Codevasf apresenta trabalho sobre nascente do São Francisco

Trabalho sobre nascente do São Francisco é apresentado por técnico da Codevasf na Câmara dos Deputados.



A audiência debateu o projeto de lei que cria o monumento natural do rio Samburá, que passaria a compor o mosaico de unidades de conservação da Serra da Canastra

O trabalho que estabeleceu as definições geográficas dos rios São Francisco e Samburá, feito pelos engenheiros agrônomos da Codevasf Geraldo Gentil e Miguel Farinassa, foi alvo de elogios dos presentes à audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados na tarde desta terça (30).
A audiência debateu o projeto de lei que cria o monumento natural do rio Samburá, que passaria a compor o mosaico de unidades de conservação da Serra da Canastra. "Vocês são os autores intelectuais desses projeto que é de extrema importância para a preservação dos rios Samburá e São Francisco", ressaltou o prefeito municipal de Medeiros (MG), Weber Leite Cruvinel, um dos palestrantes do evento.
Além dos engenheiros e do prefeito, também participaram da audiência o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo de Miranda Pinto, o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Roberto Brandão Cavalcante, o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIo), Roberto Ricardo Vizentin e o autor do requerimento de audiência , deputado Antônio Roberto (PV/MG).
Em sua exposição, Miguel Farinassa explicou que as divergências que haviam sobre a extensão do São Francisco e sobre qual seria sua verdadeira nascente desencadeou o trabalho realizado pelos técnicos. Os engenheiros e outros técnicos da empresa visitaram as nascentes dos rios e realizaram a medição com técnicas de geoprocessamento. Segundo ele, a observação de diversas fontes de informação gera um questionamento sobre a relação hidrológica entre o rio principal e o afluente entre os rios São Francisco e Samburá.
Esse fato foi observado em imagens de satélite Landsat e em cartas topográficas. Nos arquivos digitais, pode-se observar que a bacia hidrográfica do rio Samburá possui maior área geográfica do que a do São Francisco, à montante da confluência de ambos. Pelo critério de área da bacia hidrográfica, o rio Samburá conteria, assim, as nascentes verdadeiras do São Francisco.
Ele explicou também que, nas imagens de satélite e cartas disponíveis, pode-se verificar que o Samburá é um rio mais extenso que o São Francisco, a partir de suas confluências. Também, observa-se que, na confluência, o Samburá tem calha mais larga e maior vazão que o São Francisco.
Finalizando sua exposição, o técnico apresentou as recomendações geradas a partir do trabalho. Uma delas é encaminhar uma petição ao IBGE/RJ solicitando a homologação do estudo da Codevasf, feito nos anos de 2002 e 2003. Além disso, eles recomendam que, além da criação do Monumento Nacional do Samburá, as prefeituras proponham a criação da APA das cabeceiras ou das cidades-mães do são Francisco, apresentada no documento Speleobrazil2001, e que acreditem na indústria do turismo ecológico como potencial gerador de riqueza na região. 

A corrida estrangeira pela terra brasileira. Entrevista com Maíra Martins


"Apesar de pequenos agricultores produzirem quase a metade dos alimentos no mundo, eles constituem a população mais fragilizada, em situação de miséria e fome, cuja ausência de titularidade ou posse da terra os torna mais vulneráveis”, constata a socióloga.


