O que os EUA podem ganhar com o golpe no Paraguai

A reação de Washington ao golpe "democrático" no Paraguai será, como
sempre, ambígua. Descartada a hipótese de que os estadunidenses agiram para
fomentar o golpe — o que, em se tratando de América Latina, nunca pode ser
descartado –, o Departamento de Estado vai nadar com a corrente, esperando
com isso obter favores do atual governo de fato.
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Não é pouco o que Washington pode obter: um parceiro dentro do Mercosul, o
bloco econômico que se fortaleceu com o enterro da ALCA — a Área de Livre
Comércio das Américas, de inspiração neoliberal. O Paraguai é o responsável
pelo congelamento do ingresso da Venezuela no Mercosul, ingresso que não
interessa a Washington e que interessa ao Brasil, especialmente aos estados
brasileiros que têm aprofundado o comércio com os venezuelanos, no Norte e
no Nordeste.

Hugo Chávez controla as maiores reservas mundiais de petróleo, maiores
inclusive que as da Arábia Saudita. O petróleo pesado da faixa do Orinoco,
cuja exploração antes era economicamente inviável, passa a valer a pena com
o desenvolvimento de novas tecnologias e a crescente escassez de outras
fontes. É uma das maiores reservas remanescentes, capaz de dar sobrevida ao
mundo tocado a combustíveis fósseis.

Washington também pode obter condições mais favoráveis para a expansão do
agronegócio no Chaco, o grande vazio do Paraguai. Uma das preocupações das
empresas que atuam no agronegócio — da Monsanto à Cargill, da Bunge à Basf
— é a famosa "segurança jurídica". Ou seja, elas querem a garantia de que
seus investimentos não correm risco. É óbvio que Fernando Lugo, a esquerda
e os sem terra do Paraguai oferecem risco a essa associação entre o
agronegócio e o capital internacional, num momento em que ela se aprofunda.

Não é por acaso que os ruralistas brasileiros, atuando no Congresso,
pretendem facilitar a compra de terra por estrangeiros no Brasil. Numa
recente visita ao Pará, testemunhei a estreita relação entre uma ONG
estadunidense e os latifundiários locais, com o objetivo de eliminar o
passivo ambiental dos proprietários de terras e, presumo, facilitar futura
associação com o capital externo.

Finalmente — e não menos importante –, o Paraguai tem uma base militar
"dormente" em Mariscal Estigarribia, no Chaco. Estive lá fazendo uma
reportagem para a CartaCapital, em 2008. É um imenso aeroporto, construído
pelo ditador Alfredo Stroessner, que à moda dos militares brasileiros
queria ocupar o vazio geográfico do país. O Chaco paraguaio, para quem não
sabe, foi conquistado em guerra contra a Bolívia. Há imensas porções de
terra no Chaco prontas para serem incorporadas à produção de commodities.

O aeroporto tem uma gigantesca pista de pouso de concreto, bem no coração
da América Latina. Com a desmobilização da base estadunidense em Manta, no
Equador, o aeroporto cairia como uma luva como base dos Estados Unidos. Não
mais no sentido tradicional de base, com a custosa — política e
economicamente custosa — presença de soldados e aviões. Mas como ponto de
apoio e reabastecimento para o deslocamento das forças especiais, o que faz
parte da nova estratégia do Pentágono. O renascimento da Quarta Frota,
responsável pelo Atlântico Sul, veio no mesmo pacote estratégico.

É o neocolonialismo, agora faminto pelo controle direto ou indireto das
riquezas do século 21: petróleo, terras, água doce, biodiversidade.

Um Paraguai alinhado a Washington, portanto, traz grandes vantagens
potenciais a interesses políticos, econômicos, diplomáticos e militares
estadunidenses.

http://www.diarioliberdade.org/artigos-em-destaque/405-institucional/28552-o-que-os-eua-podem-ganhar-com-o-golpe-no-paraguai.html

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