AS ÁGUAS VÃO ROLAR MAIS NO MARANHÃO

Encontros vão discutir papel dos Comitês de Bacias e uma maior participação da sociedade na política de recursos hídricos do País
Almacks participando da reunião do Fórum Nacional de Comitês realizada em Florianopolis - SC, discutindo os Comitês do Nordeste


A questão da água começa a ocupar um espaço importante no Maranhão. Neste sábado e domingo, em Açailândia, acontece a 11ª. Romaria da Terra e da Água,
organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB), que tem como lema Terra, Água, Direitos: Resistiir, Defender e Construir, e como um dos principais objetivos o enfrentamento à ilusão dos grandes projetos, que vem causando muitos prejuízos sociais e ambientais no Estado. 

O tema da água volta à pauta em outubro quando dois eventos de âmbito nacional trazem para São Luís a discussão sobre o papel dos Comitês de Bacias Hidrográficas e a participação da sociedade civil nas decisões que afetam o futuro das águas no Brasil.


Um destes eventos, que será realizado entre os dias 25 a 27 de outubro, no Basa Clube ( Av. dos Holandeses) comemora os 10 anos do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas( FONASC.CBH),que vem desenvolvendo um importante papel no sentido de alertar contra os descaminhos da política nacional de recursos hídricos e de mobilizar e capacitar representantes da sociedade civil para uma atuação mais qualificada junto aos Comitês de Bacias. 

O coordenador nacional do FONASCH, o sociólogo João
Clímaco, revela, nesta entrevista, que apesar de ser um dos Estados com a maior disponibilidade de recursos hídricos, o Maranhão é um dos mais atrasados em relação a aplicação da legislação e reclama da forma equivocada como a questão da água vem sendo tratada, como um bem econômico e não como um direito básico, o que vem gerando, entre outras conseqüências, o aumento dos desastres hídricos. Confira, abaixo, trechos da entrevista.


NO ALTAR DOS COMITÊS


"Historicamente vendeu-se a idéia de que os Comitês de Bacias seriam o lócus privilegiado onde se resolveria todas as contradições sociais e as diferenças de classe, de credo e de religião e todo mundo seria convergido para o parlamento das águas...Mas isso foi uma ilusão . 

Na sociedade capitalista o que temos visto é que criaram um formato institucional onde os movimentos sociais,as organizações de direito difusos, os cidadãos que são maioria, são representados por duas, três ou quatro entidades, no máximo, dentro destes Comitês...O que acontece é que isso não propicia a negociação e estamos ali praticamente para referendar decisões de outros campos políticos, sobretudo os interesses encastelados no Estado, que muitas vezes representa o setor econômico.


Precisamos mudar isso porque não podemos ficar numa lógica onde as pessoas não negociam sobre a água como espaço do crescimento da política e então colocam-nos em um altar figurativo onde as decisões não são as demandas da sociedade, de quem está sofrendo na carne falta de água, poluição, falta de saneamento e a degradação das bacias e seus rios..


VISÃO DO SISTEMA


São 10 anos em que o FONASC está batendo na tecla de que esse sistema de gestão, do jeito que está, vem sendo responsável pela destruição de nossos rios na medida que prioriza uma visão economicista, burocrática e tecnocrática, que não integra e não incorpora os preceitos da visão da água como recurso ambiental, como bem fundamental para a sociedade. Como estamos diretamente envolvidos com essas demandas da sociedade, vemos os espaços políticos como espaços de conquista de direitos, de até possibilitar, através da água, a reforma para evolução das relações políticas, a modernização do Estado.


Todos os estudos científicos e técnicos mostram que teremos um stress hídrico no Maranhão a médio prazo , um Estado com grande disponibilidade de recursos, mas que está implementando um modelo de desenvolvimento sem considerar que a água é fundamental nos seus aspectos de uso múltiplo. Por isso, estamos fazendo um esforço para motivar esse clima de pedagogia política, de
mobilização da sociedade para que ela ocupe seu espaço de maneira competente e exija que o Estado regule o uso da água garantindo o seu uso múltiplo, de forma organizada como prevê a lei.

QUEM PAGA



Temos visto que é impossível fazer cidadania com as águas ou trabalhar a dimensão da política e da participação cidadã com as águas, se você as engana. Estamos observando que os políticos não estão tendo essa visão e não priorizam iniciativas contra os desastres hídricos que se evidenciam como se a água estivesse reagindo como vida à dimensão política pequena que se está tendo em relação a ela...E quem está pagando isso são as populações mais carentes, as periferias, que na verdade estão pagando o preço pelo mau uso e pela má gestão da água...Quando você adota uma política que na sua essência deveria consertar isso e faz exatamente o contrário, está fazendo uma deslegitimização do processo da construção cidadã em função de interesse menores, de interesses econômicos localizados. 