A compra de terras por empresas estrangeiras está aumentando em "países cuja governança sobre a terra é frágil, as negociações são pouco transparentes e, em muitos casos, sem consulta prévia às populações envolvidas ou potencialmente atingidas pelos empreendimentos”, informa Maíra Martins, pesquisadora da ActionAid Brasil à IHU On-Line. Segundo ela, os dados do relatório "Situação da Terra”, realizado pela ONG, indicam que, diante da crise econômica internacional, "a garantia do direito à terra, acesso aos territórios e meios de vida das comunidades e populações pobres no meio rural é crucial para o combate à fome e para a redução das desigualdades no mundo”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Maíra esclarece que a aquisição das terras aumentou após a crise econômica de 2007 e 2008. "No contexto da crise financeira e econômica, muitos investidores voltaram-se para o mercado de terras. A chamada ‘corrida por terras’ se deve também à demanda por biocombustíveis e matérias primas, com destaque para algumascommodities como milho, soja, cana-de-açúcar, dendê e florestas plantadas (eucalipto), cultivos estes voltados para exportação”. E acrescenta: "Estima-se que as transações com terras, cuja média era de 4 milhões de hectares por ano até 2008, saltaram para 45 milhões de hectares somente entre outubro de 2008 e agosto de 2009, sendo grande parte dessas negociações, em torno de 75%, no continente africano”.
O processo de estrangeirização das terras brasileiras ocorre desde os anos 1970, mas a partir de 2008, "também houve a intensificação da participação de estrangeiros em investimentos agropecuários, bem como na aquisição de terras no Brasil, acompanhando a tendência global”, informa. De acordo com a pesquisadora da ActionAid, o continente Africano é o principal alvo de interesse das empresas. "Em 2010, o Banco Mundial estimou que cerca de 46 milhões de hectares de terra agricultáveis haviam sido negociados no continente. Grande parte dessas aquisições ocorre em países com altos índices de fome e pobreza, cuja legislação e governança sobre a terra são frágeis, bem como os meios para proteger os direitos das populações afetadas”.
Maíra Martins é assessora de pesquisa e políticas da ActionAid Brasil, socióloga e mestre em Ciências Sociais com foco em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os dados mais preocupantes do relatório "Situação da Terra” em relação à compra de terras tradicionais por empresas estrangeiras e a crise alimentar?
Maíra Martins – O relatório trata do problema das aquisições de terra em larga escala em países em desenvolvimento. Dividido em duas partes, na primeira apresenta os impactos da corrida por terras para as comunidades rurais e, em especial, para as mulheres. Na segunda parte analisa a situação de 24 países no que concerne a sua situação fundiária e sua capacidade (política, legal e jurídica) para proteger os direitos territoriais das populações e comunidades, cujo meio de vida depende da terra e dos recursos naturais.
Chama atenção para o fato de que grande parte dos investimentos em compras de terras tem se dado em países cuja governança sobre a terra é frágil, as negociações são pouco transparentes e, em muitos casos, sem consulta prévia às populações envolvidas ou potencialmente atingidas pelos empreendimentos.
Apesar de pequenos agricultores produzirem quase a metade dos alimentos no mundo, eles constituem a população mais fragilizada, em situação de miséria e fome, cuja ausência de titularidade ou posse da terra os torna mais vulneráveis. No caso das mulheres a situação é mais grave: embora tenham papel crucial na agricultura e reprodução dos modos de vida, possuem apenas 2% de toda a terra globalmente. Assim, no contexto de crise dos preços dos alimentos e fome no mundo, a mensagem central do relatório é de que a garantia do direito à terra, acesso aos territórios e meios de vida das comunidades e populações pobres no meio rural é crucial para o combate à fome e para a redução das desigualdades no mundo.
IHU On-Line – Desde quando está em curso a estrangeirização de terras no Brasil e nos demais países da África e da Ásia?
Maíra Martins – Após a crise dos preços dos alimentos em 2007-2008, identifica-se o aumento expressivo da aquisição de terras em larga escala. No contexto da crise financeira e econômica, muitos investidores se voltaram para o mercado de terras. A chamada "corrida por terras” se deve também à demanda por biocombustíveis e matérias primas, com destaque para algumas commodities como milho, soja, cana-de-açúcar, dendê e florestas plantadas (eucalipto), cultivos estes voltados para exportação. Estima-se que as transações com terras, cuja média era de 4 milhões de hectares por ano até 2008, saltaram para 45 milhões de hectares somente entre outubro de 2008 e agosto de 2009, sendo grande parte dessas negociações, em torno de 75%, no continente africano.
No caso do Brasil, o processo de estrangeirização das terras não é necessariamente novo: a cooperação nipo-brasileira para o desenvolvimento da agricultura nos Cerrados, na década de 1970, é considerada um importante marco desse processo por pesquisadores. Contudo, tem sido verificado que, a partir de 2008, também houve a intensificação da participação de estrangeiros em investimentos agropecuários, bem como na aquisição de terras no Brasil, acompanhando a tendência global.
IHU On-Line – Entre os países da América Latina, África e Ásia, é possível apontar em qual dos continentes há maior disputa pelos territórios e onde as empresas estrangeiras mais compram terras? Quais os interesses das empresas nesses países?
Maíra Martins – O continente africano tem sido o principal alvo dos interesses das empresas em aquisições e terras. Em 2010, o Banco mundial estimou que cerca de 46 milhões de hectares de terra agricultáveis haviam sido negociados no continente. Grande parte dessas aquisições ocorre em países com altos índices de fome e pobreza, cuja legislação e governança sobre a terra são frágeis, bem como os meios para proteger os direitos das populações afetadas. As empresas, por outro lado, buscam boas oportunidades de investimento, nesse sentido, encontram facilidades para compra de terras ou contratos de arrendamento, incentivos fiscais, preços de terra mais baratos, bem como populações fragilizadas por não possuírem garantias legais.
IHU On-Line – Que empresas participam desse comércio de terras? Quais as implicações dessas negociações?
Maíra Martins – Diversos setores participam das negociações por terras, desde fundos de investimento e especuladores – cujo interesse é a valorização da terra, como empresas nacionais e multinacionais de produção de etanol, eucalipto, milho, soja – até setores da mineração e outras indústrias extrativas.
IHU On-Line – O que muda em relação à produção agrícola uma vez que as empresas estrangeiras são donas dos territórios?
Maíra Martins – Territórios que antes eram habitados ou produzidos por uma comunidade, bem como seus recursos naturais (água, solo, fauna, etc.), são monopolizados nas mãos de poucos, geralmente convertidos em regiões de monocultivos para exportação, com alto uso de agrotóxicos, intenso consumo dos recursos hídricos e poluição do ar ou do subsolo. Dependendo do setor, emprega-se pouca mão de obra, não contribuindo muito para o desenvolvimento local.
IHU On-Line – Qual o posicionamento dos governos desses países em relação à compra de terras nacionais?
Maíra Martins – Para muitos governos a entrada de investimentos estrangeiros no país é tida como oportunidade de geração de renda e emprego para as comunidades, além de ser uma oportunidade de transferência de tecnologia. Sabemos que não é esse processo que tem sido noticiado e denunciado por muitas organizações ao redor do mundo. Nesse sentido, há discussões em âmbito internacional e em muitos países sobre maneiras de fortalecer os mecanismos de governança sobre a terra e regular os investimentos das empresas, cobrando mais responsabilidades dos investidores estrangeiros. Mais de cem países do Comitê Global de Segurança Alimentar endossaram as diretrizes globais voluntárias sobre a gestão responsável da posse da terra e os direitos de acesso à terra, à pesca e aos recursos florestais. No entanto, por serem voluntárias, é necessário que os países adaptem aos seus contextos nacionais e incorporem os princípios e recomendações em formato de legislação.
IHU On-Line – Qual a situação específica do Brasil? É possível estimar que percentual do território brasileiro já pertencente a empresas estrangeiras?
Maíra Martins – O Brasil possui uma estrutura fundiária extremamente concentrada, resultado de nosso processo histórico, da maneira como a terra tornou-se propriedade privada e também reserva de valor. Como demonstra os dados do último censo agropecuário, as pequenas propriedades rurais, com menos de dez hectares, ocupam apenas 2,7% da área total dos estabelecimentos rurais, algo torno de 7,8 milhões de hectares, um terço do que, por exemplo, é hoje ocupado somente com a soja. Ao mesmo tempo em que assistimos a expansão das fronteiras agrícolas para as monoculturas de exportação, com forte investimento estrangeiro, os processos de reforma agrária, de demarcação deterritórios indígenas e quilombolas estão quase parados.
Há também fragilidades nos cadastros dos imóveis, revelando o fraco controle do estado sobre a governança da propriedade da terra no Brasil. Isso afeta uma identificação precisa das aquisições de terras por estrangeiros. Dos 850 milhões de hectares em terras no Brasil, apenas a metade está cadastrada como imóvel rural no sistema nacional de cadastro rural do Incra. Desse modo, é difícil definir percentuais sobre o território. Segundo estudos do Nead, baseado nas fontes do Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR do Incra, em 2008 existiam 34.632 registros de imóveis em mãos de estrangeiros, equivalente a uma área total de 4 milhões de hectares, parte significativa desses imóveis classificados como grandes propriedades rurais.
IHU On-Line – O comércio de terras em larga escala tem estimulado o aumento do preço dos alimentos e a produção dos biocombustíveis. Quais as razões dessas consequências?
Maíra Martins – O interesse por terra para atender à demanda por commodities agrícolas ou para especulação tem provocado o aumento do preço da terra e a substituição de cultivos essenciais parasegurança alimentar por produtos voltados para exportação. Esse processo reforça a tendência para concentração fundiária e monopólio, contribui para o encarecimento dos preços dos alimentos devido ao aumento dos custos de produção (preço da terra, distância e transporte etc.) e redução de oferta de alimentos.
IHU On-Line – Como esse comércio tem prejudicado as comunidades tradicionais e pequenos agricultores em todo o mundo? Quais os riscos de acirrar ainda mais a crise alimentar?
Maíra Martins – A pressão sobre as terras tem provocado o deslocamento de muitas comunidades – às vezes por processos violentos e conflituosos – inviabilizando seus modos de vida e formas de reprodução de sua cultura. Por não terem a propriedade ou posse da terra, as populações rurais mais pobres são facilmente deslocadas e expropriadas e, para aqueles que possuem a titulação, a pressão inflacionária do preço da terra e a chegada de investimento ao redor inviabilizam a permanência em suas terras, levando-os à venda ou arrendamento. Por exemplo, podemos imaginar uma família de pequenos agricultores que estão cercados por fazendas de cana de açúcar, com intenso uso de agrotóxicos, ocorrências de queimadas, e assoreamento dos rios, frequentemente assediadas para vender ou arrendar suas terras.
Muitos são os riscos para a crise alimentar. Esse processo recente de aquisições de terras vai na contramão do que se considera necessário para garantir a produção de alimentos, reduzir os impactos das crises dos preços e inflação. Essa busca por terras contribui para agravar a concentração de terra, renda e investimentos em alguns setores, sobretudo na distribuição, pressionando os preços e contribuindo para inflação.
Como dito acima, os agricultores familiares são aqueles que produzem grande parte dos alimentos consumidos no mundo. É preciso políticas que fortaleçam pequenos agricultores, comunidades tradicionais, dando-lhes acesso à terra e meios de produzir alimentos e reproduzir seus modos de vida com dignidade.



Nota enviada pela ACV- CD falando sobre os incêndios na Chapada Diamantina!



Em resposta ao comunicado divulgado no site da Secretaria de Meio Ambiente da Bahia - Sema, em 24/10/2012, com relação ao reforço enviado à Chapada Diamantina, gostaríamos de informar à toda sociedade que muito poderia ser evitado se os recursos disponibilizados agora fossem utilizados anteriormente, ocasionando menos gastos financeiros, além de minimizar os danos ambientais e econômicos na região.

No ano passado, algumas brigadas voluntárias se reuniram e apresentaram propostas ao Comitê Estadual de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais. Dentre estas, constavam: reconhecer as brigadas como núcleos de Defesa Civil; implantar uma central de informações e dados na região; disponibilizar 04 viaturas em municípios estratégicos para períodos de estiagem; criação do Subcomitê Chapada Diamantina de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais e de um Comando de Operações Compartilhado - Grupamento de Bombeiros Militares, Parque Nacional, ACV-CD, Brigadas e ACVs. Aliamos à isso, o pedido para que todas as brigadas voluntárias sejam reconhecidas de Utilidade Pública Estadual pelos serviços prestados, inclusive para facilitar o repasse de recursos. Infelizmente, nenhuma das propostas foi acatada, e o Comitê, por outro lado, não apresentou nenhuma alternativa.

Aliado a este fator, a região passa por um período de seca prolongado, e este fenômeno é um forte indicador para um plano emergente de prevenção em uma zona turística que todo ano tem o mesmo problema ambiental, geralmente de agosto a novembro, período histórico de estiagem na Chapada. Mas, este ano, a estiagem vem de longos meses. Enquanto as brigadas denunciavam o risco, as autoridades esperaram acontecer, realizando somente tímidas ações preventivas.

Após uma semana de incêndios, conseguimos reforços bem-vindos. Mas questionamos a inoperância do estado frente ao maior inimigo da Chapada Diamantina: o fogo. Para tentar conter este problema, é que as brigadas tentam convencer as instituições representativas do poder de estado sobre a necessidade de se fazer cumprir propostas que minimizariam em muito os danos irreversíveis a curto e médio prazos.

Sendo assim, convocamos toda a sociedade, amigos e moradores da Chapada Diamantina, a formalizar protestos por uma Chapada livre da indústria do fogo, que aguarda a propagação dos focos para providências pontuais. Esta prática vem onerando o estado brasileiro no âmbito social, econômico e ambiental. Ao invés desta prática, e como todos já sabem como funciona a dinâmica da questão "fogo" na Chapada Diamantina, que seja priorizada a prevenção e planos de combate efetivo para a época de estiagem na região.

