Parque Estadual Serra do Mar
Seu Paulo, 52 anos, conhece a parte norte do Parque Estadual da Serra do Mar talvez melhor do que ninguém. Nasceu e cresceu dentro do Núcleo Cunha do parque, que meio século atrás era uma fazenda de gado, madeira e carvão. "Nessa região aqui eu conheço tudo. Tudo mesmo", diz Paulo Rosário Araújo. E ele garante: aumentou muito o número de animais selvagens desde a criação do parque, em 1977. "Voltou muito bicho. Porco-do-mato você só via lá pra baixo, no litoral, agora tem de monte aqui pra cima. Anta também voltou muito; tem lugar que é igual vaca."
Os predadores também voltaram. E não os da espécie humana, apesar de o parque ainda sofrer com invasões de caçadores. Onças-pardas, jaguatiricas e outros carnívoros são registrados com frequência na região. Só falta uma espécie para completar a cadeia alimentar: a onça-pintada, Panthera onca, o maior felino das Américas. Justamente o predador "topo de cadeia". Com tanta comida disponível para ela, os gestores não entendem por que ela não é vista no parque, nem mesmo nessa área mais afastada ao norte, formada pelos núcleos Cunha, Santa Virgínia e Picinguaba.
"Voltou tudo, menos a onça-pintada", diz o gestor do núcleo Santa Virgínia, João Paulo Villani, há mais de 20 anos no parque. Há relatos esporádicos de moradores locais que dizem ter visto uma onça-pintada ou algum vestígio dela, mas difíceis de serem verificados.
O único vestígio "recente" confirmado de uma onça-pintada na região é uma pegada, fotografada em janeiro de 2009, numa trilha do Núcleo Picinguaba. "A pegada não deixa dúvidas, é de uma pintada", diz o especialista Peter Crawshaw, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). "É a confirmação de que a espécie existe ali."
Pesquisadores e conservacionistas, porém, estão longe de se contentar com uma pegada. Desde outubro do ano passado, Crawshaw coordena, em parceria com Sandra Cavalcanti, do Instituto Pró-Carnívoros, um projeto de pesquisa sobre as populações de felinos do parque. O trabalho envolve a colocação de armadilhas fotográficas - câmeras acopladas a sensores de movimento, que disparam um foto quando algo passa na frente delas - em pontos estratégicos da mata, para registrar os animais que circulam por ali.
Até agora, com 22 câmeras, já foram monitorados 60 quilômetros de trilhas no núcleo Santa Virgínia, de um total de 500 quilômetros de trilhas mapeadas nos três núcleos, segundo Kátia Mazzei, biogeógrafa do Instituto Florestal, órgão da Secretaria do Meio Ambiente que promove a ciência nas unidades de conservação do Estado.
Em cinco meses de monitoramento, as armadilhas já capturaram várias imagens de antas, catetos e queixadas, e também de felinos, como jaguatiricas, maracajás e onças-pardas (também chamadas pumas ou suçuaranas). Mas nenhuma onça-pintada.
"Acho que é só uma questão de tempo", avalia Crawshaw. "Sabemos que ela está lá, mas sua densidade populacional é tão baixa que ela se esconde nas áreas remotas, mais difíceis de chegar. É isso que tem mantido ela ali."
Em um levantamento semelhante realizado em outros parques de Mata Atlântica mais ao sul do Estado, como Carlos Botelho e Intervales, foram registradas mais de 30 fotos de onças-pintadas, de pelo menos 15 animais diferentes. "Isso, em um tempo bem menor do que já estamos pesquisando aqui na Serra do Mar", compara Crawshaw. "E olha que nesses lugares nem tem queixada", a presa principal das onças-pintadas.
Já na região norte da Serra do Mar, as queixadas hoje são abundantes. Provavelmente, em parte, porque faltam onças-pintadas para caçá-las, e a segurança do parque tem conseguido manter a maioria dos caçadores ilegais humanos afastada. "A mata está lá, o alimento está lá; falta melhorar as condições de proteção e reprodução", avalia Crawshaw.
Monitoramento. Com base nos dados obtidos das armadilhas fotográficas, os pesquisadores planejam, numa próxima etapa, capturar alguns felinos - com sorte, incluindo uma onça-pintada - e equipá-los com coleiras de monitoramento remoto, via rádio ou GPS, para que possam rastrear seus movimentos e entender como se movimentam pela região. Será o primeiro estudo desse tipo na Mata Atlântica costeira, onde a espécie ainda é muito pouco estudada.
Estima-se que uma onça-pintada precise de um território de 80 km² para sobreviver. "Não sabemos quantas restam, mas sabemos que é um animal muito ameaçado na Mata Atlântica, pelo tamanho de seu território e pelo nível de fragmentação do bioma", afirma Kátia.
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