[Eleições municipais] O jogo das mentiras



Que eleitor chegará à urna no dia 7 para votar no candidato que considera realmente o melhor, o mais preparado, o ilibado? A maioria votará por interesse, comodismo, ceticismo, indiferença ou iludida pela retórica da campanha. Muitos, manipulados por personagens ocultos.
A eleição deste ano em Belém pode não ser a mais fraudada, no rigor da expressão, mas é a mais manipulada. O leitor votará no dia 7 muito mal servido para um ato político consciente. O número de candidatos, tanto à prefeitura quanto à Câmara Municipal, é excessivo.
O excesso não se deve a qualquer arroubo de patriotismo e cidadania. A disputa proporcional é marcada pelo oportunismo. São candidatos a um bom emprego, pessoas que querem se aproveitar do poder conferido pelo cargo de vereador ou aquelas que buscam a notoriedade.
A maioria se apresenta ao eleitor como elemento de massa de manobra dos grupos políticos em busca de maior densidade eleitoral, mesmo que à custa de pretendentes sem a menor condição de vitória. São os votos pingados que ajudarão os candidatos com possibilidade real de sucesso, mas receosos de a legenda não alcançar o quociente eleitoral.
Essa manobra só se torna possível graças à ingenuidade e oportunismo dos candidatos. Mas seu fator fundamental é o fundo partidário: aplicado com esperteza ele permite não apenas conseguir votos, mas também sair da campanha com certo fundo de caixa – para uso pessoal, é claro.
Apesar de ser o segundo município do Brasil com maior número de candidatos, as 10 opções à PMB não significam alternativas reais. Os candidatos prometem fazer muito, solucionar problemas visíveis, escandalosos e duradouros, como num passe de mágica do sem-compromisso do marketing.
Nenhum diz como vai fazer, de que maneira se sairá da péssima situação em que se encontra a capital do Pará até um estado de dignidade com um padrão de qualidade. Nem quais recursos estarão disponíveis para executar tantas obras. Tantas, sim, mas as mesmas, que todos os candidatos repetem, seguindo um catecismo preparado pelos seus assessores.
A pobreza da cidade se reflete no sucesso da candidatura de Edmilson Rodrigues, do PSOL. Ele promete retomar programas e projetos dos seus dois mandatos como prefeito de Belém, que teriam sido abandonados ou sabotados por Duciomar Costa.
As iniciativas realmente lhe renderam popularidade, mas não tiraram o município da tendência à deterioração dos seus principais indicadores sociais. Não tocaram na base produtiva da cidade nem redefiniram a sua posição no espaço do Estado, do país e do mundo. O que de mais dinâmico o município apresenta é por ressonância dos grandes projetos de exportação implantados no interior do Pará. Mas os elos da capital com esses municípios são cada vez mais tênues. Os resíduos dos efeitos das grandes receitas do setor mineral e agropecuário se concentram na cidade, em ilhas de prosperidade, estigmatizando-a pelo contraste brutal com sua periferia, fonte de um círculo vicioso de tensão e violência.
Edmilson deixou Belém pior do que quando a encontrou, oito anos antes, da mesma maneira como esta será a marca da transição de Duciomar para o próximo prefeito. No caso do então prefeito do PT, o patrimônio que lhe coube foi a dependência de uma parcela significativa da cidade, atada à sua liderança por formas variadas de clientelismo que agora, como previsto, reverberam em seu favor.
Se eleito – e se conseguir a façanha de quatro mandatos como prefeito de Belém, marca única – Edmilson poderá adicionar ao seu currículo títulos e realizações sem significação capaz de lhe permitir declarar para a história que mudou a condição marginal da metrópole dos paraenses. Os vícios dos oito anos anteriores se renovarão e se agravarão durante o exercício do novo mandato. Belém caminhará para trás, ouvindo refrões de avanços e conquistas.
Há alternativa ao candidato do PSOL? Não no PT, que apresentou um candidato condenado a ficar nas últimas posições. Na luta fratricida do Partido dos Trabalhadores, Alfredo Costa, paradoxalmente o mais rico dos candidatos, é nome certo para perder. Os petistas preferem engrossar as fileiras de Edmilson. Mesmo com pouco tempo de televisão e com a base de um partido nanico, o orçamento da sua campanha é o quarto maior, com 4,4 milhões de reais (declarados, caixa 2 à parte), abaixo apenas dos do próprio Alfredo Costa, Anivaldo Vale e José Priante. Talvez seja a mais cara campanha de um candidato do PSOL em todo país.
Em qualquer cenário, o ex-prefeito e atual deputado estadual é o favorito. Mas a ponto de, contrariando todas as previsões, se eleger já no 1º turno? Essa possibilidade surgiu através das pesquisas encomendadas pelo grupo Liberal. A primeira, do Ibope, não provocou impacto por não discrepar do senso comum, empírico.
O problema é que a segunda pesquisa, realizada não mais pelo Ibope, mas pelo Vox Populi, uma semana depois, despejou José Priante dos 22% para metade, 11%, sem qualquer fato, no intervalo entre as duas sondagens, que pudesse explicar queda tão brusca e acentuada.
Na segunda pesquisa do Ibope, três semanas depois, Priante subiu muito para quem parecia numa descendente inapelável (embora insondável), mas ficou em 16%, enquanto os outros candidatos se mantinham basicamente imóveis. Com o crescimento de Edmilson, de 42% para 47%, começava a se delinear definição já no 1º turno.
Os mais calejados estão cansados de ver esse enredo se repetir. Há um componente de indução ao eleitorado nas primeiras pesquisas, corrigidas posteriormente, até que, às vésperas da eleição, elas são feitas com todo rigor (embora nem sempre: há casos, inclusive em Belém, de manipulação até o último momento).
