Entrevista com Thomas Coutrot: O paradoxo dos indignados


Tradução: ADITAL
Paris, 18 de outubro de 2011

Coutrot assinala que o movimento dos indignados é, ao mesmo tempo, poderoso e perigoso para as elites porque repousa sobre sua ideologia oficial. E afirma que a novidade é a crítica radical à representação política.

Entrevista com Thomas Coutrot, economista francês, vicepresidente de Attac e membro da Rede de Alerta sobre as Desigualdades: "O capitalismo parlamentar está em uma fase terminal”, afirma o autor de Democracia contra Capitalismo.
Há dez anos, Bin Laden e seu sócio carnal, o ex-presidente norte-americano George W. Bush, globalizaram o terrorismo de massas e a repressão em escala mundial. O Plano Condor aplicado ao universo. Exatamente uma década depois, o movimento dos indignados globalizou o protesto social e o ‘basta' ante um modelo de depredação social, de abuso e de consumo, cujo controle está nas mãos de uma elite violenta e impune. Os protestos que levaram milhares de pessoas às ruas em todo o mundo dão corpo a uma corrente moral e política cujos precursores levam anos propondo modelos alternativos ao sistema de destruição neoliberal. Se Sthéphane Hessel, em seu livro ‘Indigne-se' conseguiu reunir a um planeta indignado, há autores cujos ensaios já continham muitas das consignas que agora são escutadas nas ruas do mundo. O economista francês Thomas Coutrot é um deles. Em 2005, publicou um livro que está no coração da crítica formulada pelos indignados: Democracia contra Capitalismo. Em 2010, saiu outra obra sua que representa muito bem a essência do que os indignados reclamam em Paris, em Londres, em Nova York, em São Paulo, em Tel-Aviv ou em Berlim: Terrenos para um mundo possível: voltar a dar sustentação à democracia. Economista e estatístico, vice presidente da ONG Attac desde 2009, membro da Rede de Alerta sobre as Desigualdades, Thomas Coutrot resgata um fato central na emergência dessa revolta globalizada: ante o esgotamento do modelo capitalista e neoliberal e o descrédito dos dirigentes políticos, os povos saem às ruas e encarnam uma espécie de retorno à raiz da democracia. Para Coutrot, a sublevação do mundo ocidental não teria sido possível sem as revoluções árabes que as precederam.
Leia a entrevista:
- Para o senhor, o movimento dos indignados significa um retorno às fontes da democracia. Porém, até agora os responsáveis políticos do planeta se fazem de surdos ante os reclamos desse movimento mundial.
- O retorno às fontes da democracia significa a intervenção do povo. Então, é quase normal que os dirigentes políticos se façam de surdos porque não estão de acordo com isso. Consideram que enquanto representantes do povo, lhes corresponde gerenciar os assuntos do povo. Na verdade, os dirigentes políticos não querem ver que no movimento atual há uma crítica fundamental contra o sistema tal como funciona hoje. Será necessário muito tempo e muito trabalho para que a classe política aceite ver que seu papel está em julgamento. Por isso, o essencial não está tanto na crítica ao sistema financeiro. Não é essa a novidade. A novidade consiste precisamente na crítica radical da representação política; esse grito mundial que diz "vocês não nos representam!”. As pessoas estão dizendo: "não é porque votamos em vocês que podem fazer o que quiserem contra nossa opinião”. Essa é a inovação fundamental. O reclamo de um retorno às fontes da democracia, à democracia real, é histórico.
- Muitos analistas criticam aos indignados porque carecem de líderes visíveis. Essa não é sua análise.
- Não, claro! Temos que ver tudo isso desde uma perspectiva histórica. Estamos no início de uma crise muito profunda; uma crise não somente do sistema capitalista, mas do modelo de civilização e do chamado capitalismo parlamentar. Esse capitalismo parlamentar está em sua fase terminal e o movimento dos indignados, que tem ressonância mundial, é um dos primeiros signos emitidos pela sociedade. As sociedades humanas estão trabalhando, criando alternativas para um modelo democrático que está esgotado. Não se trata, portanto, de um movimento conjuntural, que vai se apagando pouco a pouco ou que se acalmará com a próxima reativação econômica. Temos que vê-lo em uma perspectiva mais ampla; isto é, com uma projeção de pelo menos uns dez anos.
- Isso equivale dizer que a reprovação atual vai além do ‘confort' e de um hipotético crescimento recuperado ou da recuperação da atividade econômica.
- Sim. Vemos muito bem que o que está em jogo é muito mais fundamental do que a dominação das finanças e que a dominação da classe política. O que está em jogo é um modo de desenvolvimento baseado no enriquecimento permanente e no crescimento constante, independentemente de toda finalidade humana. Por isso, creio que esse movimento, que explode em plena crise do modelo democrático, está chamando a amadurecer nos próximos anos.