Nossos esforços serão sempre dedicados à sobrevivência da Chapada Diamantina, dentro de nossos limites. Os resultados poderão ser melhores, em uma prática preventiva dentro de uma operação compartilhada através da criação e funcionamento do Subcomitê de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais da Chapada Diamantina.


Chapada Diamantina, 25 de outubro de 2012 

Associação dos Condutores de Visitantes da Chapada Diamantina - ACV-CD
Homero Vieira dos Santos - Presidente 
Andaraí - BA


Jaime Macedo Matos Neto - Assessoria de Comunicação
Morro do Chapéu - BA

Antropólogo guarani-kaiowá analisa relação dos índios com sua terra


O Globo - 27/10/2012

Por Tonico Benites* 


O cone sul do estado de Mato Grosso do Sul apresenta hoje a maior população indígena do Brasil. São aproximadamente 46 mil indivíduos, que pertencem às etnias guarani e kaiowá e estão distribuídos em uma área de 30 mil hectares, em territórios em conflito com tamanhos variados e em diferentes condições de regularização fundiária (demarcadas, identificadas ou em acampamentos aguardando reconhecimento do Estado). 

No que diz respeito aos territórios tradicionais guarani e kaiowá reivindicados pelos indígenas contemporâneos, as fontes históricas e arqueológicas assinalam claramente o fato de que o atual cone sul do Mato Grosso do Sul é, através de séculos, território de ocupação tradicional dos guarani-kaiowá. Porém, atualmente, eles demandam somente uma parte dos territórios antigos, localizados basicamente à margem de cinco rios: Brilhantes, Dourados, Apa, Iguatemi e Hovy. 

O modo tradicional de ocupação do espaço pelas famílias extensas ou comunidades guarani e kaiowá é difuso no território, morando fundamentalmente na proximidade de fontes de água boa (minas d’água, córregos, rios etc.), que permitiam o assentamento destes indígenas. Além disso, estes lugares possibilitavam o desenvolvimento das atividades pesqueiras, de caças e coletas. Estes locais vitais, então, recebiam uma nomenclatura na língua indígena, a qual passava a denominar o território ou a região onde cada grupo macrofamiliar habitava. Outros acidentes geográficos e/ou marcos (físicos ou simbólicos) da paisagem, assim como espaços fontes de recursos (como caça e coleta), ou nomes de chefes/lideranças indígenas que ali viveram no passado foram igualmente utilizados para denominar essas regiões. 


Terra indígena foi considerada “devoluta” pelo governo 
A ligação com a terra (em guarani, “yvy“), assim, é vista por esses indígenas, por um lado, como tendo uma fundamentação econômica, de desenvolvimento de atividades que permitem a sobrevivência dos guarani e kaiowá, e, por outro, com um forte sentimento religioso de pertencimento à terra, fundamentado em termos cosmológicos, sob a compreensão de que eles foram destinados, em sua origem como humanidade, a viver e a cuidar desse território específico. 

Neste sentido, é possível compreender que os territórios tradicionais denominados Tekoha Guasu, localizados à margem dos cincos rios mencionados, correspondem a um conjunto de várias microrregiões internas dos amplos territórios tradicionais, cada um deles situado na margem dos rios correspondendo à origem de um determinado grupo de parentesco macrofamiliar guarani e kaiowá. O que vem, portanto, a ser concebido como a Tekoha Guasu é a totalidade dessas microrregiões territoriais. 

Por conta do processo histórico de colonização oficial dos territórios guarani e kaiowá pelo governo do Brasil, aproximadamente 15 mil indígenas guarani e kaiowá que hoje reivindicam seus antigos territórios encontram-se residindo às margens de rodovias federais nas pequenas áreas retomadas; além disso, 30 mil se assentam nas reservas ou postos indígenas, que são áreas oficialmente demarcadas (denominadas também Aldeias Indígenas). 

Desde 1915, quando foram instituídas oito reservas indígenas, até os anos 1980 — com forte ênfase na década de 1970 —, o que se assistiu no atual Mato Grosso do Sul foi um processo de expropriação de terras de ocupação antiga guarani e kaiowá, em favor de sua titulação privada. As terras indígenas foram consideradas “terra devoluta” e terra vazia, por isso o território antigo se tornou legalmente objeto de comércio do governo. 

Os relatos de indígenas idosos, a partir da memória de seus anciãos, além de farta documentação do governo do Brasil (através do Serviço de Proteção aos Índios) revelam a presença guarani e kaiowá difusa nas margens dos cincos rios no cone sul do estado, em espaços territoriais específicos. Além disso, as fontes documentais mencionadas demonstram que a retirada ou expulsão desses indígenas têm sido efetuadas por meio de forças violentas e de aliciamento e convencimento. Nessa operação histórica de expulsão de indígenas guarani e kaiowá, a partir de 1970, se envolveram os novos proprietários não indígenas, agentes políticos e militares que passaram a operar no sul do Mato Grosso do Sul, contando inclusive com a participação de funcionários do Estado, do antigo SPI e, posteriormente da Funai, conforme relatórios oficiais e a literatura historiográfica. 

Diante disso, as iniciativas de articulação e luta de várias lideranças guarani e kaiowá para retornar aos antigos territórios começaram a despontar no final da década de 1970. Os grandes rituais religiosos — jeroky guasu — foram fundamentais para os líderes políticos e religiosos se envolverem nos processos de reocupação/retomada e recuperação dos territórios tradicionais específicos. 

Até hoje eles se sentem originários destes espaços reivindicados. Nos últimos 30 anos, tendo sido privados da possibilidade de se reassentar nos territórios tradicionais e sobreviver conforme seus usos, costumes e crenças, passaram a investir nas táticas pacificas de recuperação das terras. 

Em relação ao significado vital do território para o povo guarani-kaiowá, é preciso observar em detalhe o relacionamento desses indígenas com os seres invisíveis/guardiões (protetores/deuses) da terra, manifestado através de cantos e rituais diversos dos líderes espirituais. A forma de diálogo e respeito com esses seres humanos invisíveis marca uma diferença muito importante em relação à percepção e ao uso dos recursos naturais da terra. 


Pacto irrenunciável com o território 

Os guarani e os kaiowá têm conexão direta com os territórios específicos, consideram-se uma família só, dado que o território é visto por estes indígenas como humano. Eles possuem um forte sentimento religioso de pertencimento ao território, fundamentado em termos cosmológicos, sob a compreensão religiosa de que foram destinados, em sua origem como humanidade, a viver, usufruir e cuidar deste lugar, de modo recíproco e mútuo. Portanto, eles podem até morrer para salvar a terra. Há um compromisso irrenunciável entre os guarani e kaiowá e o guardião/protetor da terra, há um pacto de diálogo e apoio recíproco e mútuo: os guarani e kaiowá protegem e gerenciam os recursos da terra e, por sua vez, o guardião da terra vigia e nutre os guarani e kaiowá. 

A compreensão destes espaços territoriais tem uma concepção cosmológica sui generis, e uma fundamentação cosmológica e histórica que se enraíza em tempos passados e perdura até o presente. Dessa forma, a luta pela recuperação das antigas áreas ocupadas pelos guarani-kaiowá é realizada por meio de reocupação ou retorno pacífico ao território, caracterizado como um movimento pacífico e político-religioso exclusivo. Isto é, trata-se de uma articulação política comunitária e intercomunitária de lideranças religiosas guarani e kaiowá. 

Na Aty Guasu, são discutidas religiosamente e tomadas decisões vitais que afetam a todos, como sobre a recuperação e retomada pacífica de parte dos territórios antigos, por exemplo. A Aty Guasu é definida como uma assembleia geral realizada entre as lideranças políticas e religiosas guarani e kaiowá a partir do final de 1970. Ela é considerada o único foro legítimo de discussão religiosa e decisão articulada dessas lideranças políticas e religiosas. 

Apesar de violências anunciadas contra suas vidas, o movimento pacífico de guarani e kaiowá contemporâneos para recuperar os territórios se encontra em evolução, com uma articulação em rede cada vez maior entre lideranças reivindicantes de seus territórios tradicionais tekoha guasu localizados nas bacias do cone sul de Mato Grosso do Sul. 


