EXIBIÇÃO CINEMATOGRÁFICA - por Valmir Carlos Amorim

Valmir Carlos Amorim, é mirangabense e poeta. Vive a sua vida resgatando as  histórias dos rios Preto e Branco (afluentes do Salitre) em Taquarandi (Canavieira).

A primeira exibição cinematográfica em Canavieira, pequeno povoado do Município de Saúde, norte da Bahia, aconteceu durante a Santa Missão Católica realizada pela Paróquia de Senhor do Bonfim. Era começo dos anos de l.950, quando nem o rádio ainda havia chegado àquelas paragens.
Como nenhum dos moradores do pequeno vilarejo conhecia a novidade, a notícia veio como presente para os humildes residentes do lugar.
Nicolau, mulato comprido de pele bem escura e cabelos negros lisos, desde as cinco da tarde começou a preparar os apetrechos para exibir a fita que se encontrava dentro de uma lata redonda, até então mantida guardada no fundo do jipe Willys capota de aço que era utilizado pelo frei Lino em seus constantes deslocamentos. A bateria do veículo serviria de fonte elétrica para movimentar o projetor e a película.
A Igreja do Bom Jesus, devidamente caiada para a ocasião, era, no centro do largo, um ponto branco a contrastar com o verde da relva, aonde constantemente as cabras de dona Chiquinha Baptista vinham comer o mata-pasto, a malva e beldroega. As portas de entrada da igreja, pintadas de cor azul celeste, eram três, sendo que a do meio, um pouco mais larga que as outras duas. Numa das duas torres que ladeiam as portas de entrada fica o sino que é utilizado para chamar os fiéis para as práticas religiosas.
Pela manhã, durante a celebração da missa, frei Lino anunciou que, à noite, haveria a projeção de um filme para fechar o encerramento das festividades em louvor ao Santo Senhor. Convidou a todos e sugeriu aos presentes à missa, que convidassem também vizinhos e conhecidos para assistir ao filme que seria exibido a partir das dezenove horas.
Desnecessário apelo, porque a novidade atraiu toda a população local. Outros religiosos, oriundos de localidades vizinhas como Caatinga do Moura, Mangabeira, Barra, Caldeirão e Canabrava, decidiram arredar pé somente depois da projeção cinematográfica. Imaginem se alguém iria perder essa novidade por nada!?
À missa, durante o dia, Inácio Souza não compareceu. Não era mesmo de fazer parte de qualquer grupo social ou religioso. Mas, à noite, estava metido entre os expectadores, transitando, puxando conversa. Sem saber, na realidade, do que se tratava, nem o porquê da reunião, tentou inutilmente conversar com um e com outro, porém ninguém lhe dava ouvido. Lá, também, estava eu, menino curioso, ansioso para conhecer a inusitada novidade.
A parede lateral da igreja ficou servindo de tela para o projetor que, durante a exibição da película, produzia insistente barulho, a contrastar com a trilha sonora do filme em preto-e-branco.
Todos em pé, ao lado da igreja, aguardavam. Por fim, no quadrado luminoso estampado na parede, em letras garrafais, apareceu o título: A PAIXÃO DE CRISTO.
Inácio não sabia ler, por isso continuou apático ao conteúdo do filme.
Com o desenrolar da história, a ansiedade dos expectadores cedeu lugar ao pesar, diante de tanto sofrimento imposto a uma pessoa. A coroa de espinhos, as chicotadas, a humilhação e o desrespeito causavam revolta e lágrima. Num canto e noutro, alguém enxugava os olhos com o xale, ou mesmo com parte da própria vestimenta.
Inácio, totalmente alheio, olhava para as pessoas sem compreender o motivo do choro da plateia.
Terminada a exibição, o silêncio pesava igual chumbo. Emocionadas, as pessoas permaneciam em silêncio, enquanto afastavam-se do local.
Em dado momento, para quebrar o gelo, ou porque não conseguia ficar calado, Inácio exclamou, em voz alta:
- Teve um que tomou taca por desgraça!
- Rapaz! O que é isso? Que falta de respeito!
Alguém que se encontrava próximo, falou.
- Então, você não vê que aquele que apanhou tanto era Jesus Cristo? Aquele que tanto sofreu para nos salvar era o Filho de Deus?
- Meu Deus me perdoe.
Disse, abaixando a cabeça e afastando-se de mansinho...


Um comentário:

  1. O fato do veículo chegar na cidade foi um grande avanço, mas o filme foi o sinal da modernidade
    Um abraço
    Prof. Dr. Ossimar Mendes Tinel

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