O descarte consciente dos medicamentos e os problemas causados pela destinação incorreta no meio ambiente



EcoD
Projeto do Instituto Ecodesenvolvimento
Adital

Entrevista sobre remédios
Joe Roseman é pesquisador e coordenador acadêmico da Brasil Health Saúde. Nesta entrevista, ele explica a ideia do descarte consciente dos medicamentos e os problemas causados pela destinação incorreta no meio ambiente.


Os números são grandiosos: mais de 285 mil unidades de medicamentos descartados corretamente, o equivalente a 26 toneladas, deixando em torno de 11 bilhões de litros de água livres da contaminação. Esses são os dados do "preservômetro” do Programa Descarte Consciente. Mesmo com pouco menos de dois anos de vida, a iniciativa, promovida pela Brasil Health Saúde (BHB), possui estações coletoras para descarte de remédios em cerca de 300 pontos de coleta, espalhadas em 10 estados e em mais 100 cidades do Brasil.
Um dos responsáveis pelo projeto, Joe Roseman, pesquisador e Coordenador Acadêmico da BHS, explica em entrevista concedida exclusivamente ao EcoD a ideia do Descarte Consciente e os problemas causados pelo descarte incorreto dos medicamentos no meio ambiente.
EcoDesenvolvimento.org: Como foi que o surgiu o programa?
Joe Roseman: O programa foi inicializado em 2010, mas antes fizemos uma série de pesquisas em diversos países a fim de descobrir as necessidades de fazer, ou não, esse controle. Houve um determinado momento em que nós começamos a nos questionar qual era o destino dado às farmácias domésticas. Encomendamos pesquisas, fizemos enquetes em várias cidades, e percebemos que a grande parte dos medicamentos eram descartados ou no lixo comum ou em vasos sanitários e pias.
"As crianças se intoxicam por medicamentos que estão nas farmacinhas domésticas, muitas vezes por remédios dentro da validade, mas que não serão mais usados porque o tratamento acabou" (Joe Roseman)
Eventualmente, esses resíduos acabavam encontrando aquíferos, estejam eles perto de aterros sanitários, rios ou das próprias centrais de abastecimento de água. Tivemos então a preocupação de reduzir o impacto desses resíduos medicamentosos. Fizemos outras pesquisas para saber como poderíamos fazer isso, e chegamos ao formato que temos hoje: um equipamento de autoatendimento, no qual a pessoa demora menos de 10 segundos para descartar o material. É algo seguro e que envolve toda a cadeia produtiva: laboratório, farmácias e cidadão.
A destinação varia em cada município: onde é possível fazer a incineração, ela é feita, e no restante, por determinação legal, enviamos para aterros sanitários classe 1, específico para esse tipo de resíduo.
Vocês são pioneiros nesse segmento?
O nosso programa é pioneiro no formato que se encontra, com características de autoatendimento, rastreamento e identificação eletrônica. Mas existe hoje na Europa, em Portugal, por exemplo, uma empresa que consegue arrecadar os resíduos em 98% das farmácias. Só que Portugal é do tamanho do Rio de Janeiro. Então, em países como o Brasil, de tamanhos continentais, a logística de Portugal não se aplica.
A cultura brasileira é diferenciada, o brasileiro sempre tenta encontrar um jeitinho para as coisas. O nosso programa é pioneiro na identificação do princípio ativo escaneado e no sentido de descaracterizar a embalagem, para que não haja dúvidas de que ela não vai ser reaproveitada de jeito nenhum. E ainda se tem uma garantia, através de uma identificação, de aquele resíduo foi incinerado ou armazenado adequadamente.
Nós fizemos uns cálculos que mostram que a cada quilo de medicamento coletado nós deixamos de contaminar 450 mil litros de água – é a quantidade referente à diluição dos medicamentos na água. Já coletamos 26 toneladas de resíduos medicamentosos - sem computar neste número as embalagens e as bulas. E esse é outro diferencial: nosso programa permite a reciclagem das caixas e bulas. Embora esteja no início, ainda não temos nem dois anos, já temos 300 pontos de coleta espalhados em 10 estados e em mais 100 cidades do Brasil.
Além de evitar a poluição hídrica, qual a vantagem de descartar corretamente os medicamentos?
Uma das preocupações da coleta de medicamentos foge do aspecto de preservação ambiental. O nível de mortandade infantil por ingestão de medicamentos é extremamente alto. Na maioria das vezes, as crianças se intoxicam por medicamentos que estão nas farmacinhas domésticas, muitas vezes por remédios que estão dentro da validade, mas que não serão mais usados porque o tratamento acabou ou foi interrompido.
"Medicamentos que são vendidos sem a necessidade de prescrição médica, são comprados, muitas vezes, de forma desnecessária” (Joe Roseman)
Aqui vale ressaltar que o Programa Descarte Consciente arrecada medicamentos expirados e os que ainda estão com validade. Os remédios que sobram eu, como acadêmico, aconselho que sejam descartados. É um equívoco achar que os medicamentos na validade podem ser doados para instituições filantrópicas porque não temos como avaliar, com 100% de garantia, em que condições esses medicamentos foram armazenados, se tiveram contato com algum material contaminado. Aí você traz um medicamento para alguém que pode ter consequências diferentes do que o êxito do tratamento.
Essa alternativa, de certa forma, mexe com a cultura do brasileiro. Não somente de não descartar medicamentos vencidos, mas da própria automedicação, não?
Nesse sentido, fazemos palestras sem qualquer custo para clínicas, universidade e outras organizações, para conscientizar as pessoas. Com o advento da internet, muita gente se acha médico. A pessoa identifica alguns sintomas, entra em sites de busca na internet, acha que descobre a doença e compra a medicação. Medicamentos que são vendidos sem a necessidade de prescrição médica são comprados, muitas vezes, de forma desnecessária.
Hoje a automedicação é inevitável, em minha opinião, e é algo que colabora para que haja um consumo mais acelerado. Sobre esse aspecto, eu acrescento que não adiantaria os órgãos competentes exigirem dos laboratórios o fracionamento dos medicamentos. Porque culturalmente, para o povo latino, é melhor sobrar do que faltar. Seja qual for o fracionamento, o brasileiro vai entrar na farmácia e levar em maior quantidade de qualquer jeito. Não é essa a saída e, na verdade, não existe uma única solução. A saída que existe é uma convergência de ações.