*Tonico Benites é guarani-kaiowá, mestre e doutorando em Antropologia Social pela UFRJ

MARINA SILVA - Fato e opnião



Há um pensamento arrogante, derivado de um positivismo rudimentar, que prega a superioridade dos fatos objetivos sobre as opiniões, consideradas meras suposições subjetivas. Aí esconde-se uma esperteza: os fatos são cuidadosamente selecionados para comprovar uma opinião já formada com base em interesses, estes, sim, muito objetivos.
Os que contrariam tais interesses e contestam a escolha dos fatos são levianamente desqualificados como ideológicos e radicais. No debate sobre o ex-Código Florestal, cabe perguntar aos idólatras dos "fatos":
1) É fato que o agronegócio (cuja importância na macroeconomia e no comércio internacional ninguém nega) não é que coloca "comida na mesa" do povo brasileiro, que 60% da cesta básica é garantida pela agricultura familiar, também responsável por 7 em cada 10 empregos no campo?
2) É fato que existem mais de 140 milhões de hectares de áreas degradadas, improdutivas ou com baixíssima produtividade e que é possível dobrar a produção agrícola e o rebanho bovino sem desmatar novas áreas, bastando agregar tecnologia simples e disponível?
3) As propriedades com menos de quatro módulos fiscais (na Amazônia são 400 hectares) nem sempre coincidem com a agricultura familiar, que muitas são agregadas à pecuária ou às empresas agrícolas?
Se assim for, as reformas no código perdem a justificativa de defender os pequenos agricultores e, de fato, atendem ao interesse de grandes empresas. Mesmo porque, entre as mudanças feitas, há fatos que vêm sendo omitidos.
O art. 67 dispensa imóveis menores que quatro módulos fiscais de recuperar reserva legal desmatada até julho de 2008. Isso é anistia. O Ipea calcula que 3,9 milhões de hectares deixarão de ser recuperados.
O art. 63 abre várias exceções que anistiam desmatamento ilegal em topos de morro e encostas, e o art. 61-A oferece as mesmas bondades, dependendo do tamanho do imóvel, a quem desmatou ilegalmente margens de rios, nascentes, olhos d'água, lagos e veredas.
Quem não foi anistiado, ainda pode usar 50% de plantas exóticas (comerciais) para recuperar áreas degradadas (artigos 61-A 13 e 66, parágrafo 3º).
Nos mangues e apicuns, as áreas degradadas não serão recuperadas e novas áreas podem ser ocupadas com criação de camarões e loteamentos urbanos (art. 11-A). A mata ciliar deixa de ser contada a partir do ponto de cheia do rio e muda a definição de "topo de morro", reduzindo, em alguns casos, até 90% da área protegida.
A liberdade de pensamento é uma das maiores conquistas de nossa preciosa democracia. O código deixa de ser florestal, torna-se um sistema de concessões para a ocupação predatória de quem quer aumentar terras em vez de agregar tecnologia. Vai na contramão do século 21 e é um retrocesso.

Folha de S.Paulo, 26.10.2012

IMPRENSA MARROM DE JACOBINA - VENDE IMAGEM FALSA



Segundo a Wikipedia notícia "Marrom" é uma expressão pejorativa utilizada para se referir a veículos de comunicação (principalmente jornais, mas também revistas e emissoras de rádio  e TB) considerados sensacionalistas, ou seja, que buscam elevadas audiências e vendagem através da divulgação exagerada de fatos e acontecimentos, sem compromisso com a autenticidade.

Ganham até vendendo o fogo que está acabando com as serras de Jacobina. Compartilhei a foto do colega de luta na cidade de Morro do Chapéu o Dr. Clmente Fernandes, que por sua vez já tinha compartilhado do Refúgio da Serra Pousada na Chapada Dimantina que também está se ardendo em fogo.

Como fiz outras fotos da serras de Jacobina pegando fogo e outros sites sérios me passaram e-mail solicitando a divulgação das fotos a imprensa "Marrom" de Jacobina fez uma matéria em seu site usando a foto da Chapada Diamantina que compartilhei do Face dizendo que é uma foto do incêndio das serras de Jacobina e ainda ganha dinheiro e crédito repassando a foto para o Bahia Notícia que é  o maior site em acesso do norte nordeste e que com o seu profissionalismo quando não viu o crédito da foto usou (Foto: Notícia Livre/Reprodução).

Veja a primeira foto compartilhada por mim, a segunda foto no site de Jacobina e a terceira foto no Bahia Notícia.

Será que eles reproduz a nossa matéria como forma de pedir desculpas aos seus leitores e do Bahia Notícias de divulgarem dizendo que são das serras de Jacobina sem ser?

Foto: Notícia Livre/Reprodução

Bahia: Fogo destrói vegetação nas serras de Jacobina há cinco dias

Serras de Jacobina estão em chamas há cinco dias
Há cinco dias as serras que circundam a cidade de Jacobina, na Região Noroeste da Bahia, estão sendo castigadas por um incêndio de grandes proporções que atinge uma vasta área entre os municípios de Jacobina, Caém e Mirangaba. A queimada, que começou na segunda-feira, está descontrolada por causa do tempo seco, calor e fortes ventos.
Na terça-feira, parte do incêndio foi controlada, mas um dia depois novos focos apareceram, se espalhando numa extensa faixa de aproximadamente 25 quilômetros.  Além das serras ao redor da cidade, as queimadas também destroem a vegetação em áreas de preservação como o Parque da Macaqueira e Estação Bandeirantes.
Nesta sexta-feira (26), uma equipe do Corpo de Bombeiros chegou a cidade para ajudar as brigadas voluntárias que há cinco dias tentam combater às chamas,  porém, sem muito êxito em razão da falta de equipamentos mais adequados, além da pouco quantidade de agentes.
Hoje pela manhã, o Major Brandão Júnior, comandante da 24ª Companhia da Polícia Miliar de Jacobina, além e acionar o Corpo de Bombeiros de Juazeiro,  mobilizou vários policiais para atuar no combate ao fogo.
Segundo Brandão Júnior o fogo poder ter origem criminosa. Ele acredita que um incendiário tenha ateado fogo numa área de terra que fica na divisão dos municípios de Jacobina e Caém. 




Sexta, 26 de Outubro de 2012 - 13:30

Jacobina: incêndio nas serras já dura cinco dias

Jacobina: incêndio nas serras já dura cinco dias
Foto: Notícia Livre/Reprodução
Um incêndio de grandes proporções, que já dura cinco dias, destrói a vegetação das serras que circundam a cidade de Jacobina, no noroeste da Bahia. A queimada começou na segunda-feira e, principalmente por causa do tempo seco, calor e fortes ventos, tomou conta de uma área de aproximadamente 25 kilometros, entre os municípios de Jacobina, Caém e Mirangaba. Nesta sexta-feira (26), uma equipe do Corpo de Bombeiros chegou na cidade para ajudar a equipe de voluntários que já tentava combater as chamas. De acordo com o Major Brandão Júnior, comandante da 24ª Companhia da Polícia Militar de Jacobina, o fogo pode ter origem criminosa. Ele acredita que o incendiário tenha cometido o crime numa área de terra localizada na divisão dos municípios de Jacobina e Caém.

Água, uma commodity ?


Especialista norte-americano alerta, em artigo na revista Nature, para o risco de o recurso natural se tornar uma mercadoria negociada globalmente. Processo seria motivado pela escassez cada vez maior e poderia dificultar ainda mais o abastecimento de regiões pobres

