AVE MUDA CANTO DEVIDO A BARULHO URBANO E FICA MENOS ATRAENTE


Os pássaros que vivem nas cidades estão cantando em uma frequência mais alta para serem distinguidos pelas fêmeas no meio do balbúrdia urbana.
Essa mudança causa, entretanto, um contratempo na hora do acasalamento: quanto mais alto o canto, menos sexualmente atraentes os machos se tornam.
Em uma comparação bem simplista, seria o equivalente a uma cantada no interior de um bar barulhento. Um homem elevaria a voz para ser ouvido pelas mulheres ao redor, mas ao fazer isso, também correria o risco de ser desprezado por falar alto.
Para chegar a conclusões com os pássaros, os pesquisadores acompanharam o comportamento do chapim-real (o Parus major).
Analisando a comunicação entre macho e fêmea, a paternidade das crias e as gravações com canto de aves com diferentes ruídos de fundo, a pesquisa concluiu que as os pássaros que cantavam em alta frequência atraíram bem menos fêmeas, em comparação com os demais.
Já os que mantinham a cantoria em baixa frequência eram mais propensos à, digamos, “fidelidade” da fêmea.
Publicado na revista “PNAS”, o estudo de autoria de Wouter Halfwerk e sua equipe da Universidade Leiden (Holanda) teve como proposta mostrar como o som das cidades afeta negativamente o canto dos pássaros.
Há até registro anteriores de aves que abandonaram por completo o canto da manhã e passaram a fazê-lo à noite para driblar a barulheira. (Fonte: Folha.com

ORA, A IMPRENSA: PARA QUE ELA SERVE?


Conta a lenda que certa vez Assis Chateaubriand telefonou para o editorialista do Diário de S. Paulo, encomendando um artigo sobre Jesus Cristo para a sexta-feira santa. Na bucha, perguntou o solícito escriba:


– A favor ou contra?


É fato incontestável que Edmundo Bittencourt mandou expurgar do Correio da Manhã o nome do escritor mulato (o "outro lado” de Machado de Assis) Lima Barreto, ao ver-se retratado (e ironizado) em Recordações do escrivão Isaías Caminha, hoje um clássico da literatura brasileira e uma das mais confiáveis referências sobre a redação de um jornal dessa época.


Também o presidente Arthur Bernardes foi interditado das páginas do Correio, o mais importante jornal da república durante pelo menos meio século. Já O Estado de S. Paulo passou a tratar o governador (e eterno candidato a presidente) Ademar de Barros somente por A. de Barros.


Exemplos do abuso do direito de informar? Certamente. Nem por isso, entretanto, pode-se dizer que os "barões da imprensa” reescreveram como quiseram a história do seu tempo, ou a apagaram, conforme seus caprichos, veleidades e suscetibilidades. O impulso do dono do Correio da Manhã foi típico de exercício do poder e do machismo da época, como o que o fez duelar com o também poderoso político gaúcho Pinheiro Machado. Já o veto a Bernardes foi represália ao fechamento do jornal (por longos sete meses) ordenado pelo político mineiro, que exerceu todo o seu quatriênio presidencial sob estado de sítio, na irrupção das revoltas tenentistas.


Júlio de Mesquita Filho se vingava do interventor de São Paulo, conivente com a ocupação federal do jornal, determinada por Getúlio Vargas durante a ditadura do Estado Novo, que levou a família Mesquita a se exilar. 


Ademar virou uma inicial, mas não sumiu do noticiário. Apenas era tema constante dos ataques do Estadão (como Maluf viria a ser também). Mal menor, principalmente em função do efeito contrário: a repulsa do grande jornal paulista às ditaduras, que levou o filho de Julinho, Júlio Neto, a romper com os militares, cujo golpe o pai apoiara (e dos quais se desligara com o AI-5).


Encarar a grande imprensa como um Partido da Imprensa Golpista não é só uma ofensa à verdade histórica: é uma forma sorrateira (e, para alguns usuários dessa definição, cínica) se estimular, ainda que subliminarmente, a censura oficial, a perseguição estatal ou a sedução pelo poder estabelecido. A esquerda cultiva a última dona do Correio da Manhã, viúva de Paulo, Niomar, como heroína. Sua resistência aos despóticos donos do poder, com a deposição de João Goulart, foi realmente admirável.