Na divulgação da segunda pesquisa houve reclamações e protestos. Arnaldo Jordy, do PPS, que estaria fora do 2º turno, a serem verdadeiros os resultados da pesquisa, criticou diretamente o grupo Liberal. Vítima do mais elevado índice de rejeição, por causa de problemas íntimos que vieram a público, contrastando com sua imagem autotrabalhada de "ficha limpa”, Jordy já deve sentir os efeitos da decisão tomada pelo governador Simão Jatene.
Mesmo sem deixar de veicular mensagens em favor dos seus aliados Priante e Jordy, Jatene abandonou a promessa de imparcialidade e se lançou à campanha de Zenaldo Coutinho, na tentativa de pelo menos fazê-lo passar para o 2º turno. As pesquisas do Ibope revelam que o candidato do PSDB não tem condições de ameaçar Edmilson e está sem perspectiva de forçar o 2º turno.
Tem-se a impressão de que o grupo Liberal não aposta mais suas fichas no deputado federal, concentrando-as em Edmilson. A máquina do Estado pode tirá-lo do imobilismo nos 12%. A tarefa, porém, é extremamente difícil.
Causará estranheza nos arraiais do PSOL e do PT apontar a simpatia do grupo Liberal por Edmilson. No início do seu primeiro mandato como prefeito, Edmilson chegou a mandar invadir a sede do jornal para se apossar dos livros da contabilidade, que demonstrariam sonegação de impostos. E prometeu destruir o poderio dos Maioranas, em comício realizado em frente à sede do jornal, em palanque para o qual atraiu o então arcebispo dom Vicente Zico, desinformado sobre o arroubo radical.
Mas os livros foram devolvidos sem qualquer ação contra o grupo. Pelo contrário, a prefeitura passou a patrocinar promoções da corporação e estabeleceu perfeito entendimento com ela. Os Maioranas não tiveram mais qualquer razão para queixa, tirante o linguajar apoplético – e inconsequente.
Mas não foi só com o poderoso grupo de comunicação que Edmilson se acertou, por trás do discurso radical. Também passou a se entender com os donos de empresas de ônibus, os demais concessionários do serviço público, os proprietários de estabelecimentos de ensino e outros mais. Os 4,4 milhões de reais do orçamento da sua atual campanha impressionam sem surpreender.
O objetivo principal do grupo Liberal com essas audaciosas pesquisas é, primeiro, impedir que Priante cresça para o 2º turno, e, se possível, afastar qualquer risco, trabalhando por um final já na primeira rodada da eleição, nem que para isso seja preciso descartar o quase aliado, Zenaldo Coutinho. Sem 2º turno, Jader Barbalho perderá o seu maior trunfo, que é servir de fiel da balança nas disputas eleitorais no Pará. E tirando desse poder dividendos para suas empresas, que concorrem cada vez mais diretamente com as da família Maiorana. Mais do que a prefeitura de Belém, está em disputa, entre esses dois grupos, a hegemonia de poder. Alguém sairá enfraquecido desta parada.
Provavelmente também se enfraquecerá o prefeito Duciomar Costa, por excesso de esperteza, vítima do seu próprio veneno. Para não sofrer contestação futura, ele reservou para apresentar como seu candidato alguém que escondeu durante quase oito anos: o seu vice, Anivaldo Vale.
Indo buscá-lo no PR, imobilizou eventuais contestadores no seu partido, o PTB.
O problema é que Anivaldo ficou tão escondido por Duciomar que não consegue deslanchar. Parece envelhecido demais para sua idade, tem dificuldade de expressão, transmite a imagem de derrotado. Por isso é o que menos entra em cena, ocupada pelo prefeito e um apresentador de televisão. Quem aparece sempre é o próprio Duciomar, como se estivesse disputando o terceiro mandato.
Ele se manteve indiferente ao crescimento do índice de rejeição popular à sua administração, tanto pelos muitos e graves erros que cometeu como pelos pequenos acertos que realizou, à custa de muita resistência (os prefeitos de Belém têm sido, quando muito, regulares, medianos; nunca mais um deles se destacou de verdade).
Duciomar julgou que as obras de final de mandato mudariam o cenário. E que o exercício da prefeitura, com a máquina oficial ao seu dispor e um fornido caixa de campanha, lhe permitiriam influir poderosamente na campanha, desequilibrando a competição.
Ele demorou demais e abusou da arbitrariedade e do desprezo pela ordem legal. Além do mais, condicionou a definição do nome do seu possível sucessor a seus planos para 2014, quando tentará voltar ao Senado ou, quem sabe, chegar ao governo do Estado.
Mesmo tendo a ajuda da presidente Dilma Rousseff (e a decisiva participação, nos bastidores, da Construtora Andrade Gutierrez), sem a qual seu BRT (o ônibus rápido, absorvido por todos os candidatos em seus discursos) sequer se materializaria, não conseguiu a arrancada pretendida. Suas maiores obras podem ficar pelo meio do caminho, deixando de lhe dar os trunfos com os quais pretendia se armar para reverter o quadro desfavorável na undécima hora.
Se não houver 2º turno, por obra e graça da indução do eleitor, será direta a reversão ao padrão Edmilson Rodrigues de governar. Com a realização do 2º turno, se revelarão os acordos e arranjos secretos feitos pelas principais lideranças políticas para cruzar interesses e garantir aquilo que tem sido um dos maiores males causados ao Pará: a perpetuidade das suas lideranças políticas, combinada com sua imutabilidade de pensamento. Uma versão perversa e adaptada do refrão do "chegou ao Pará, parou”. Não precisa chegar: basta estar.

Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Arquivo do blog