Max Milliano Melo
O termo inglês commodity é utilizado para designar uma série de produtos que, independentemente de onde e quando são produzidos, mantêm mais ou menos a mesma qualidade, e seu preço pode ser negociado em escala global. É o caso do petróleo, do ferro, da soja, do trigo e do café, entre outros, comprados e vendidos em bolsas de mercadorias e futuros. Em breve, essa lista deve ganhar um novo e importante item: a água. Pelo menos é o que prevê um artigo publicado na edição de hoje da revista científica Nature. Segundo o texto, o movimento seria reflexo da escassez cada vez maior do bem natural, e as consequências, desastrosas.
Para o autor, o pesquisador Frederick Kaufman, da City University of New York, nos Estados Unidos, a mercantilização pioraria ainda mais a falta do líquido em inúmeras regiões do globo. “Seria um desastre para os mais pobres do mundo, que já sofrem sem poços, sem água encanada, sem sistemas modernos de irrigação”, afirma. “A água financeirizada teria um efeito esmagador, tornando a pobreza cada vez mais difícil de eliminar e elevando o número total de miseráveis em todo o mundo”, completa.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), atualmente cerca de 1,4 bilhão de pessoas têm dificuldade de acesso à água potável, seja por inexistência de sistemas de encanamento, por problemas climáticos ou pela falta de tecnologia para extrair o recurso do solo. Além deles, pelo menos 2,3 bilhões de homens e mulheres não têm acesso a saneamento básico. Isso significa dizer que 3,7 bilhões de seres humanos, mais de metade da população mundial, enfrentam algum tipo de dificuldade severa em relação à água. E esses números não incluem, por exemplo, quem sofre com o racionamento, comuns em grande cidades do país nos períodos de estiagem.
Um exemplo do que pode acontecer caso haja o aprofundamento da mercantilização da água é dado pelo mercado de commodities alimentares como a soja, o milho e o trigo. Os preços desses produtos atingiram no último ano suas máximas históricas. “Um sistema global de preços de alimentos beneficiou os agricultores. Já os padeiros e consumidores foram submetidos a derivativos financeiros criados por bancos de investimento”, aponta Kaufman. Ou seja, na matemática mercadológica, especuladores ganham e o consumidor final sai perdendo.
Uma das causas é a dificuldade dos governos em regulamentar este filão de mercado. Nos Estados Unidos, um pacote de medidas para evitar especulação com alimentos acabou na Justiça, onde está parado há anos, segundo o pesquisador, por pressão dos mercados que ganharam mais poder de manobra depois que a crise mundial minou empregos. “É extremamente difícil regular o negócio de commodities globais, que movimenta US$ 648 trilhões em todo o mundo”, alerta o norte-americano.
Sem medida
A possibilidade de mudança do status da água de bem natural para produto negociado em bolsa é fruto, em grande parte, da exploração excessiva do bem, que vem se tornando tão escasso quanto ouro e petróleo. “Os aquíferos, relativamente, são poucos e estão sendo explorados. Eles, infelizmente, são fundamentais para a agricultura em uma série de países”, explica Tom Gleeson, da Universidade de Montreal, no Canadá. “Esses são recursos críticos que precisam de uma melhor gestão”, completa o especialista.
Ele lembra ainda que os efeitos da exploração excessiva da água, apesar de graves, são pouco mensuráveis pelos cientistas. “O efeito para o abastecimento é imprevisível”, afirma. Gleeson, no entanto, diz não ser possível determinar exatamente quanto uma ação que dificulte o acesso à água seria catastrófica, tanto para o usuário doméstico quanto para a agricultura.
A primeira vez que o direito à exploração passou a ser negociada como um produto mercadológico foi em 1996, na região da Califórnia Ocidental, nos EUA. A região de 2 mil quilômetros quadrados movimenta mais de US$ 1 bilhão em alimentos por ano, sendo o principal distrito de agricultura irrigada dos país. Por lá, há 16 anos, foi introduzido um sistema de comércio eletrônico em que os agricultores locais podem negociar entre si o direito de uso da água subterrânea e de superfície, que, assim como no Brasil, é regulamentado — e limitado — por lei. De lá pra cá, a iniciativa cresceu. Apenas entre 2010 e 2011, o mercado de água cresceu 20%, atingindo em todo o mundo o valor de US$ 11,8 bilhões.
Apesar dos números vultosos, Frederick Kaufman ainda vê a possibilidade de evitar o problema. “A transformação da água em uma commodity não é inevitável. Nós podemos pará-la antes que comece”, afirma. Ele defende uma regulamentação do setor, especialmente nas Américas e na Europa, onde o processo está mais acelerado. O recurso, defende, deve continuar sendo um bem universal. “Há forças que empurram para a regulamentação, mas há forças opostas a favor dos negócios de derivados. Ainda não existem ‘limites de posição’ para os banqueiros quando se trata de comida (e água)”, conclui.

Carminha e a seca no Nordeste


Heitor Scalambrini Costa

Professor da Universidade Federal de Pernambuco



É reconhecido não só no país a qualidade das telenovelas brasileiras que tem grande aceitação em várias partes do mundo como produto de entretenimento. 

A novela “Avenida Brasil”, que teve em seus últimos capítulos recorde de público (em torno de 80 milhões de pessoas), foi recentemente a grande sensação nacional. Estima-se que de cada 3 televisores ligados, 2 estavam sintonizados na novela. Nos dias que antecederam o término do folhetim o assunto da grande mídia foi à abordagem diária com relação ao destino dos personagens. O horário de exibição das 21 às 22 horas, era sagrado, e tudo parou no país. O mais importante era saber quem matou Max? O que acontecerá com Carminha? E Tufão?  Obviamente este interesse maciço da população trouxe enormes benefícios financeiros para a rede de televisão que transmitiu a novela. Fala-se que ao longo dos meses de apresentação dos capítulos (março a outubro), mais de 1 bilhão de reais foram arrecadados com os anúncios feitos no horário nobre.

Mas o que tem haver este interesse midiatico pela telenovela com a seca no nordeste brasileiro que é noticiada desde os tempos do Império, e que traz tantas desgraças aos brasileiros e brasileiras da região?

A atual seca que atinge pouco mais de 15% do território brasileiro não é comum, é a pior no Nordeste das últimas três décadas. De acordo com especialistas, é mais intensa e acontece de 30 em 30 anos, em média. Assim como a seca deste ano, outras também marcaram a história do povo nordestino. As mais famosas foram as de 1983/84, 1935 e 1887, que provocaram a morte de quase 500 mil nordestinos. Segundo números do Ministério da Integração Nacional, 525 municípios da região estão em situação de emergência, e outros 221 sofrem efeitos da estiagem e aguardam avaliação da Secretaria Nacional de Defesa Civil.

Todavia a seca se repete ano a ano e tem causa natural. Daí não se pode combatê-la e sim conviver com ela. A carência de chuvas é típica de regiões semi-áridas, e tem se intensificado pelos danos ambientais e a total desproteção do rio São Francisco e de sua nascente, além do descontrole no uso da água na irrigação. São outras partes dessa equação desastrosa que traz tanto sofrimento e morte para as populações mais pobres.

A indústria da seca e o coronelismo ainda resistem à custa de tantas vidas perdidas. Sob novos nomes e novos programas, o que vemos é a continuação de um processo histórico com a perpetuação do sofrimento  e da miséria a favor do lucro de alguns. 

Em particular, neste contexto, vejamos o caso de Pernambuco. O Estado que tem se destacado pelos elevados índices de crescimento econômico, e pela propaganda exacerbada mostrando uma administração estadual moderna, com uma gestão eficiente e diferenciada de seus governantes; esconde a incompetência e a falta de interesse e compromisso político para dar inicio ao fim do flagelo que atinge hoje 121 municípios (dos 185 existentes) que estão em situação de emergência. Segundo a assessoria de Comunicação Social da Casa Militar, existem 1.184.824 pernambucanos e pernambucanas (população total próxima a 8 milhões) afetadas pela estiagem. Dos 121 municípios atingidos, 59 são do Agreste, 56 do Sertão e 6 da Zona da Mata.

As medidas tomadas pelo governo federal são as mesmas de outros anos, liberação de recursos (anunciou da liberação de 2,7 bilhões de reais pelo Ministério de Integração Nacional, que nunca chega no destino final), distribuição de cestas básicas, carros pipas, etc, etc,... Quanto ao governo estadual foram anunciadas medidas paliativas, populistas, verdadeiras “esmolas” comparados aos investimentos públicos e privados de mais de 50 bilhões de reais que estão sendo investidos no Complexo de Suape. Infelizmente estes anúncios oficiais são insuficientes, pois faltam medidas de caráter definitivo. São “oportunistas” e contam com o apoio de lideranças de agricultores e representantes de organizações da sociedade civil cooptados, que se calam frente à tragédia recorrente, tornando verdadeiros cúmplices do massacre destas populações invisíveis aos olhos da sociedade.

Mas o que tem haver a telenovela com a seca? Bem, ao meu ver é a mobilização social em torno de um tema que diz respeito à vida real das pessoas é que poderá apontar na direção da solução deste problema secular. Na telenovela como visto na semana passada, houve uma incrível mobilização das pessoas, se reunindo em família, entre amigos, em bares, restaurantes para assistirem pela “telinha”, o destino dos personagens do drama fictício. Mas porque não mobilizar para acabar em definitivo com este drama da vida real? Não somente doando alimentos, e roupas, que muitas vezes não chegam aos que necessitam, mas pressionando diretamente os governantes, os políticos. Discutindo, estimulando o debate sobre o drama da seca, nas rádios, televisões, blogs, jornais, nas entidades de classe, pelos artistas, jogadores de futebol, pelo povo. Uma certeza que existe é que para acabar definitivamente com o flagelo da seca só depende da mobilização popular.  

RIO GORUTUBA: EM PLENA SECA, IRRIGAÇÃO E AGRONEGÓCIO DEIXAM SEM ÁGUA FAMÍLIAS QUE MAIS PRECISAM

Janauba - MG (foto de Almacks Luiz)

Como se já não bastasse o grande período de estiagem que assola a região, o uso indiscriminado da água por fazendeiros e empresários está acabando com a água do Rio Gorutuba e deixando famílias que mais precisam sem água. Além do depoimento chocante das famílias agricultoras, os registros fotográficos comprovam a situação crítica. São inúmeras pessoas que estão sendo prejudicadas pelo aumento significativo e abusivo principalmente do plantio de bananais. É só percorrer o rio para ter uma noção da gravidade.