Ela demonstrou uma fibra rara naqueles dias de intolerância e obscurantismo, que induziam a covardia e a acomodação. Mas foi também de uma leviandade incrível na condução de uma instituição como o Correio. No auge do prestígio do jornal, seu redator-chefe, o controverso Costa Rego, tinha mais poder do que a grande maioria dos freqüentadores dos palácios do Catete e Guanabara, sedes da presidência da república no Rio de Janeiro. Mesmo eventuais barbaridades eram bem feitas no jornal, temido pelo conteúdo das suas páginas, onde se combinavam inteligência, força argumentativa e boa informação.


Eis o fundamento da relevância social da imprensa: não banir a história cotidiana das suas páginas. Pelo contrário, submeter-se à imposição da função da imprensa: identificar os fatos relevantes do dia a dia e não deixar de referi-los para o leitor, mesmo que a contragosto. Daí a importância da leitura das publicações periódicas. Elas podem minimizar acontecimentos e dificultar a compreensão dos fatos, mas em algum lugar esses dados estarão registrados. A leitura de um jornal com essa diretriz pode ser demorada e exigir maior preparo para sua decodificação, mas terminará por dar ao leitor melhores condições para exercer seu papel social.


Mas o que acontece quando à frente de uma organização complexa e sensível como uma empresa jornalística estão pessoas sem a menor consciência sobre a especificidade do seu negócio e a dimensão profunda do seu produto, ou sem o respeito devido à opinião pública, destinatária e razão de ser da imprensa? O Pará está entregue a essas pessoas. O comando das empresas jornalísticas não está à altura das necessidades e exigências do Estado. Num momento de altas responsabilidades, a imprensa é comandada por anões.


Os dois principais grupos jornalísticos tem interesses políticos e comerciais fortes demais. Não conseguem exercer a função de registrar, analisar e interpretar os acontecimentos sem que essa mediação esteja contaminada pela sua própria condição: de participantes desse enredo diário. Não tem a isenção e a grandeza requeridas para serem os auditores da sociedade.


Por incrível que pareça, a situação é menos grave sob o império do ex-deputado federal Jader Barbalho. Apesar das origens desse grupo de comunicação estarem confundidas pela promiscuidade no exercício do poder público e sua continuidade depender da manutenção desse domínio político, os veículos da corporação tentam até mesmo abrigar o noticiário contra o dono. Há vislumbres e sussurros de controvérsia e crítica no Diário do Pará e nas emissoras da RBA. Mesmo quando periodicamente sujeitos a recaídas censoriais e oportunistas.


Nem isso tem a possibilidade de acontecer no império dos Maioranas. Alguém já viu ou ouviu algum laivo de restrição aos donos das emissoras do grupo Liberal? Já foi possível ler a mais remota sombra de restrição aos integrantes da família, em sua exclusiva face de pessoas públicas e notórias? Quem tiver exemplos, pode apresentá-los.


O que há é abundante demonstração em contrário. Nenhum dos veículos do grupo Liberal fez a mais remota referência à ação proposta pelo Ministério Público Federal contra os irmãos Romulo e Ronaldo Maiorana. Como a ação na justiça federal não existiu para eles, a absolvição também não foi noticiada. Muito leitor deve ter ficado confuso ao constatar que a notícia saiu no rival Diário do Pará, mas não em O Liberal, que, em tese, devia até saudá-la em editorial de primeira página. Afinal, os donos do jornal não estavam se livrando, ao menos no primeiro grau de jurisdição, da ameaça de condenação, que parecia inevitável?


É verdade que o mérito da questão deixou de ser examinado pelo juiz Antonio Campelo. Sua sentença se valeu de uma formalidade, o fim do direito do Estado à punição do delito cometido, tecnicamente chamada de prescrição. Mas certamente não foi pela consciência da relatividade da extinção do processo sem consideração de mérito que nada foi publicado (situação semelhante à do prefeito Duciomar Costa, réu confesso do crime de usar diploma falso de médico, também beneficiado pela prescrição). A razão do silêncio final, coerente com o silêncio inicial, é expurgar o fato inconveniente da história. Quem for reconstituí-la pela consulta à coleção de O Liberal jamais saberá que houve esse processo. Daí tantas histórias falsas escritas por acadêmicos medíocres.