- De fato, o que vemos hoje é a explosão de todo um conjunto de ideias e iniciativas que já estavam postuladas há tempos, tanto no terceiro mundo quanto nos países emergentes, nas comunidades indígenas. Esses discursos penetraram nas democracias ocidentais.
- Sim, é verdade. No seio do movimento altermundista já se via a emergência desses componentes bem como a crítica radical do modelo de desenvolvimento, tanto o capitalista quanto o ocidental. Esse modelo se caracteriza por estar baseado unicamente no bem estar material, independentemente dos valores e da solidariedade. Hoje, esse movimento conseguiu desenvolver suas críticas no coração da própria Europa.
- Será que o sistema capitalista já chegou ao final de sua própria barbárie social?
- Não creio que tenha chegado ao final. Penso que ainda teremos que aguentá-lo por um tempo e que, todavia, veremos coisas terríveis. A crise econômico-social ainda não se acabou. Ainda não chegamos no fim da barbárie social. Temo que o que vem por aí é bem pior; por exemplo, os nacionalismos e rompimentos entre as nações. Atualmente, já assistimos ao crescimento das tensões na Europa; entre os Estados Unidos e a Europa; entre a China e os Estados Unidos... As rivalidades se afiam. As elites tentarão prolongar sua dominação; buscarão legitimá-la recorrendo, como sempre, a um inimigo externo ou ao nacionalismo. No entanto, a emergência de um movimento mundial como o dos indignados é um signo de que o pior não é uma garantia. A ação da sociedade civil pode ser um muro de contenção. Estamos em uma corrida mundial entre soluções autoritárias, que implicam em xenofobia e; do outro lado, vemos a afirmação de uma sociedade civil internacional em torno aos valores da democracia. O curioso é que esses valores são os valores oficiais das elites. Daí, o fato de que o movimento dos indignados seja ao mesmo tempo poderoso e perigoso para as elites, porque repousa sobre a ideologia oficial das elites. Porém, estas tornaram-se incapazes de preservar seus próprios valores.
- É um paradoxo: faz-se uma espécie de Revolução em nome dos valores da elite dominante.
- Sim, esse é o grande paradoxo dessa crise e desse movimento que defende os valores supremos da sociedade. As elites que se proclamam democráticas estão renunciando à democracia para preservar sua dominação.
- Muitos indignados reconhecem a influência determinante que tiveram as revoluções árabes na posterior revolta ocidental.
- As revoluções árabes foram a fagulha fundamental, pois demonstraram que, inclusive as situações mais bloqueadas, inclusive os regimes menos democráticos, onde as elites tinham tudo sob controle, podiam desembocar em uma situação revolucionária incrível e inesperada. As revoltas árabes contribuíram com um sopro de esperança, um impulso, uma dinâmica. O mundo percebeu que as elites dominam porque nós permitimos que dominem; fazem o que querem porque deixamos e votamos neles para que façam o que querem. As revoluções árabes foram uma mensagem de esperança e um chamado à sublevação dos povos. Hoje, as pessoas se recusam a resignar-se.
- Outro paradoxo está no fato de que a França, o país da Revolução por antonomásia, o país de onde é oriundo o autor do livro através do qual se plasmou o movimento –Indigne-se, de Stéphane Hessel-, atualmente, seja o mais passivo, o menos mobilizado.
- Trata-se de um autêntico paradoxo. Há várias razões que explicam esse fenômeno. Talvez, a primeira seja o fracasso do movimento social contra a reforma do sistema de aposentadorias impulsionado pelo presidente Nicolas Sarkozy. Foi um movimento muito profundo e majoritário na sociedade, mas que não conseguiu que o governo retrocedesse em sua reforma. Isso pesou muito na disponibilidade mental dos cidadãos para empreender outra ação coletiva. Temos também a campanha eleitoral em curso, que polariza muito os debates e leva a que muita gente diga: "primeiro vamos derrubar a Sarkozy e depois veremos o que fazer”. O último elemento é o fato de que a França, no momento, não conhece uma onda de austeridade tão brutal quanto a Grécia, a Espanha ou Portugal. As políticas de austeridade na França estão muito por debaixo das aplicadas em outros países, inclusive pela Grã-Bretanha ou pelos Estados Unidos. Esses fatores explicam porque, no momento, a população não se sente tão agredida quanto em outros países.
- O surgimento de um movimento social no berço do liberalismo –os Estados Unidos- surpreendeu a todos.
- A crise social é a consequência do ultraliberalismo mais dogmático; porém, os ultraliberais foram os que cristalizaram um movimento de massas, como o Tea Party. Pois bem, o despertar do movimento dos indignados nos Estados Unidos mostra que a sociedade civil democrática começa a organizar-se, a atuar, a apresentar-se como movimento de massas e popular.

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