Irrigação, barragens, bombas d’água são algumas das formas de uso indiscriminado que estão comprometendo a saúde do rio. A contradição se dá pela presença da Barragem do Bico da Pedra que foi construída com um dos objetivos principais para perenizar o rio, mas numa época como essa de grande necessidade, esse investimento público tem servido para beneficiar os mais ricos e empresários do ramo que desfrutam com abundancia do bem natural.

A seca não é novidade no Norte de Minas, mas o contraditório é ver as grandes áreas verdes no perímetro de irrigação e em algumas grandes fazendas, e ao mesmo tempo sofrimento das famílias que estão a beira do maior rio da região. Nos últimos anos, o plantio de bananeiras aumentou significativamente. Segundo informações dos vizinhos, um único empresário possui cerca de 6 bombas puxando água do rio para molhar os mais de 100 hectares de banana. As famílias do Assentamento União nem sabem mais quem recorrer, pois tem água na barragem, no perímetro de irrigação e em outras fazendas, só falta é ser melhor distribuída, afirmam os assentados. Localizado às margens do rio Gorutuba, no município de Porteirinha, as famílias assentadas não tem nenhuma opção. Estão tendo água para beber graças a carros pipas do município vizinho de Pai Pedro, pois Porteirinha não disponibilizou. Inclusive, o prefeito da cidade é um dos fazendeiros que possuem barragem no rio que impede as águas de seguir seu leito.

As lideranças do Assentamento já recorreram a diversos órgãos e nenhuma resposta foi dada. O Ministério Público de Janaúba, os encaminhou para Porteirinha e no município, o presidente do Codema e funcionário da Prefeitura Municipal afirmou que não adianta nada, pois se trata de lutar contra os grandes, e que os assentados deveriam procurar assistência junto ao Igam. Porém, “se as famílias não tem nem água, quanto mais tempo e dinheiro para irem fazer a denuncia em Montes Claros”, sede do Instituto Mineiro, afirma uma das lideranças.

Pode até colocar fogo dentro do rio Gorutuba que não tem uma gota de água nem para remédio”, afirma outra liderança do Assentamento Califórnia, que fica no Quilombo do Gorutuba no município de Pai Pedro.

A tradicional festa em Jacaré Grande, no município de Janaúba também ficou prejudicada. Como era de costume há centenas de anos, quando o calor aperta no dia 07 de setembro, muitos participantes da festa iam para o Rio Gorutuba banhar. Nesse ano, o rio que é um importante sub-afluente do Rio São Francisco, não tinha nem uma gota de água.

Essa contradição já está causando revolta também nas redes sociais. Diversas fotos do rio em situação de calamidade estão sendo postadas pelos internautas para denunciar a sociedade esse descaso com o meio ambiente e com as famílias agricultoras que mais precisam. O fato da barragem e desses projetos serem criados com recursos públicos levanta ainda mais a discussão pois pelo que se vê, os maiores beneficiados tem sido os grandes empresários e fazendeiros. A população que sofre, não tem a quem recorrer e entrega a Deus que mande chuva, já que a água que tem armazenada com recurso público, eles não tem direito.

CONTROLE SOCIAL NO PIAUÍ: DIFÍCIL TAREFA DE INTEGRAÇÃO NAS ATIVIDADES DE CRIAÇÃO DO COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARNAÍBA


De alguns anos para cá, muito se tem ouvido falar  em controle social no país. A
problemática do controle social é apoiada em três questões básicas: o que é o controle social?
Como é exercido? E se as organizações existentes no Brasil e no Piauí teriam condições de
exercer o controle social nas ações a serem desenvolvidas na unidade de planejamento – bacia
hidrográfica do rio Parnaíba?

 As respostas a essas questões é que vão nortear fundamentalmente a aplicação dessa
terminologia que, inclusive, é parte integrante de leis e decretos. Os melhores exemplos disso
são as leis: 9.433/97 (Política Nacional de Recursos Hídricos), a 12.305/10 (Política Nacional de
Resíduos Sólidos) e a 11.445/07 que estabelece as Diretrizes Nacionais para o saneamento
Básico e também seu Decreto regulamentador nº 7.217/10 que deverão ser implementadas
nas bacias hidrográficas.

 Para se ter uma ideia do problema no setor de saneamento básico num futuro bem
próximo, a lei nº 11.445/07 condiciona a liberação de recursos financeiros para o saneamento
básico, a partir de 2014, à instituição de uma lei  estadual que determine a participação do
controle social nos serviços de abastecimento público e esgotamento sanitário. Na gestão de
recursos hídricos, a lei 9.433/97 estabelece um sistema integrado, participativo e
descentralizado no gerenciamento hídrico, com a participação dos atores locais – órgãos
públicos, sociedade civil e usuários dos recursos naturais – visando o desenvolvimento
sustentável de nossas bacias hidrográficas.

 Mas, afinal, o que é o controle social? De acordo com a Controladoria Geral da União,
“o controle social é a participação da sociedade no acompanhamento e verificação das ações
da gestão na execução das políticas públicas, avaliação dos objetivos, processos e resultados.
O controle social das ações dos governantes e funcionários públicos é importante para
assegurar que os recursos sejam bem empregados em benefício da coletividade”.

 Para o saneamento básico, a lei nº 11.445/07, no parágrafo 3º do artigo 4º, define
controle social como sendo o “conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à
sociedade civil informações, representações técnicas e participações nos processos de
formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de
saneamento básico.


É interessante notar que, pelas citadas leis, o controle social, no saneamento básico,
no meio ambiente e nos recursos hídricos pode ser exercido tanto na definição da política, no
planejamento e na avaliação dos serviços.

 Na atualidade brasileira e piauiense, o Ministério Público Federal e Estadual tem
condições de exercer o controle social. “Eu, Avelar Damasceno Amorim, considero a atuação do MP um fenômeno presente e saudável”, porque tem respaldo jurídico – fiscalizadores das
leis – e credibilidade das partes integrantes do sistema de gerenciamento hídrico e ambiental.
 Recentemente foi realizada uma reunião no auditório do CREA-PI, no dia 02/05/2012
(quarta feira) às 8:00 horas, onde foram discutidos diversos assuntos, sendo destaque a
composição tripartite – ÓRGÃOS PÚBLICOS, SOCIEDADE  CIVIL E USUÁRIOS DOS RECURSOS
HÍDRICOS -  da Comissão Interinstitucional Pró-Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Parnaíba,
mediada pela Justiça Federal e Ministério Público Federal. Na oportunidade foi aprovada a
seguinte representação institucional dos atores locais:

I- Representação dos órgãos públicos – SEMAR, SEMAM, IBAMA, CODEVASF;
II- Sociedade civil – CREA-PI, OAB-PI, FURPA E FUNDAÇÃO VELHO MONGE;
III- Usuários dos Recursos Hídricos– AGESPISA, FIEPI, FAEPI, CHESF.


Essas entidades representativas dos atores locais da bacia hidrográfica do rio Parnaíba,
com a missão de envolver no processo de mobilização social, as entidades ligadas aos órgãos
públicos, sociedade civil e usuários da água, dos Estados do Piauí, Ceará e Maranhão,
participaram no dia 21/05/2012 de um encontro com a bancada de deputados federais e
senadores no auditório do CREA-PI, onde foram discutidas as políticas públicas e as etapas de
criação do citado comitê. Esse encontro viabilizou os entendimentos com a ministra do meio
ambiente, Isabela Teixeira, também presidenta do Conselho Nacional dos Recursos Hídricos –
CNRH. Na oportunidade a mesma falou que daria todo o apoio e mobilizaria os governadores
dos citados estados, desde que a comissão mobilizasse as entidades ligadas à sociedade civil,
usuários de recursos hídricos e órgãos públicos visando à criação do CBH Parnaíba.
 Também, após a reunião acontecida em Brasília o representante da
CONFAEAB,

Avelar Damasceno Amorim enviou e.mails agradecendo a participação
da OAB-PI, CREA-PI, SEMAR, CREA-PI, CREA-MA, FONASC, SRHU/MMA,
ANA, SRH-CE, SRH-MA, AGESPISA, SRH/SEMA, CONERH e FÓRUM DOS
CARAJÁS pela participação e contribuição nas discussões e entendimentos acontecidos
na reunião em Brasília, quando ficou acertado que a ANA com apoio da SRHU/MMA
daria apoio para a realização de um seminário em Teresina-PI nos dias 20 e 21/11/2012.
Na oportunidade foi destacada a forma como foi tratada na mesa de negociação entre
governo e sociedade civil com destaque para o Secretário de Recursos Hídricos e Meio
Urbano e o presidente da Agência Nacional das Águas que pediram maior entendimento
sem holofotismo entre os segmentos que comporão o Comitê de Bacia Hidrográfica do
rio Parnaíba. Os três estados foram bem representados deixando à certeza que será
possível no futuro próximo a adoção nos Estados do Piauí, Ceará e Maranhão de um
modelo de gestão integrado, participativo e descentralizado sem estrelismo político
partidário.