Outro exemplo, o mais recente: os veículos do grupo Liberal não fizeram qualquer registro sobre a morte do advogado, professor e jornalista Fernando Moreira de Castro Júnior. Fernando foi funcionário de O Liberal, amigo ou conhecido dos donos da empresa e pessoa de grande evidência social. Sua mulher trabalhou por muito mais tempo ainda no grupo Liberal.


Ambos eram – e Vera continua a ser – o que antigamente se chamava de confrades dos Maioranas. Mas não só não houve uma única notícia sobre o falecimento como sequer os seis colunistas sociais do jornal se dignaram a dar um adeus ao colega e, para alguns, amigo. Tudo porque ordem superior determinou silêncio total. O crime do réprobo: trabalhar no jornal do inimigo, vergastado quase todos os dias por editoriais monocórdios como o exemplo universal da corrupção, da qual os irmãos Maioranas se livraram (como o próprio Jader Barbalho em outros momentos) pela prescrição, já réus confessos. Ou pelas lacunas nas leis ou pela leniência, lentidão ou incompetência dos órgãos da sociedade incumbidos de punir os malfeitos.


O Liberal parece todo integrado por personagens como o editorialista vassalo de Assis Chateaubriand. Não há mais qualquer força de resistência às ordens emanadas do mais alto posto na hierarquia da empresa, mesmo que essas determinações atentem contra a razão de ser da imprensa ou viole dignidades pessoais, já negociadas e arquivadas no escaninho das conveniências e oportunismos.


Quem vasculhou O Liberal no dia seguinte à morte de Fernando Castro, nada encontrou sobre um fato que podia ter sido albergado em duas linhas de coluna ou num noticiário burocrático. Mas encontrou um anúncio fúnebre do Banco do Estado do Pará comunicando o falecimento – pago, naturalmente. Era só o que havia sobre aquele fato, que qualquer jornal decente não deixaria de publicar. A dignidade jornalística foi extinta no jornal de Romulo Maiorana, se é que já não está em decomposição. O caixa é o que continua funcionando.


Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Adital

As falácias do ‘Emagreça Já’


As falácias do 'Emagreça Já', artigo de Ana Echevenguá

Todo dia, abro minha caixinha de correspondência e sou obrigada a deletar, bloquear, mandar pras alturas várias mensagens inconvenientes, desagradáveis e mentirosas… ‘aumente seu pênis’, ‘tenha orgasmos múltiplos’, ‘viagens e planos de saúde por R$1,99’… Isso é ou não é propaganda enganosa?

E, ultimamente, cresceu o número de mensagens sobre as falácias emagrecedoras. Vejam algumas das tantas pérolas:
“Chá de Folha de Oliveira ajuda a perder 6kg por mês!”
Perca 4KG a cada 11 dias”
Perca 20 quilos por mês comendo semente de abóbora”
Perdi 10 quilos em uma semana comendo macarrão”
Obesidade – EMAGREÇA SEM DIETA”

Haja paciência! Espero que o CONAR – da mesma forma que restringiu a propaganda enganosa de “empresas ‘verdes”, coibndo a banalização da sustentabilizadade, passe a cuidar desse tema tão importante.

Claro que deve haver leitor-consumidor – obeso e desesperado – caindo na estória. Mente insana em corpo insano. “O processo de engorda - segundo o médico Américo Marques Canhoto – está de forma sombria inserido no DNA cultural da maioria dos povos”*.

O excesso (ou sobrepeso, como trata a medicina) e a obesidade são epidemia no Brasil, segundo pesquisa do IBGE –  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O sobrepeso atinge:
-  mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos de idade,
- cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos e
- 48% das mulheres e 50,1% dos homens acima de 20 anos.

Não sei se o bolso influi na obesidade. Mas, entre os 20% mais ricos, o excesso de peso chega a 61,8% na população de mais de 20 anos. E aí se concentra o maior percentual de obesos: 17%.

