para as camadas populares quanto a geração de lucros para os capitalistas. Ele aposta que, ao aumentar a força social dos trabalhadores, esse modelo de desenvolvimento fortaleça também a média burguesia nacional, que pode enfrentar a burguesia associada aos monopólios estrangeiros.
"Cria, portanto, as condições materiais para o delineamento das classes em disputa e para o desenvolvimento da luta de classes. É dessa luta que pode emergir, com mais clareza, um verdadeiro projeto popular, ou democrático-popular, ou socialista”, reforça. Para ele, a força demonstrada pelas classes populares é que vai definir os rumos do governo.
Leidianocaracteriza o projeto em prática como "neodesenvolvimentismo conservador”, pois não é articulado com reformas estruturais. Ele aponta que a idéia do "melhorismo” tem limites, e reforça a necessidade de um forte movimento de massas para pressionar a execução de reformas essenciais para o povo brasileiro. "Para o governo reivindicar esse projeto teria que romper com seu caráter de conciliação, teria que aceitar o conflito de interesses de classes como uma forma de resolver os problemas do povo”.
***************
Leia também:
Governo "técnico” remete ao liberalismo
O governo está servindo a que propósito? Seu caráter técnico, conciliatório e neodesenvolvimentista impedirá a utilização do Estado em benefício de interesses pessoais, corporativistas?
A reportagem é de Eduardo Sales de Lima e publicado pelo jornal Brasil de Fato, edição de 9 a 15 de fevereiro de 2012.
"A escolha técnica pode ser positiva; depende de colocar sentido de projeto político”, afirma Milton Viário, da Federação de Metalúrgicos do Rio Grande do Sul. "Na perspectiva desse governo a eficiência na gestão pode contribuir para que o Estado cumpra melhor o seu papel”, opina Cesar Sanson, professor de sociologia do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Para ele, o projeto político do governo federal opta claramente por fortalecer o Estado como indutor do crescimento econômico, sob o manto do neodesenvolvimentismo.
Entretanto, mesmo uma designação como essa não interrompe a preocupação dos riscos provocados pelo que o senso comum midiático qualifica de "governo técnico de Dilma”. Segundo Sanson, o termo remete aos sentidos que a direita gosta. "Lembra fundamentos do liberalismo que prega que o mercado é mais eficiente que o Estado, e hoje já se sabe que essa história da eficiência do mercado é um mito, basta ver a crise mundial”, pontua.
Ao fim e ao cabo, "o risco do discurso em prol de um ‘governo técnico’ ao gosto do mercado é desqualificar as mediações políticas, esvaziar a participação popular e depositar a gestão do Estado apenas nas mãos da burocracia tecnocrática”, diz o sociólogo.
Projeto
"Lembremos que o ideário do modelo neoliberal se deu em cima do discurso da desqualificação do Estado e deu no que deu”, afirma Sanson. O problema e o risco, segundo ele, "é quando o discurso ‘técnico’ se sobrepõe ao político ou fica subordinado ao mercado, como se viu nos anos FHC. O risco do ‘governo técnico’ surge quando há ausência de projeto político”.
Por parte da imprensa de maior circulação e do próprio governo federal, a atribuição de um "governo técnico” parece se sobrepor ao termo "choque de gestão”, mais atrelado às administrações tucanas. "Há alguns dias Dilma disse que ‘a máquina administrativa tem que funcionar e devolver ao cidadão os serviços pelos quais ele paga’. Isso é revolucionário”, ressalta o sociólogo. Nessa perspectiva, segundo ele, a atribuição "técnica” proposta pelo governo é recuperar uma característica republicana do Estado, ou seja, cumprir de fato suas funções e atender aos cidadãos.
Esse discurso, para Sanson, embute um recado ao "condomínio do poder” que reúne uma enormidade de partidos e interesses fisiológicos: o partido ou grupo político que comanda cada ministério terá de apresentar resultados e cumprir as metas do governo.
Tecnocracia
Por isso, "apesar de ser um governo que não está buscando fazer a confrontação política das ideias – portanto, das concepções de projetos –, trata-se de um governo muito operativo, que busca executar”, pondera Milton Viário.
Teria Dilma, mesmo sem uma diretriz política de enfrentamento, se adiantado àqueles que barganham politicamente em benefício próprio? "Às vezes, quando não se tem um projeto político, os interesses políticos se transformam em interesses pessoais e corporativos. E às vezes interesses de pequenos segmentos. Isso também atrapalha a gestão e o desenvolvimento de políticas públicas porque se enfatiza a política, mas não a política de projeto, de Estado, de nação, de povo”, pontua Milton Viário.
Tecnocracia, outro risco de um governo "bom de gestão”. Sem uma pauta que gere o embate com os interesses corporativistas e empresariais entremeados no Congresso Nacional, o risco é de o governo conciliatório de Dilma perder de vista suas metas que são, antes de tudo, frutos de escolhas políticas. "O risco é tornar a ‘gestão’ um fim e não um meio, ou seja, o governo ser tomado por uma obsessão tecnocrata que transforme o essencial em secundário”, aponta Sanson.

Por André Barrocal
http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=64448

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Arquivo do blog