 É um tema complexo para os gestores públicos piauienses e, talvez, por isso ainda não
houve entendimentos ao longo desses 12 (doze) anos de aprovação da nossa lei estadual (lei
nº 5.165/00). A Secretaria Estadual de Meio ambiente e Recursos Naturais – SEMAR, de
maneira teórica e muito lenta, pendeu, ora para justificar o andar de tartaruga na construção
de um modelo gerencial do meio ambiente e recursos hídricos para as bacias hidrográficas do
Estado do Piauí, ora para mostrar o controle do Estado na sociedade como garantia de
soberania administrativa.


Recentemente, o uso do controle social tem sido alvo de discussões em diversos
segmentos da sociedade piauiense, como sinônimo de  participação social na definição e
implementação das políticas públicas. Setores mais organizados do Piauí entendem que deve
haver maior participação da sociedade civil na definição das políticas públicas, com
envolvimento nas etapas de formulação do planejamento, organização e administração de
programas e de projetos, no acompanhamento das execuções e, principalmente, na definição
da alocação de recursos financeiros. CHEGOU A HORA!! GOVERNO E SOCIEDADE CIVIL NA
MESA PARA PLANEJAR, ORGANIZAR E ADMINISTRAR AS NOSSAS BACIAS HIDROGRÁFICAS.

*Avelar Damasceno Amorim

EngºAgrºMSc. Especialista em Gestão de Meio Ambiente e Recursos Hídricos; Ex-Presidente do
EMATER-PI; Ex-Superintendente do INCRA-PI; Diretor  de Meio Ambiente do SENGE-PI; ExCoordenador do PROÁGUA SEMI ÁRIDO e PNMA/SEMAR-PI - FONASC- REALPI




Síntese da história da transposição do Rio São Francisco, artigo de Cássio Borges


Tomada 

O Projeto da Transposição de Águas do Rio São Francisco para a Região Setentrional do Nordeste Brasileiro obedeceu, pelo menos, a cinco fases distintas até a sua elaboração definitiva, além daquela que coube ao cearense Marcos Antônio de Macedo, em 1847, visando perenizar o Rio Jaguaribe. Na década de 60, havia uma voz isolada do então deputado estadual Wilson Roriz, do Crato. Ele defendia a construção de um túnel de 242 quilômetros de extensão saindo de Lagoa Grande, em Pernambuco, até atingir Farias Brito, no Estado do Ceará. Segundo parecer do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), as tecnologias existentes à época inviabilizaram esta solução.
segunda fase foi quando o DNOCS, na década de 70, promoveu dois seminários para discutir a questão dos recursos hídricos da região nordestina, nos quais um dos temas centrais daqueles encontros foi a viabilidade técnica, econômica, social e ambiental daquele projeto. Nesses dois eventos, a ideia de trazer água do Rio Tocantins também foi vista como uma alternativa. Naquela época, não se levava em consideração a possibilidade da utilização da energia ociosa (offpeak) da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), que somente passou a ser considerada a partir de um trabalho de minha autoria publicado no Boletim Técnico do DNOCS (Fortaleza, 39(2):127 a 144, jul/dez. 1981) sob o título “Subsídios aos Estudos e Transposição de Vazões dos Rio São Francisco e Tocantins para o Nordeste”.
No “Resumo” desse trabalho, assim me expressei para caracterizar o aproveitamento “offpeak” (horário de tarifas reduzidas das 20:00 horas de um dia, até às 7:00 horas do dia seguinte) da energia produzida pela Chesf para realizar o processo de bombeamento das águas da transposição: “Em fevereiro de 1978, o DNOCS, preocupado com o problema das secas no Nordeste e, sobremodo,sensível aos problemas da escassez de água, numa visão futura, resolveu trazer a lume o velho sonho da ligação das bacias hidrográficas nordestinas, já que as técnicas neste domínio tendem a receber novos impulsos”. Sobre essas inciativas do DNOCS, a Revista Interior do Minter –Ministério do Interior, ano IV, Nº 24, mai/jun de 1978, na seção Atualidades, assim se expressou:
“Uma antiga e promissora ideia, por muitos considerada utópica, volta a repercutir entre técnicos em hidrologia de todo o País: a da transferência de águas entre bacias hidrográficas vizinhas. A possibilidade foi novamente discutida durante o Seminário de Recursos Hídricos, promovido pelo DNOCS no início deste ano, e deverá ser efetuada em profundidade a partir de 1979”.
A terceira fase da história desse importante empreendimento foi por iniciativa do Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), que, em 13        de janeiro de        1981, lançou os Editais de Concorrência para a realização dos “Estudos de Pré-Viabilidade para a Transposição de Águas dos Rios São Francisco e Tocantins para a Região Semiárida do Nordeste”. Segundo os termos de referência dessa licitação, a vazão a ser transposta do Rio São Francisco era da ordem de 800 m3/s durante os quatro meses de enchentes normais desse rio, retiradas do Reservatório de Sobradinho, o que daria um volume global anual de 8,294 bilhões de m3/ ano. Posteriormente, o DNOS resolveu reduzir a vazão a ser transposta para 280 m3/s, valor este que ficou na pauta das (acirradas) discussões no período de 1983 a dezembro de 1994. Portanto, durante quase dez anos, a única crítica que os estudiosos faziam ao mesmo era quanto à exagerada vazão de 280 m3/s que seria desviada do Rio São Francisco.
A quarte fase da história desse projeto ocorreu no segundo semestre de 1994. Na sede do DNOCS, em Fortaleza, durante quatro meses, segundo foi divulgado, foi elaborado um novo “Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco”, o qual consta de 228 volumes, sendo uma das principais alterações do projeto original do DNOS a redução da vazão de 280 m3/s para 150 m3/s.Também foi eliminada a construção do Açude Aurora, que barraria o Rio Salgado, afluente principal do Rio Jaguaribe por sua margem direita, o qual teria uma acumulação de 800 milhões de m3. O Açude Castanhão (6,7 bilhões de m3) foi indicado como uma opção ao Açude Aurora, previsto pelo DNOS em substituição ao Açude Castanheiro (2 bilhões de m3), em Lavras da Mangabeira.
Em todas essas discussões, eu era uma voz isolada que defendia a adução do Rio São Francisco de uma vazão de apenas 70 m3/s, que eu dizia nos meus artigos e no livro que escrevi “ser equivalente à vazão regularizada de cinco açudes do porte do Açude Orós”. O tempo, o Senhor da Razão, mostrou que eu estava correto, conforme o leitor verá na sequência da leitura desta história.
A quinta fase da etapa evolutiva da elaboração definitiva do Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco surgiu no primeiro mandato do Presidente Lula da Silva, tendo como Ministro da Integração Nacional o ex-governador do Estado do Ceará, Ciro Ferreira Gomes, que, brilhantemente, defendeu esse projeto e enfrentou, de frente, o forte “lobby” liderado pelo Governador de Sergipe, João Alves, e pelo Senador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, que se opunham, de forma deliberada, à construção desse empreendimento, não lhes faltando os mais descabidos argumentos para justificar, perante a opinião pública, os seus posicionamentos. Graças ao seu extraordinário poder de argumentação, conhecimentos técnicos, sociais e ecológicos de nossa Região, aí incluindo o próprio Vale do Rio São Francisco, o ex-ministro Ciro Gomesconseguiu os louros de uma vitória consagradora a nível nacional, que ficou bem caracterizado no debate, que durou quatro horas e meia, promovido pelo Conselho na Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, em Brasília, no dia 2 de maio de 2005. Diga-se de passagem, o auditório da OAB estava lotado de opositores a esse projeto, sendo o ex-ministro, corajosamente, o único presente defensor do mesmo.
No novo projeto concebido pelo Ministério da Integração Nacional, tendo à frente o ex-ministro Ciro Gomes, o referido empreendimento passou a ter dois eixos: o Eixo Norte e o Eixo Leste, este indo até a promissora cidade de Campina Grande, no Estado da Paraíba. Além desta alteração, na concepção do novo projeto a vazão de transposição passou a ser de apenas 26,00 m3/s com a possibilidade de ser aumentada para 127,00 m3/s, quando o “Reservatório de Sobradinho estiver cheio”. O novo projeto passou a ser denominado de Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional, não se descuidando o ex-ministro de também elaborar um projeto de revitalização da bacia do Rio São Francisco.