O problema é mundial. Nos Estados Unidos e China, a obesidade é caso de saúde pública. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2010, nos EUA, mais de 74% das pessoas com 15 anos ou mais são classificadas como acima do peso. E, na China, 38,5% da população de 15 anos ou mais estava acima do peso. Embora os números sejam menores, a expansão da taxa de obesidade dentre a população chinesa é gritante. Logo, logo, terá tantos obesos quanto os EUA.

Estranho é que essa epidemia ocorre justamente na Era da Cultura do Corpo. Onde está o fato gerador disso? Na falta de informação? Na desinformação desenfreada?
Interessante o raciocínio de Nara Rejane OliveiraMestre em Educação Física pela UNICAMP e Doutoranda em Educação pela USP, em seu ensaio “Cultura do corpo na pós-modernidade: reflexões para a Educação Física”.

Ela diz que “O mais contraditório é que em nome da qualidade de vida e da saúde, tão divulgadas pela medicina atual, as pessoas parecem vivenciar uma nova patologia na modernidade tardia, se submetendo a rigorosos tratamentos e intervenções sobre o corpo, muitas vezes agredindo o próprio organismo. Não é à toa que anorexia, bulimia, dentre outras, figuram como doenças típicas da atualidade, assolando principalmente pessoas mais jovens. “Parecer” bonito, saudável, adepto a uma (pseudo) qualidade de vida é o que importa. A essência do corpo, ou o próprio ser (GIL, 1997), parece não importar tanto”**.

Acho que, em nome desse “parecer bonito e saudável”, podemos pensar em saúde, em comer comida saudável, em praticar exercícios saudáveis, em cultuar nosso corpo da forma mais correta e saudável possível…

Enfim, acho que devemos, mais do que nunca, usarmos todos os nossos conhecimentos adquiridos e adotarmos hábitos que nos garantam – de verdade – a sadia qualidade de vida.

Vamos cuidar da essência do nosso corpo. Mesmo que isso represente o sacrifício de fechar a boca para algumas guloseimas. E os ouvidos para as mentiras dos marqueteiros de plantão.
Ana Echevenguá – advogada ambientalista – OAB/SC 17.413ana@ecoeacao.com.br
Instituto Eco&Ação – 
www.ecoeacao.com.br
EcoDebate, 29/08/2011
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Crise Social, crise financeira e sustentabilidade


A junção da crise climática com a crise financeira global leva à necessidade de uma profunda reflexão sobre o modelo econômico e civilizatório adotado pela maioria dos países da Terra


A grave situação atual do mundo confirma Vinícius de Moraes: é impossível ser feliz sozinho. Mas como "estar junto” e "feliz”? Esta é a pergunta que está nas ruas, nas casas, nas empresas, nos corações e mentes dos cidadãos. Respondê-la é abrir as portas para um novo mundo, mais justo e solidário. O caminho, como no verso do poeta espanhol Antonio Machado, está sendo feito ao caminhar.
A inquietação dos manifestantes das ruas do Oriente Médio, da Europa e do Chile não é diferente daquela que está presente entre executivos e funcionários de empresas. Existe alguma coisa de muito estragada no modelo de civilização, que já não pode mais ser disfarçada por "perfumes”, ou seja, por ações contemporizadoras.
O que está acontecendo com a vida da gente e as certezas que temos? Não é simples de explicar e exige esforço para entender, mas é preciso encarar essa tarefa. Então, vamos lá.


Estamos vivendo duas crises combinadas e desiguais em intensidade e espaço temporal. Uma, de impacto planetário-civilizatório, ainda tem suas consequências pouco conhecidas. É chamada de "mudanças climáticas”. A outra, de modelo de desenvolvimento –e chamada de crise financeira–, emergiu com força em setembro de 2008, amainou um pouco em 2010, mas voltou em 2011, agora sob outros nomes –crise fiscal, da dívida pública, do orçamento, etc.–, mas uma mesma origem: as vultosas somas que os governos dos países centrais desembolsaram para salvar os bancos em 2008.


Esse dinheiro não voltou para produção, a fim de gerar emprego, renda e impostos que reporiam as despesas. Esse dinheiro –público– foi usado pelos bancos para recompor a especulação financeira. Com isso, os governos agora não têm de onde tirar recursos para honrar seus compromissos com credores, com aposentados, com professores ou com os usuários de serviços públicos essenciais, que são os cidadãos comuns. O reflexo dessa escassez está nas ruas do Oriente Médio e da Europa.


