Sapatos biodegradáveis, artigo de Roberto Naime


O Brasil tem muitos polos de fabricação de calçados espalhados pelo país, que atendem tanto ao mercado interno como às exportações quando a situação cambial se apresenta favorável.
A fabricação de calçados durante décadas se destacou em diversos pólos industriais no mundo todo. Os processos de manufatura de calçados receberam melhorias em sua mecanização, porém continuaram a serem desenvolvidos e fabricados com uma ampla mistura dos mais variados tipos de materiais, provindos de fontes das mais diversas e apresentado uma grande geração de resíduos de classe I, que são resíduos inflamáveis, corrosíveis, reativos, tóxicos ou patogênicos.
Os restos de couro curtido ao cromo agregam metais pesados (principalmente cromo) em sua composição que podem ser cancerígenos ou teratogênicos. Materiais cancerígenos, como a própria palavra diz, são elementos capazes de induzir ou facilitar a implantação de processos tumorosos com reprodução descontrolada de células.
Já os processos conhecidos como teratogenia, são responsáveis pela má formação de fetos em mulheres grávidas. Quase toda contaminação por metais pesados, de alguma forma e com variáveis intensidades pode ser enquadrada nesta categoria.
A reciclagem de materiais, tanto no processo fabril dos calçados e componentes, como a utilização de resíduos gerados em outras fontes, ainda servem de base para a fabricação de muitos tipos de calçados. Mas as possibilidades de separação dos materiais após o encerramento da vida útil deste produto tem se tornado cada vez mais difícil, inviabilizadas pelo baixo retorno econômico da atividade.
A utilização de materiais de fonte renovável e de menor impacto ambiental, além da utilização e desenvolvimento destes materiais com novos conceitos, ou seja, com materiais que tem o seu ciclo de vida diminuído consideravelmente, tem merecido destaque nos dias atuais e tem despertado diversos fabricantes/desenvolvedores de produtos para estas novas possibilidades.
Por materiais de reduzido ciclo de vida se entendem materiais também denominados biodegradáveis ou seja que se decompõe ao final do tempo de vida útil projetado pela análise de ciclo de vida do produto, no caso calçados.
A fabricação destes calçados é feita através de processos que são similares aos tradicionais. Mas o que muda radicalmente são os materiais utilizados.
No lugar do cabedal, aquela parte de cima do sapato que protege o pé, são utilizados cada vez mais materiais alternativos, denominados materiais com baixo impacto ambiental, ciclo de durabilidade reduzido ou biodegradáveis.
São cascas de cereais aglutinadas com resinas biodegradáveis ou outros materiais deste tipo. Enquanto isto são substituídos os forros internos dos calçados, não se usando mais materiais derivados de petroquímica, sendo estimulado o uso de algodão natural ou similares.
Nos solados também são substituídos materiais derivados de processos petroquímicos, por borrachas naturais ou similares. As colas utilizadas nos processos de fabricação são cada vez mais naturais, com solventes a base de água e não derivados de petroquímica como tolueno e xileno. E as linhas de costura são cada vez mais de linhas naturais de algodão, juta ou outro material natural, facilmente degradáveis após o final do ciclo de vida útil do calçado.
Desta forma, ao terminar o tempo de vida útil do produto, não é necessário que existam estruturas, como cooperativas de reciclagem, para separar restos de cabedais com metais pesados e restos de forro ou solas para dar a cada material uma destinação adequada e não impactante sobre o meio ambiente.
Até mesmo porque estas estruturas nunca existiram de forma sistêmica ou organizada. Existem iniciativas isoladas em função de maiores ou menores carências econômicas. Então vai poder se colocar os restos dos calçados juntamente com restos de matéria orgânica, para decomposição ou compostagem, sem que estes materiais produzam o menor efeito poluente sobre solos, águas superficiais ou águas subterrâneas.
Isto partindo da premissa que mais cedo ou mais tarde, o país passe a administrar seus resíduos sólidos não mais priorizando o descarte e o aterramento dos resíduos a qualquer preço, mas se preocupando em viabilizar coleta seletiva que materialize condições de geração de renda para catadores e economizando matérias primas, água e energia para todo o conjunto da sociedade humana.
Dr. Roberto Naime, colunista do Ecodebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate, 17/06/2011
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