Indicação do que pode ser depositado nas estações coletoras
E quais são as consequências do descarte inadequado?
Em relação ao meio ambiente, é que se você descarta medicamentos, principalmente antibióticos, em uma região muito rica em micro-organismos, estes podem vir a sofrer determinadas mutações, se tornando mais resistentes a determinados antibióticos. As consequências disso são obviamente ruins, porque se vai precisar de miligramagem cada vez mais alta para que o remédio surja efeito – e, é claro, isso tem consequências sobre o corpo do paciente. É uma bola de neve.
"Hoje existem diversas leis municipais que tentam impor a obrigação da coleta para as farmácias. Mas essas leis não podem punir, porque o município não tem a capacidade de prover essa coleta e não sabe que tipo de destinação esses resíduos devem ter” (Joe Roseman)
A Anvisa está trabalhando hoje no Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que engloba outras categorias. Mas, ao meu ver, os medicamentos são aqueles que mais merecem atenção. Isso porque se um cidadão vai para um lixão, não vai comer pneu. O filhinho de cinco anos que vai para o lixão porque não tem alternativa, ele não vai comer uma lâmpada, uma pilha. Mas ele com certeza pode ingerir medicamento: "Mãe, estava com uma dor aqui na barriga e encontrei essa bolinha branca aqui, comi remédio e vou ficar bem”. Esse tipo de situação é mais frequente do que a gente imagina.
Nem todos os estados possuem programa de descarte de medicamentos, como o Descarte Consciente. Vocês pretendem ampliar ainda mais a rede vocês? E quando não há essa alternativa, o que o consumidor pode fazer?
Infelizmente nós só podemos entrar nos estados quando somos convidados por empresas. Nos locais onde não há o programa nós instruímos que sejam procurados as Unidades Básicas de Saúde para fazer o descarte.
Para isso eu faço algumas recomendações: primeiro, que pessoa nunca leve um medicamento contendo algum tipo de informações pessoal sobre ela. Segundo, que ela jamais tire o medicamento da caixa. Este é o erro gravíssimo que o cidadão faz. Se eventualmente uma criança ingere e passa mal, não se tem como identificar qual medicamento foi e, consequentemente, demora para o médico saber qual ação faz para salvar a vida dessa criança. E, por fim, se o cidadão for consciente, que dê uma pequena rasgada de forma a descaracterizar a caixa. Porque, infelizmente, a gente sabe que no Brasil sempre tem um jeitinho alternativo.
As farmácias não poderiam simplesmente recolher esses produtos?
"A incineração não é a maneira mais correta de destinação, uma vez que toda combustão gera uma série de gases que também são nocivos ao meio ambiente”(Joe Roseman)
Hoje existem diversas leis municipais que tentam impor a obrigação da coleta para as farmácias. Infelizmente, essas mesmas leis que obrigam não podem punir, porque o município não tem a capacidade de prover veículos específicos para essa coleta e não sabem que tipo de destinação final esses resíduos devem ter. Geralmente, eles não contam com nenhum conhecimento de engenharia química. Como você vai legislar sobre algo que desconhece completamente? Embora a Anvisa esteja estudando a possibilidade, federalmente, não existe nenhuma obrigatoriedade das farmácias recolherem os medicamentos.
Quais são os próximos passos?
A BHS vem hoje trabalhando em uma frente de tratamento final alternativo. Eu identifico que a incineração não é a maneira mais correta de destinação, uma vez que toda combustão gera uma série de gases que também são nocivos ao meio ambiente.
Além disso, trabalhamos no desenvolvimento de tecnologias para o tratamento da água, uma vez que não são todas as estações de tratamento que têm a tecnologia para fazer a captação de agentes químicos. Então, do ponto de vista microbiológico, que é o que a Organização Mundial da Saúde prega, podemos ter uma água 100% potável. Mas do ponto de vista químico, nem tanto.

Confira aqui se sua cidade possui uma coletora do Programa Descarte Consciente

Fonte: http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=72077

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