Nenhum continente ou país está imune a qualquer das duas crises. Em alguma medida, todos sofrerão com elas, a menos que se entenda o que está ocorrendo e se consiga compreender que não haverá saída para um país isoladamente. Ou toda a humanidade encontra a solução, ou as crises vão se repetir a cada ciclo, cada vez mais profundas e mais dolorosas.


E a solução para a primeira crise passa pelo entendimento da segunda, que é a de que há uma incapacidade estrutural de os mercados darem conta das demandas socioambientais e econômicas, bem como de autorregulação e de transparência.


A sociedade está dando mostras de que não aguenta mais um modelo de desenvolvimento que não resolve as demandas mais corriqueiras e que gera enorme desigualdade social. O novo modelo desejado anda "suspirando no breu das tocas”, mas ainda não encontrou sua expressão mais acabada. Porque ele será uma construção coletiva de bem-estar e felicidade ou, simplesmente, "não será”.


Tempo da utopia


As empresas têm avançado um pouco mais na discussão de outro padrão de negócios, aprofundando também o debate sobre o que deve ser a sociedade que suporte esses negócios. Mas, o tema é grande demais e não pode ficar circunscrito a nenhum segmento.


Definir novos padrões de consumo, produção, cultura e comportamento significa também discutir as novas fronteiras da liberdade individual, que, gostemos ou não, está no cerne do tamanho do impacto das crises. Abre-se, então, um novo espaço para a utopia – aquele lugar ideal onde todos queremos viver. Construir um novo modelo de desenvolvimento retoma o pensamento utópico relegado a segundo plano desde que alguns sábios decidiram que a História tinha morrido e que o deus mercado daria conta de tudo.


Como será essa sociedade nova que começa a ser desenhada em lugares tão díspares quanto a internet, a rua e o escritório de uma empresa? O consumo precisará ser encarado como um ato de cidadania, mais do que de satisfação de um "desejo” individual. E os produtos e serviços dele decorrentes deverá ser resultado de um processo de diálogo entre cidadãos e agentes produtivos. 


Donde pode decorrer uma democracia participativa, calcada em processos de diálogo bastante estruturados, capilarizados e abrangentes, para de fato dar voz e decisão a todos.
Os governos, portanto, serão muito mais agentes indutores de políticas públicas respaldadas pela sociedade. E as empresas, agentes operadores dessas políticas, em todos os níveis, suprindo as necessidades e demandas identificadas nesse processo constante de diálogo.


Economia verde, inclusiva e responsável


O mundo terá uma oportunidade de ouro para ao menos começar a estabelecer os alicerces do novo mundo: a Rio+20. Por isso, é tão importante a sociedade brasileira mobilizar-se para encaminhar propostas para esse encontro; mais do que isso, induzir a sociedade civil dos demais países a também se mexer para trazer idéias e propostas inovadoras – utópicas, não importa. Precisamos voltar a sonhar, porque no sonho tornamos possível o impossível e, aí, quando acordamos, achamos os meios para realizá-lo, já dizia um certo barbudo de Viena.


Outro barbudo, este alemão, fez uma afirmação que cabe bem aos revoltosos de hoje: revolta "contra” ou "a favor” não é revolução, não muda, a menos que haja uma "teoria” que dê sustentação à mudança. Pois é disso que se trata a Rio+20: um momento para dar alicerces mais firmes a uma teoria para mudar a economia – e a civilização – do século XXI.


Há um ponto de partida, no caso do Brasil, que é a Plataforma para uma Economia Verde, Inclusiva e Responsável. Ela própria uma construção coletiva de várias empresas que vem sendo refeita à medida que novos parceiros resolvem assumi-la e enriquecê-la com suas próprias visões de mundo.


