Uma reivindicação de diversos movimentos sociais populares e entidades que construíram a Jornada de Lutas no mês de outubro no Vale do São Francisco, aconteceu na última quarta-feira (27) a Audiência Popular do Semiárido, evento que reuniu mais de mil pessoas na sede da Codevasf, em Juazeiro (BA). Vindos de diversas regiões do Nordeste, estiveram presentes movimentos sociais do campo e da cidade que defendem lutas históricas como Reforma Agrária, Acesso à Água e Soberania Alimentar, considerando a viabilidade da Convivência com o Semiárido.
A pauta da audiência, construída por Movimentos que integram a Via Campesina (MPA, MAB, MST) em conjunto com outras organizações que vem se articulando em âmbito nacional e regional, como Articulação do Semiárido (Asa), Articulação de Fundo e Fecho de Pasto, Articulação Popular São Francisco Vivo, reivindicava quatro pontos centrais: 1 - Criação de Política específica de segurança hídrica para o Semiárido; 2- Assentamento de famílias acampadas e regularização fundiária de comunidades tradicionais; 3 - Estruturação das comunidades camponesas a partir da efetivação do Plano Camponês e programas como o Luz para Todos, em especial para comunidades atingidas por barragens; 4 - Soberania Alimentar, considerando a necessidade de medidas de conservação e uso da biodiversidade, levando em conta as particularidades do Semiárido, necessidade de produção de sementes crioulas, recaatingamento, proibição do uso de agrotóxicos, etc.
Durante a audiência, representantes dos movimentos reforçaram a pauta e ouviram de órgãos dos governos alguns compromissos. O Ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, em nome da presidente Dilma Rousselff, anunciou:
- Revisão da política de irrigação e modelo atual dos perímetros irrigados, uma vez que os recursos públicos brasileiros tem sido usados quase exclusivamente para o capital devem contemplar a agricultura familiar, inclusive fazendo assentamentos nas áreas dos perímetros;
- Assentamento de 600 famílias do Acampamento Abril vermelho (MST) em duas áreas a serem definidas e em uma área do Perímetro Irrigado Salitre, onde as famílias estão acampadas desde abril de 2012. Propôs uma mesa permanente de negociação.
- Retomar estudos para o Canal da Batateira, admitindo que muitos recursos públicos foram investidos, mas que um novo projeto será elaborado;
- Continuidade da construção de placas sob a coordenação da Asa. O ministro disse que o governo compreende a campanha contra as cisternas de polietileno, mas não há como extinguir a produção existente que contou com investimentos públicos. Propôs uma reunião posteriormente em Brasília para aprofundar a discussão acerca do assunto;
- Expansão do Programa Luz pata Todos para todas as comunidades em torno das hidrelétricas, com o compromisso de contemplar todas até o final desta gestão do governo Dilma;
- Reserva de área na região para produção de sementes crioulas, uma ação que será desenvolvida dentro do Programa Nacional de Agroecologia, lançado recentemente pelo governo federal;
- Continuidade e ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) que tem beneficiado agricultores/as familiares e contribuído com o consumo de alimentos saudáveis;
Por fim, o ministro sugeriu o monitoramento desses compromissos que se somam a outros anunciados pelo presidente da Codevasf, Elmo Vaz e pela vice-presidente do Incra, Érica Borges, que lembrou que os órgãos estão presentes neste momento apenas devido a mobilização popular.
Avaliação
De acordo com Leomárcio Araújo, da coordenação do MPA, a realização desta audiência foi uma conquista dos movimentos organizados, mas ainda há muito o que avançar, sobretudo no que diz respeito às comunidades tradicionais. Leomárcio avalia ainda que 80% dos compromissos firmados contemplam os assentamentos, o que faz parte de uma luta histórica do MST. Algo novo destacado pelo militante foi a garantia de área para produção de sementes crioulas, uma reivindicação que está diretamente relacionada à pauta central das comunidades camponesas que tem a agricultura como base de sua subsistência.
Como resultado fica ainda o fortalecimento da organização popular e a “necessidade da continuidade da articulação entre as entidades que construíram até aqui, temos o desafio de seguir de modo articulado”, comentou Leomárcio. Concordando na avaliação, o coordenador geral do Irpaa e representante da Asa no evento, Ademilson da Rocha (Tiziu), disse que o governo “deu respostas para uma parte significativa da pauta, mas isso não quer dizer que tá efetivado, precisa haver acompanhamento, ações de mobilização dos movimentos não podem parar, tem que ser visto como mais um passo”.
Alguns pontos de pauta continuam sem resposta, a exemplo de políticas estruturantes de acesso á água, como construção de adutoras, especialmente para as comunidades de sequeiro, e outras ações que vem sendo reivindicadas pela sociedade civil na perspectiva de uma Política Nacional de Convivência com o Semiárido, debate que vem sendo intensificado pela Asa desde 2012 e que já conta com a adesão de alguns estados.
Representatividade e diversidade de pautas
Na audiência houve ainda a “Fila do povo”, espaço em que organizações manifestaram-se quanto a alguns temas abordados, como a necessidade de discutir o Semiárido para além da irrigação e dos assentamentos, os usos das águas disponíveis, especialmente pensando a revitalização do Rio São Francisco, a construção de novas barragens na região, conflitos por água em comunidades ribeirinhas enquanto o governo segue com as obras da Transposição do São Francisco. Na ocasião também foi entregue um documento ao ministro com proposições para a Reforma Agrária no estado da Bahia.
Compareceram ainda representantes dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e Ministério da Integração, Superintendências regionais da Codevasf, Câmara de Deputados da Bahia e de Pernambuco, Consórcio do Território Sertão do São Francisco, além de vereadores de municípios da região, sindicatos, ONG’s, associações, movimento estudantil, Levante Popular da Juventude, pastorais sociais, entre outros.
Érica Daiane Costa
Irpaa/Articulação Popular São Francisco Vivo
Texto e Foto: Comunicação Irpaa
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