Stedile: ‘Governo Dilma foi tomado por tecnocracia de segundo escalão’


Roldão Arruda
Jornalista. O Estado de São Paulo
Adital

O Movimento dos Sem-Terra (MST) realizou nesta segunda-feira, 16, manifestações de protesto em diversas partes do País. Por meio de invasões de propriedades rurais, ocupações de edifícios públicos e interdição de rodovias, os militantes protestam contra a lentidão da reforma agrária. Na opinião do líder mais conhecido e influente do movimento, o economista João Pedro Stédile, o governo da presidente Dilma Rousseff "foi tomado por uma burocracia de segundo escalão que não entende nada de povo”.
Em entrevista ao blog, Stédile também classificou como "burrice política” o contingenciamento de 70%das verbas de custeio do Incra, em vigor deste o início deste mês. Ele ainda criticou o PT, aliado histórico do MST, afirmando que se transformou num partido "chapa branca”, preocupado com cargos. "O PT deveria ter um projeto para o País”, afirmou. De acordo com números oficiais, 2011 foi o pior dos últimos 16 anos em termos de reforma agrária. A que atribui isso?
A um conjunto de razões conjugadas. Em primeiro lugar, está em curso uma ofensiva do agronegócio. Com a crise internacional, bilhões de dólares vieram para o Brasil para a compra de terras, usinas, commodities. Com isso o preço da terra subiu. Isso significa que, para se proteger da crise, eles estão disputando terras que poderiam ser destinadas para a reforma. Em segundo lugar, o governo Dilma não compreendeu ainda a importância e a necessidade da reforma agrária como um programa social, de produção de alimentos sadios, para resolver o problema da pobreza no meio rural. Um terceiro fator é o Judiciário.
Por quê?
O Judiciário está impregnado pela ideologia do latifúndio da propriedade. Há 193 casos de desapropriação parados no Judiciário, esperando apenas uma assinatura. No conjunto são mais de 900 mil hectares que já poderiam ter sido destinados para a reforma.
O governo federal contingenciou quase 70% das verbas de custeio do Incra, justamente no mês de abril, quando o MST realiza sua principal jornada de lutas. Como vê esse corte?
Isso é, no mínimo, burrice política, para não ficar falando apenas de incompetência, se considerarmos que temos 160 mil famílias acampadas, à espera de terra. Em todas as suas falas a presidenta diz que o combate à pobreza é prioritário, que a educação é prioritária. Ao mesmo tempo que ela diz, isso, porém, os burocratas dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Planejamento contigenciam os recursos do INCRA e do Pronera – o único programa de educação no campo. O governo Dilma foi tomado por uma tecnocracia de segundo escalão, que não entende nada de povo e está paralisando todos os projetos sociais. Eles nem conseguem diferenciar que orçamento de reforma agrária e educação não pode ser considerado como custeio.
Acha que a decisão será revista?
Espero que o governo crie vergonha e altere imediatamente. O engraçado é que isso só acontece com programa para pobre. Com orçamento para empresas, para hidrelétricas, pagamento dos juros da divida interna, que é uma vergonha, nunca suspenderam. Eu também espero que a senhora presidenta crie coragem e mude essa política burra do superávit primário, que nenhum pais desenvolvido do mundo usa mais e que reserva mais de 30% de nosso orçamento para pagamento de juros aos bancos.
O senhor fala na criação de mais assentamentos. Mas a presidente diz que está mais interessada na melhoria dos assentamentos já existentes.
A presidenta está sendo mal assessorada. Aliás, ela já percebeu isso e até trocou o ministro do Desenvolvimento Agrário. Melhorar os assentamentos é uma coisa, aliás é uma dívida. Outra coisa é desapropriar para resolver o problema das famílias que não têm terra, que são superexploradas. Misturar as duas coisas é como dizer aos sem-teto: só vamos construir novas casas, depois que fizermos reformas nas casas que já existem!
E quanto aos assentamentos já existentes?
Também estão abandonados. Faltam 180 mil casas. Apenas 10% deles têm acesso ao crédito rural. O programa de assistência técnica é uma vergonha, porque nem chega às famílias. A melhor política para os assentamentos é fortalecer a CONAB, transformá-la numa grande empresa compradora de alimentos produzidos nos assentamentos e na agricultura familiar. Mas o orçamento para essas compras está parado, ao redor de R$ 300 milhões por ano. Se Conab tivesse um R$ 1 bilhão, teríamos um salto, pois os assentados poderiam produzir sabendo que a produção seria toda comprada.
Para garantir a governabilidade e o projeto político do PT, o governo tem feito cada vez mais concessões à bancada ruralista. O que acha disso?
Há muita diferença entre a vontade da presidenta e a natureza de seu governo, que é um governo de composição de classes, uma frente política de interesses diferentes e, às vezes, até antagônicos. Nesse quadro, as classes dominantes, por meio de seus grupos políticos, vão pautando cada vez mais o governo e transformando-o em refém de seus interesses.
E quanto ao PT?
Há uma diferença entre o governo Dilma e o PT. Acho que o PT deveria ser mais ofensivo, ter um projeto para o País e ser autônomo em relação ao governo. Só assim é possível atuar na sociedade, organizar os trabalhadores, mobilizando e pressionando por mudanças estruturais. O problema é que o PT virou um partido chapa-branca, que se preocupa mais com cargos e em puxar o saco do governo, deixando de cumprir seu papel de partido político.
O MST perdeu parte de sua capacidade de mobilização em decorrência do crescimento econômico e da criação de mais empregos.
Claro que existe mais emprego e que houve uma pequena distribuição da renda a favor dos trabalhadores sobre o total do PÌB. Mas isso não significa que os problemas estruturais da concentração da propriedade da terra e da riqueza se resolveram. O Brasil continua sendo um país muito desigual e injusto. E no meio rural a única forma de construirmos um modelo de produção agrícola voltado para o mercado interno, com desenvolvimento econômico e social, é por meio da democratização da propriedade, do fortalecimento de agroindústrias, de cooperativas e da agricultura familiar, adotando a matriz da agroecologia.
E quanto à dificuldade para mobilizar pessoas?
Estamos ainda num período histórico de descenso do movimento de massas e da falta de mudanças estruturais. E é isso que afeta as mobilizações no campo, e também na cidade. A última greve geral foi em 1988, mas nem por isso os problemas da classe trabalhadora urbana se resolveram. Em algum momento, porém, entraremos num novo período histórico de retomada das mobilizações de massa.
As manifestações do dia 16 de abril destinam-se também a relembrar o massacre de trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás, em 1996. Como estão os processos para punir os responsáveis?
Essa é outra vergonha, outra demonstração da conivência do Judiciário com o latifúndio. Foram assassinados 19 companheiros, em 1996. Demoraram seis anos para realizar o júri popular e lá, "milagrosamente”, foram absolvidos os mandantes e os 154 policiais que praticaram os crimes. Foram condenados apenas os dois comandantes, com penas de mais de 200 anos de prisão para cada um. Eles recorreram em liberdade – e assim estão até hoje. Recentemente, no dia 28 de março, o insuspeito ministro Gilmar Mendes, revogou as medidas cautelares e determinou que os dois esperassem na cadeia. Já se passaram 19 dias e a ordem ainda não chegou a Belém. Se fosse um pobre, teria sido preso no mesmo dia.

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