Por Jorge Abrahão
Presidente do Instituto Ethos

Irrigação de cana no Semiárido



Pesquisador contesta irrigação de cana no Semiárido defendida por ministro


No último dia 9, o Jornal do Commercio de Pernambuco publicou a matéria "Irrigação terá 5 bilhões”, na qual o ministro da Integração, Fernando Bezerra Coelho, anunciou um projeto nacional de irrigação no Semiárido do Nordeste para viabilizar a "nova fronteira da cana-de-açúcar”.
"O ministro defendeu que essa área por onde vão passar os projetos de irrigação "é a nova fronteira da cana-de-açúcar e o Semi-árido do Nordeste atende a lógica da geração do etanol”. Pelos cálculos do ministério, dos 200 mil hectares a serem irrigados, 100 mil deles poderão ser ocupados com a cana-de-açúcar.”, revela um trecho da reportagem.
Para debater sobre esse projeto, a Asacom entrevistou o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, especialista no estudo hidrológico do Semiárido, autor do livro "A transposição do Rio São Francisco na perspectiva do Brasil real” e tem mais de 80 artigos publicados, muitos dos quais sobre o projeto de transposição.


O que o senhor acha de plantar cana irrigada no Semiárido?


João Suassuna - O Rio São Francisco é um rio de múltiplos usos, tem uma importância enorme na geração de energia no Nordeste. Já temos mais de 10 mil megawatts de potência instalada no rio. A região é uma grande importadora de energia. No ano de 2010, o sistema Chesf gerou seis mil megawatts médios e a região precisou de oito mil megawatts médios. Ou seja, o rio São Francisco já não atende a geração de energia do Nordeste. Temos que consumir energia vinda de fora. Nós também temos um parque irrigável importante na margem do rio São Francisco, algo em torno de 800 [mil] a um milhão de hectares, dos quais 340 mil já estão irrigados, isso já leva uma fatia enorme da água do São Francisco.
Numa hora em que o São Francisco já não dispõe de volume pra gerar a energia necessária no Nordeste, na hora em que temos um parque de irrigação que cresce essa área a 4% ao ano e já existem projetos em carteira que não vão pra frente porque o rio São Francisco não dispõe de volume pra atender a irrigação daquela área prevista, nessa hora se quer tirar água para irrigar o oeste de Pernambuco, que se fala em 160 mil hectares, dos quais 80 mil só com cana de açúcar. Isso, fisicamente, é impossível atender com os volumes do São Francisco atuais a essa área que estão pretendendo irrigar. A cana de açúcar é um vegetal muito eficiente em pegar os gases atmosféricos e os nutrientes do solo para transformar em sacarose, mas precisa de muita, muita água.
Seguramente, não vamos contar com os volumes [de água] do São Francisco primeiro para atender as demandas de energia e irrigação que já vinham sendo feitas e, agora, querer irrigar mais 160 mil hectares, 80 mil só com cana de açúcar? Fisicamente, isso vai ser impossível.


Asacom - Quando o senhor fala deste parque de irrigação, o senhor inclui o a irrigação prevista no projeto de transposição do São Francisco?


João Suassuna - Não. Porque esta irrigação prevista no projeto de transposição é no Nordeste Setentrional, é fora da bacia do rio, são 350 mil hectares a mais. Isso só tem a agravar o problema.
Eu tenho estudado a questão da transposição há 16 anos, tenho mais de 80 artigos circulando na internet e no ano de 2010 escrevi um livro aproveitando todo esse acervo de informação gerado por mim. Falo, neste livro, sobre as debilidades do São Francisco em oferecer volumes para atender a tudo isto. Já tem a irrigação, a geração de energia no Nordeste e querer levar as águas para atender a 12 milhões de pessoas que estão sedentas e ainda irrigar 350 mil hectares nas margens dos canais, é outra coisa que vai ser impossível. Estou mostrando que existem alternativas mais interessantes. O próprio governo federal mostrou estas alternativas com a edição do Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de Água, que é um trabalho que está sendo coordenado hoje pela ANA [Agência Nacional de Águas]. É um trabalho que, com metade do custo previsto para a transposição - com R$ 3,3 bi quando a transposição estava prevista no primeiro momento no valor de R$ 6,6 bi - abastece algo em torno de 34 milhões de pessoas no Nordeste, enquanto a transposição visa o beneficiamento de 12 milhões de pessoas. É um projeto socialmente mais abrangente. E, pra surpresa nossa, quem foi priorizado no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) não o foi o Atlas e sim a transposição.


Asacom - Mas esse projeto de transposição revela um modelo de desenvolvimento econômico concentrador das riquezas...