Nota do Blog

Antes de publicarmos este interessante depoimento do engenheiro Cássio Borges, pedimos a ele nos dar uma justificativa para o fato de este projeto da Transposição do Rio São Francisco inicialmente ter uma vazão de 800 m3/s,mas em sua versão final ser projetado para ter apenas 26,00 m3/s “com a possiblidade de ser retirada do Rio São Francisco até um máximo de 127,00 m3/s”. O referido técnico, que é especializado em recursos hídricos pelo Curso de Obras Hidráulicas da Escola Nacional de Engenharia e da Pontifícia Universidade Católica-PUC, ambas do Rio de Janeiro, nos disse que o problema é que os técnicos que lidam com esta questão da água em nossa Região e os dirigentes dos órgãos públicos responsáveis geralmente não têm a formação hidrológica suficiente para lidar com tema desta natureza. E acrescentou: poderemos ter um projeto de irrigação de um determinado açude cuja disponibilidade hídrica seja para 2.000 hectares, mas, por falta de suficiente conhecimento hidrológico dos seus projetistas, foi elaborado para 8.000 hectares. Acredite se quiser. Outro exemplo: um determinado canal pode ter sido projetado para transportar 26 m3/s quando o açude que lhe dá suporte só tem disponibilidade hídrica para, no máximo, 12 m3/s. No caso do Projeto de Integração do Rio São Francisco, o ex-ministro Ciro Gomes, diplomaticamente, para agradar a gregos e a troianos, deu uma solução salomônica para os inflamados e exacerbados debates : ele, que não é especializado em recursos hídricos, reduziu a vazão para 26,00 m3/s e, assim, atendeu aos opositores do projeto, ou, pelo menos, reduziu, substancialmente, a rejeição ao mesmo e decidiu pela construção de um canal para transportar 127,00 m3/s, “quando o Reservatório de Sobradinho estiver cheio”, que, de certa forma, também agradou àqueles que têm uma visão menos conservadora e mais temerária para a solução das questões hídricas de nossa Região. Esta foi a explicação que ouvimos do referido técnico.

Cássio Borges é Engenheiro aposentado do DNOCS

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COMENTÁRIOS
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
Os grandes projetos existentes em nosso país, nos quais têm como base o uso de recursos hídricos, não podem, em hipótese alguma, ser aprovados sem antes se conhecer, em profundidade, suas fontes supridoras de água. Nesse histórico do projeto da transposição do rio São Francisco essas questões ficam muito claras. Decidiu-se pelo projeto, sem, antes, se conhecer ou se atestar a veracidade do suprimento volumétrico do rio São Francisco. As vontades políticas iniciais previam a retirada, no rio, de cerca de 800 m³/s. Atualmente, o projeto prevê uma retirada média de 26,4 m³/s, podendo alcançar uma vazão máxima de 127 m³/s. Isso é uma brincadeira de extremo mau gosto e uma brutal falta de sensibilidade para com as questões da natureza. É o caminho mais curto de se exaurir, de vez, o Velho Chico, caudal que já não possui mais condições de, sequer, garantir a geração de energia para o desenvolvimento do Nordeste. Isso certamente trará consequências negativas para o futuro político da Nação. É viver para crer!

José do Patrocínio Tomaz Albuquerque - Consultor e Professor aposentado da Universidade Federal de Campina Grande
Prezado João Suassuna
O nosso amigo Cássio Borges, na sua síntese da história da transposição do São Francisco, apenas, se refere aos que, como ele, argumentaram em favor do Projeto Transposição do São Francisco. O Engº Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa, cearense, Inspetor do IFOCS por duas vezes, (órgão precursor do DNOCS), em conferência pronunciada em 28 de Agosto de 1913, denominada "O Problema das Secas", publicada no Boletim do DNOCS, Nº 6, Vol. 20, de Novembro de 1959, comemorativo dos 50 anos deste Departamento, a título de homenageá-lo, já se manifestava sobre o projeto de transposição. Disse ele sobre os estudos procedidos pelo IFOCS para conduzir água do São Francisco para o Ceará, no capítulo 8 - Soluções: "Não nos deteremos sobre o problema do São Francisco. Se a imaginação e o sentimento forem fatores predominantes quando se ventilar esse grande problema, poderemos talvez assistir a um grande desastre. Em virtude de um princípio elementar de irrigação, não se pode pensar em transportar um rio para fins agrícolas alheios, antes de satisfazerem necessidades ribeirinhas. Seria absurdo roubar à terra mais seca do País a garantia única de seu futuro, fazendo um rio perene galgar montanhas para lançar, a mais de 200 km de sertão ressequido, em uma região que delas não precisa, as sobras minguadas que se subtraíssem às grandes infiltrações e evaporações do trajeto." 
Esta é uma transcrição "ipsis literis", inclusive a parte sublinhada em itálico. Defendia o Dr. Arrojado Lisboa a Açudagem que se tornou realidade pela ação do DNOCS, com o Ceará sendo contemplado com mais de 18 bilhões de m3 acumulados em seus reservatórios superficiais, ainda não totalmente e corretamente aproveitados.
Diz ainda o nosso amigo Cássio que advogou a transposição de 5 açudes da dimensão de Orós, ou 70 m3/s, com base na capacidade de regularização daquele açude, de 14 m3/s, o que seria suficiente para resolver os problemas causados pelas secas no Semiárido do Nordeste. Já mostrei em outros debates, inclusive os mais recentes, divulgados pele REMA, que a irrigação adicional, no modelo hoje adotado pelo DNOCS e pela CODEVASF, não resolve nada. Vou transcrever a resposta que fiz às interpelações do Engenheiro Milton Emílio Vivan da VIVAN Engenharia sobre o assunto:
"Vejo que o colega resiste em aceitar o que, para nós outros, está muito claro: o alcance da Transposição diante da área agrícola afetada pela seca é mínimo. Não é nulo, mas é quase nada. É uma questão dimensional, de números. Ora, dos 26,4 m3/s, 20 (mais precisamente, 18,48 m3/s, correspondentes a 70% da vazão mínima transposta) serão destinados à irrigação, de cerca de 30.000 a 50.000 ha, área esta situada nas margens dos canais. Irriga-se hoje no Semiárido 1.275.000 ha (2, 76% da área de plantio do semiárido) e vem a seca, o quadro continua sendo o mesmo de priscas eras, ou pior. Irrigando-se, com a Transposição mais 50.000 ha (0,11%), o amigo acha que vai mudar, significativamente, alguma coisa? Pra mim, está claro que não.
Quanto ao abastecimento humano urbano, a solução é outra: substituir as fontes de abastecimento atuais, vulneráveis à ocorrência de secas, por outras fontes, robustas e resilientes ao fenômeno. E estas fontes existem em todas as bacias receptoras.
A seca afeta mesmo, de forma aguda e extensiva toda a área de plantio de cultivos de subsistência e de pasto natural. Estas (46.035.000 ha) não são o objetivo da Transposição. E nem poderia ser, mesmo com a vazão máxima, pois o modelo de irrigação adotado consumiria, não somente os recursos hídricos de todo o Semiárido, mas de todo o Nordeste, aí incluindo todo o potencial hídrico da bacia do São Francisco e o das bacias hidrográficas de suas áreas úmidas. E olhe que, ainda assim, por insuficiente para o atendimento dessa demanda nos 46.035.000 ha, precisar-se-ia importar água de outras bacias hidrográficas, como a do Tocantins. E as outras demandas, consuntivas e não consuntivas, como seriam atendidas? Uma quimera! Não haveria como, pelo menos dentro de um contexto econômico e financeiro normal.
Acrescento agora que, com 5 açudes tipo Orós (cerca de 4 vezes a vazão destinada à irrigação, 18,48 m3/s) a irrigação adicional poderia atingir 10% da área agrícola atingida pelas secas. E os outros 90%, ficariam da mesma forma, sujeita às inclemências das estiagens prolongadas. No São Francisco irrigam-se cerca de 350.000 ha. Mas, segundo o Caderno da Região Hidrográfica do São Francisco (ANA, 2006), 80% da população semiárida da região continua a depender das culturas de subsistência que continuam vulneráveis às secas, como acontece agora.
Finalmente, acho que o nosso amigo Cássio enche demais a bola do Ciro Gomes. Os contendores que se posicionaram contra a transposição não foram suplantados ou derrotados. Eles não foram considerados.

Abraços,

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