Essa dimensão holística integradora da água e da Bacia, que foi contemplada na lei, não está sendo respeitada. Essas contradições se evidenciam na medida em que a gente vai atuando nos Comitês e vendo esta atitude do político tradicional e seus subordinados , que ainda não entenderam a dimensão da política da água como fator integrador de convergência, mas sim como meio de desagregar, de criarconflitos .

Nosso papel é mostrar essa dimensão e fazer com que haja uma agregação de valores novos que a água pressupõe para poder se mexer com ela...O que a gente vê é exatamente o contrário.


DISPUTA


Há uma lógica da infinitude dos recursos naturais, que permeia o pensamento das pessoas, de todas as classes sociais. Em qualquer país que existe carência de recursos, você sente que a população já tem um olhar mais responsável, enquanto no Brasil, como somos tão ricos, a idéia é que se pode fazer o que se quiser, até sustentar essa corrupção generalizada que o País tem..Somos tão
ricos , porque dá também para todo mundo fazer a má política, se dar bem, e o povo continuar aí vendo a sua água se deteriorando na medida que é interessante para alguns sua escassez para o mercado. ...Mas isso pode está
mudando... Como? ...Já estamos vivendo conflitos localizados onde há uma disputa pelo uso da água, projetos e expansão de grandes conglomerados que estão disputando a água com as populações carentes...As pessoas continuam agindo como se tivéssemos toda água do mundo e ela é finita...E não adianta ter água se não se pode beber...Existem estados da federação em que o stress hídrico não é por falta de água, mas porque ela está poluída ou foi apropriada por alguma atividade de maneira equivocada ,o que exige que um sistema de regulação seja implantado dentro dos princípios previstos em lei.


CHAPA BRANCA


O que se vê é uma ascensão do poder burocrático, do poder tecnocrático, dos grupos de interesse, das corporações, que se autopromovem, ainda mais quando o
Estado não tem uma postura estratégica e afirmada em relação a água, aí se cria um ambiente de poder paralelo que tenta esvaziar a visão colegiada e a tomada de decisão compartilhada.


Então as outorgas que são emitidas para seu uso pelo Estado,deveriam ser questionadas pelos Comitês, que muitas vezes já se tornaram chapa branca por conta de uma estrutura que tenta isolar as demandas da sociedade através de pouquíssima representação neles contidas. Então há uma tendência, por motivações econômicas e políticas, de artificializar a tomada de decisão sobe a água para que se mantenha uma aparência de que as coisas estão acontecendo de maneira politicamente aceitável, quando na verdade não estão. Em treze anos
de Política Nacional de Recursos Hídricos, são poucos os casos no Brasil que essa política está tendo efeito na qualidade e quantidade de água. E isso não é por aviso do nosso segmento. O Estado está inapropriado para a dimensão conceitual e até revolucionária da água como um meio para se unir as pessoas e modernizar as instituições . 

A água na verdade é um bem espiritual, econômico, social, poético, um alimento humano que serviria para unir as pessoas...Será se vamos esperar acontecer mais tragédias para conseguir nos unir pelo que ela nos ensina?


O PAPEL DA SOCIEDADE


O FONASCH surgiu dentro de um Encontro de Comitês , quando identificamos que o Comitê por si só é uma abstração, um arranjo institucional que não iria resolver o problema se não tivesse uma efetiva participação social e
abrangesse as demandas da sociedade. Então criamos o Fórum formados por pessoas e cidadãos que representa a concretude da dimensão sociopolítica da água. A sociedade está sendo o tempo todo instada a denunciar, a mostrar que os Comitês nestes 10 anos estão ficando enfraquecidos por falta de uma decisão política maior dando margem ao protagonismo de grupos setoriais corporativos que se apropiaram da política de recursos hídricos. E temos feito o nosso trabalho de capacitar, articular, mobilizar cidadãos para que atuem nos Comitês de maneira politicamente mais incisiva, mais cidadã frente a essa realidade . Não podemos pensar que nenhuma instância ou norma em si já vai resolver o problema, mas por sua vez não podemos deixar que nos seus aspectos positivos ela seja manipulada para dar margem ao uso econômico de um bem que não é apenas econômico, mas é direito básico. 


O FONASC começou como um grito de rebeldia dentro de um encontro de comitês, no início éramos tidos como incomodo a essa idéia falsa de um parlamento das águas, mas todas as nossas premissas infelizmente, estão sendo evidenciadas ....Nosso papel tem sido mostrar para a sociedade brasileira que água, política, cidadania andam muito juntos e que se não tomarmos cuidado vamos ver o pobre não ter direito para tomar sua própria água e os rios desviados para atividades sem respeitar seus usos múltiplos.


CELEBRAÇÃO


Estamos celebrando estes 10 anos com o pouco que se conseguiu, mas sempre com a fé e esperança de que o dia a dia da luta é que nos realimenta para mostrar. 

Raimundo Boges


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