João Suassuna - Pois é. Essa água seguramente não vai atender a quem mais precisa no Nordeste, que é a população difusa, que vive nos pequenos lugarejos, nos sítios, nas propriedades, nos grotões. Essa população, que hoje é assistida por frotas de carros-pipa, ela não vai ver uma gota da água do São Francisco porque essa água, quando abastecer as principais represas do Nordeste, vai ser utilizada pelo grande capital. É um modelo de concentração de renda para os grandes. Os pequenos, as populações difusas, vão continuar sendo assistidas por frotas de caminhões pipa. No nosso modo de entender é exatamente aí onde reside a indústria da seca.


Asacom - De que maneira a sociedade pode se organizar para fazer resistência ao projeto de irrigação de cana no Semiárido?


João Suassuna - Já existe uma ação que no meu modo de entender é muito importante. Foi feito o zoneamento da cana-de-açúcar pela Embrapa, que excluiu a cana-de-açúcar irrigada dos limites do Semiárido porque [a região] não dispõe de volume suficiente [de água] pra praticar esse tipo de cultivo. Antes de se propor um projeto maluco como esse de se tirar água da represa de Sobradinho pra irrigar 160 mil hectares no oeste de Pernambuco, tem que se observar os trabalhos já feitos por órgãos oficiais, como a Embrapa. Se existe um trabalho de zoneamento agrícola que exclui a cana de açúcar dos limites do Semiárido, por que se propor a irrigação de 80 mil hectares de cana no Semiárido? Isso não tem sentido.


Asacom - E ainda há os impactos ambientais de uma monocultura num solo suscetível à desertificação...


João Suassuna - Os solos do Semiárido são solos dificílimos de serem trabalhados, porque nós temos 70% do Semiárido com uma geologia que chamamos de cristalino. A rocha que dá origem ao solo está praticamente na superfície, em alguns lugares chega a aflorar. Esses tipos de solos são difíceis de serem drenados. E essa região tem uma evapotranspiração muito acentuada, evapotranspira no Nordeste seco mais de dois mil milímetros por ano, numa região que chove até 800 [milímetros]. Se você observar diretinho chove mais de baixo para cima do que de cima pra baixo. E se não houver uma assistência técnica adequada, o cidadão que pegar água do São Francisco e começar a irrigar e não se preocupar com a drenagem, vai ter um insucesso tão grande e, a curto prazo, vai começar a salinizar toda a região. Isso é uma coisa que estamos começando a divulgar neste momento.
O que se deveria estar sendo feito hoje no governo Dilma e já tinha questionado isso no governo Lula, era primeiro partir para revitalizar toda a bacia do São Francisco, que está completamente degradada, já não temos mais matas ciliares, as matas estão virando carvão. Em todo o oeste de Pernambuco tem uma jazida de gipsita, que é transformada em gesso sob o uso da lenha da Caatinga. Naquela região, que faz parte da bacia do são Francisco, já não tem mais Caatinga. A gente teria que prestar mais atenção e investir todas as nossas fichas nisso aí e não tirar água do rio para abastecer o povo que nós sabemos que não vai ser abastecido e sim essa água vai ser direcionada para o grande capital, é a criação de camarão, é a irrigação em grande escala e por aí vai.
E outra: temos que dar apoio sim ao trabalho que a ASA [Articulação no Semi-Árido Brasileiro] vem fazendo nessas tecnologias de acesso à água que vem da chuva, que é o caso da cisterna rural de 16 mil litros que abastece uma família de cinco pessoas – água para beber e cozinhar – nos oito meses sem chuva. Isso é uma coisa certa. A gente faz um cálculo de telhado que em um metro de telhado, se chover um milímetro, você tem um litro d’água. E no Semiárido chove até 800 milímetros! Você tendo aquela água e acumula no oitão de casa, isso é uma alternativa que soluciona a questão da água para beber. Partiríamos para o Atlas Nordeste, para o abastecimento de municípios de até cinco mil habitantes, e teríamos soluções extremamente mais viáveis em termos de problemas de abastecimento e não partindo para uma transposição do São Francisco, que é um projeto faraônico que só vai encher os bolsos das empreiteiras e dos grandes empresários.


Verônica Pragana - Asacom
24/08/2011

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